Opinião de Luís Manuel Almeida (Presidente da Direção da Associação Vale d’Ouro)
O nosso país poderá estar à beira de uma (nova) revolução no setor ferroviário. Se por um lado esta revolução é imprescindível para redução das assimetrias sociais e económicas que teimam em afastar o ‘interior’ do ‘litoral’, por outro lado os compromissos de descarbonização e de redução de emissões gasosas assumidos conduzem inevitavelmente a políticas de utilização de transportes coletivos e modernização das frotas e infraestruturas.
Nas últimas três décadas, a rede rodoviária de autoestradas passou de 160 quilómetros para 3.065 quilómetros. Já a rede ferroviária reduziu-se de 3.607 quilómetros para 2.456 quilómetros, onde apenas 1.633 quilómetros são eletrificados. O continuado desinvestimento e abandono do setor ferroviário teve como consequência a perda de 83 milhões de passageiros.
As emissões de gases de efeito de estufa são provocadas em 25% pelo setor dos transportes. Só os setores ferroviário e rodoviário são responsáveis por 73% das emissões. Mas neste particular, o transporte ferroviário apenas é responsável por 1,6%. Perante estes dados e os 83 milhões de passageiros que abandonaram a ferrovia, facilmente se conclui sobre o impacto ambiental que as politicas de transporte no nosso país tiveram.
António Costa levou Portugal a ser um dos primeiros países a fixar objetivos de neutralidade carbónica em 2050 e tem em 2030 o primeiro milepost que permitirá aferir a evolução deste compromisso. O transporte ferroviário será, inevitavelmente, a solução. O que precisamos então para que seja possível operar uma transferência modal do modo rodoviário para o modo ferroviário? A resposta é simples: investimento com perspetiva de impacto económico que gere retorno e em simultâneo aponte para a neutralidade carbónica.
Numa primeira análise, o investimento em material circulante ferroviário de tração elétrica deverá ser uma prioridade. Mas para tal é necessário que a infraestrutura esteja preparada para a tração elétrica. Durante décadas não se construíram linhas novas e poucas foram as linhas existentes eletrificadas. A rede ferroviária não satisfaz hoje as necessidades de mobilidade. Vila Real, Bragança ou Viseu são cidades e capitais de distrito que não tem ligações ferroviárias.
No que ao transporte de mercadorias se refere note-se que o caminho de ferro tem uma contribuição para os custos externos totais de 1%, enquanto que o transporte por via rodoviária oscila entre os 9% no caso de camiões ligeiros ou de 25% no caso de camiões pesados. Além de ambientalmente sustentável, a opção ferroviária é mais económica para os operadores e a caminho está a taxação carbónica do transporte de mercadorias por via rodoviária.
O Ferrovia 2020 foi o primeiro esboço, em anos, de um plano de investimentos. Contudo está muito longe de ser o plano estratégico de consenso nacional que o país precisa para uma verdadeira (nova) revolução ferroviária. Portugal gastava, em 2017, 1,1 mil milhões de euros em concessões de autoestradas e previu gastar no Ferrovia 2020, a dez anos, cerca de 4 mil milhões. O desequilíbrio é evidente.
Casos como o da Linha do Douro, que no passado ligava o Porto a Salamanca, terão que ter resposta neste ambicioso plano. No caso deste eixo ferroviário, a possibilidade de ligação do Porto de Leixões a Espanha por um percurso com menos 200 quilómetros de viagem (face à atualidade, via Linha da Beira Alta) traz inegáveis vantagens ambientais (e também económicas) e reduz significativamente a dependência rodoviária de um dos nossos maiores portos, que anunciou recentemente limitações precisamente por questões ambientais. A reativação desta linha custa pouco mais de 200 milhões de euros em Portugal e 300 milhões de euros em Espanha, totalmente comparticipáveis, não tivesse já a Comissão Europeia apontado a imperiosa necessidade deste investimento, e poderá estar concluída num horizonte de 4 a 5 anos. Trata-se de um investimento que gerará um retorno que anulará os custos de construção muito rapidamente e terá impacto direto no PIB de Portugal, além de permitir ganhar tempo para o estudo e construção de outras linhas, seja a ligação Aveiro – Salamanca, seja a ligação Porto – Vila Real – Bragança – Zamora.
O discurso de descarbonização, de investimento na ferrovia e de aproximação do interior ao litoral tem que ser acompanhado de efetivas medidas no que ao investimento se refere. O plano constante da Lei 1914 de 24 de maio de 1935 foi o último grande documento estratégico realizado em Portugal sobre a ferrovia. É, por isso, com enorme expectativa que se aguarda a apresentação do Plano Nacional Ferroviário anunciado por Pedro Nuno Santos e que necessariamente terá que constituir não só a fundamental ferramenta para cumprimento dos compromissos ambientais, como a resposta às necessidades de mobilidade assentes numa ‘nova’ revolução ferroviária.

Luís Almeida, engenheiro civil com mestrado na área dos Transportes no Instituto Superior Técnico, desempenha profissionalmente as funções de Coordenador e Diretor de Projeto de vias de comunicação, com particular enfase para as vias ferroviárias. É ainda Presidente da Direção da Associação Vale d’Ouro que, na região do vale do Douro, procura alargar a oferta cultural e desportivo e intervir nas questões mais relevantes para a comunidade, em concreto na defesa da reabertura do troço internacional da Linha do Douro. É também na função associativa que produz e apresenta o programa de rádio “Para Cá dos Montes” emitido na Universidade FM e nas redes sociais..