Opinião de Stefan Carsten
As questões que se seguem abordam assuntos atuais sobre a temática das cidades inteligentes. São também questões que me fazem repetidamente em entrevistas, conferências e workshops, enquanto geógrafo e futurista, urbanista e especialista em mobilidade. Tanto as perguntas como as respostas não abordam explicitamente o futuro da mobilidade, contudo fica clara a ligação em quase todos os aspetos.
Precisamos de uma cidade inteligente?
A questão importante neste momento é: como é que queremos viver no futuro? Em que sociedade, em que cidade, em que espaços? E como é que nos queremos movimentar? A cidade inteligente não nos dá a resposta a estas questões, mas, na melhor das hipóteses, apoia-nos e ajuda-nos a alcançar os nossos objetivos. As últimas três tendências de desenvolvimento humano foram a cidade sustentável, a cidade resiliente e, agora, a cidade inteligente. Nenhuma destas tendências foi ou tornar-se-á realidade, pois todas devem ser entendidas como um processo no qual não há um término definido.
As cidades inteligentes de hoje ainda têm um nível bastante baixo de inteligência social, porque as cidades concentram-se, principalmente, em aspetos técnicos, sem responderem às perguntas acima mencionadas. Na verdade, também há exemplos que comprovam os efeitos contrários, isto é: a mobilidade partilhada não diminui necessariamente a intensidade de tráfego, verificando-se até um aumento; as casas inteligentes não reduzem o consumo de energia, mas aumentam-no; as câmaras de vigilância melhoram a deteção de crimes, mas possivelmente à custa dos direitos humanos fundamentais. E a aposta num futuro melhor não é totalmente clara nestes exemplos. Uma razão para possíveis desenvolvimentos desadequados é o facto de, muitas vezes, a inovação ser equiparada à tecnologia, mas sem ter em conta os aspetos sociais, ecológicos e/ou económicos.
No entanto, a digitalização reforçará as diferenças sociais nas sociedades, atuando como um catalisador de tendências, sem oferecer soluções de forma explícita: divisões digitais, dados e privacidade, e perda de controlo. Esses são os aspetos que cada vez mais empreendedores sociais assumem para dominar os desafios sociais, ecológicos e éticos e até ganhar dinheiro com eles. E, claro, tornar uma sociedade progressivamente mas tecnológica ajuda, ao possibilitar a transparência e o conhecimento.
Quão inteligente é muito inteligente?
O que é que o termo ‘inteligente’ realmente significa? Ultimamente, tem sido uma expressão muito genérica mas que pouco ajuda as cidades e regiões a tomarem decisões. Por um lado sim, mas por outro não. Não serve de avaliação, nas quais os investimentos podem ser analisados e depois as decisões são tomadas e implementadas. O termo inteligente não alcança este objetivo. No entanto, se a evolução da tecnologia é prioritária em relação às preocupações sociais, ecológicas e éticas, então a expressão perdeu a sua relevância para uma sociedade sustentável, ou foi interpretada de forma exagerada. No debate, não devemos esquecer que as cidades inteligentes de agora já eram inteligentes quando a penetração tecnológica e digital era reduzida. Cidades como Copenhaga ou Singapura tomaram decisões na década de 1970 que foram implementadas no planeamento desde então. Isso é ser inteligente. O que não é inteligente é acreditar que a tecnologia levará a uma cidade inteligente.
Songdo, conhecida como a primeira cidade inteligente, nos dias de hoje (imagem própria)
Em que momento a inteligência se torna uma ameaça?
Ser inteligente torna-se uma ameaça quando ignoramos os imensos desafios que a tecnologia carrega consigo. Por exemplo, qualquer rede digital pode ser pirateada. Os cyber attacks são a ameaça das sociedades digitais. Equipar um drone não tripulado com uma metralhadora e usá-la para ataques terroristas é agora facilmente possível.
O código social na China mostra, igualmente, que controlo é poder. Num país onde cada passo e cada ação é registada e controlada digitalmente, a sociedade está vulnerável aos governantes. Mas entidades como a Google, Facebook ou Amazon também fazem algo semelhante. Mesmo nestas realidades, temos que nos questionar repetidamente: em que tipo de sociedade queremos realmente viver? E como é que as tecnologias ajudam ou dificultam esses objetivos? As tecnologias são apenas ferramentas, métodos que nos podem ajudar a moldar o futuro de maneira diferente, melhor do que no passado. As tecnologias não podem ser mais do que um auxílio.
Quantos empregos é que a expansão de uma cidade inteligente custará ou criará?
A cidade inteligente destruirá alguns empregos e criará outros. Devido ao desenvolvimento de processos autónomos, no futuro não haverá estafetas, motoristas de autocarros ou de táxis. Um grande número de empregos que envolvem, principalmente, tarefas administrativas padronizadas serão eliminados. O setor bancário e de seguros, o comércio e a logística estão certamente entre eles. Muitas atividades administrativas que nos rodeiam irão desaparecer. Existirá, talvez, uma coincidência com os empregos que transitaram para o escritório doméstico no seguimento do confinamento originado pela pandemia de Covid-19? Para as pessoas e sociedades jovens, há pouco com que se preocupar a este respeito, pois têm tempo e conhecimento para se prepararem para esse futuro.
A situação, porém, é muito diferente para a massa da população que está a meio da vida ativa. Esse nicho da sociedade será fortemente atingido no processo de transformação e dificilmente terão oportunidade de provar o seu valor nas áreas emergentes. E, como os ciclos de inovação anteriores sempre demonstraram, as sociedades lucrarão muito com isso. Por outras palavras, são criados mais novos empregos do que os antigos que se perdem: energia, dados e informação, criatividade e conhecimento são, porventura, as áreas mais proeminentes e importantes do futuro, nos quais eu gostaria que os meus filhos estivessem bem posicionados.