Os veículos comerciais são essencialmente recursos produtivos, sendo muitas vezes parte de frotas. Consequentemente, os critérios de decisão para a implementação de novas tecnologias são essencialmente baseados em análises operacionais e financeiras objetivas, em vez de critérios subjetivos, como maioritariamente acontece no caso dos veículos privados. Esta dicotomia é um elemento essencial em temas como a aceleração da eletrificação, a Condução Autónoma (CA), modelos de consumo ou a conectividade dos veículos.
Os veículos comerciais incluem fundamentalmente camiões pesados e veículos comerciais ligeiros (VCL). Dependendo se operam em ambiente urbano ou em autoestrada, estes veículos deparam-se como oportunidades e desafios muito diferentes, que justificam a implementação de determinadas tecnologias.
Por exemplo, muitas cidades estão a limitar progressivamente o acesso aos centros urbanos apenas a veículos ‘limpos’, à medida que as entregas last-mile continuam a crescer. Por outro lado, os camiões de longo curso operam em autoestradas divididas, nas quais as interações com outros utilizadores da estrada tendem a ser mais limitadas do que em áreas metropolitanas. Este facto, combinado com a escassez de condutores de pesados, faz com que a condução autónoma seja uma opção apelativa.
Aceleração da eletrificação em todas as aplicações
Prevê-se que procura por entregas urbanas last-mile cresça 78% até 2030, o que levará a um aumento de 36% do número de veículos de entregas nas cem maiores cidades do mundo, de acordo com o Fórum Económico Mundial, se continuarmos a operar da forma atual.
Isto levará obviamente a um crescimento significativo das emissões de gases de efeito de estufa, bem como do congestionamento urbano. As soluções para evitar este inaceitável futuro incluem a substituição parcial de VCL de entregas por bicicletas elétricas de mercadorias– ou outros veículos ligeiros de mercadorias – e a sua eletrificação, quando as bicicletas não se adequem à carga a ser transportada.
A primeira opção está já a tornar-se crescentemente ubíqua em cidades como Paris ou Londres, onde um conjunto de políticas estão a forçar esta mudança rumo aos veículos ligeiros, originando a emergência de vários tipos de fatores de forma e modelos de negócio.
A eletrificação total dos VCL está a ser progressivamente requerida para que os operadores possam aceder aos centros urbanos. Contudo, os operadores estão também a efetuar esta mudança porque ela resulta em custos totais de propriedade mais reduzidos. Em 2021, foram vendidos na União Europeia 47.000 VCL plug-in, um crescimento de 63% relativamente ao ano anterior, mas ainda representando apenas 3% do total de vendas, contra 18% do mercado de veículos de passageiros. Esta diferença pode ser explicada por uma oferta de produtos mais limitada e, em menor escala, pelos custos iniciais mais elevados.
Tendo estas considerações em conta, novos players estão a entrar no mercado de veículos elétricos de entregas, desafiando os incumbentes [os fabricantes ‘tradicionais’]. A Rivian tem um acordo para fornecer 100.000 carrinhas elétricas à Amazon, e a Arrival vai fornecer 10.000 à UPS. Curiosamente, a GM está a regressar ao mercado de veículos comerciais com a Brightdrop, uma subsidiária dedicada aos veículos elétricos para este segmento. A antiga StreetScooter da Deutsche Post reemergiu como B-On.
Se os VCL são alvos principais da eletrificação, os camiões pesados vão seguir uma tendência semelhante na maior parte das aplicações, começando nas distâncias mais curtas. Incumbentes como a Mercedes-Benz Trucks, Volvo Group ou BYD estão já a oferecer camiões médios e pesados totalmente elétricos, essencialmente para aplicações urbanas e suburbanas. Mas não vão estar sozinhos. A start-up britânica Volta Trucks vai começar as entregas do primeiro veículo, um camião elétrico de 16 toneladas, em 2023. Nos Estados Unidos, a Nikola Motor entregou os seus primeiros tratores elétricos no início de 2022 e espera-se que a Tesla introduza o seu Semi em 2023 e 2024.
As necessidades de carregamento específicas das baterias de várias centenas de kWh destes veículos estão a ser tratadas em paralelo. A comunidade CharIN revelou recentemente o padrão para carregadores de megawatts, que permitem carregamentos até 3,75 MW (a 1.250 V), em comparação com os 350 kW dos atuais veículos ligeiros. Empresas como a WattEV estão a planear estações específicas para carregamento de camiões, de forma a servir o mercado emergente.
As soluções com baterias elétricas (BEV) são ideais para distâncias mais curtas, mas não para longas distâncias. O peso das baterias (aproximadamente 5 kg por cada quilómetro adicional de autonomia num camião pesado) e o seu custo inicial (aproximadamente 100 dólares por quilómetro) são restrições importantes.
As pilhas de combustível de hidrogénio têm menor custo marginal e peso por quilómetro de autonomia, relativamente aos elétricos a bateria. No entanto, o custo das pilhas de combustível e o preço do hidrogénio terá de descer para que esta solução se torne competitiva. Terão igualmente de ser implementadas estações de reabastecimento dispendiosas, pelo menos em corredores de tráfego com elevado volume de camiões ou nas estações de recolha. No entanto, incumbentes como a Mercedes e a Volvo (que estão a desenvolver uma pilha de combustível conjuntamente), assim como a Hyundai e a Toyota, estão a avançar neste domínio.
Carrinhas comerciais alimentadas por pilhas de combustível são também disponibilizadas pela Renault (através da joint-venture Hyvia) e Stellantis (na Europa) como alternativas às soluções elétricas a bateria. Oferecem carregamentos mais rápidos e autonomias potencialmente maiores do que os BEV.
Finalmente, tem emergido uma variedade de opções para adaptar VCL e camiões com sistemas de propulsão elétricos. Isto faz sentido para veículos recentes que têm uma quilometragem elevada e operam em zonas com restrições de emissões. A unidade Re-Factory da Renault e empresas como a Phoenix Mobility fornecem serviços completos de retrofitting.
Condução Autónoma: preparar o lançamento comercial em autoestradas
A maior parte dos esforços para desenvolver soluções de Condução Autónoma focaram-se primeiramente em robotáxis e shuttles. Contudo, emergiram várias start-ups, desde 2015, que trabalham exclusivamente no segmento dos camiões, como a TuSimple, Embark, Plus ou Kodiak. Em paralelo, a Waymo e a Aurora, dois das empresas mais avançadas na área da CA, criaram e aceleraram as suas atividades com camiões autónomos, por vezes à custa do desenvolvimento de robotáxis, que começou mais cedo.
Enquanto as soluções de CA destinadas ao transporte de pessoas se focam nas aplicações urbanas, aquelas destinadas ao transporte de mercadorias centram-se na condução em autoestrada. São várias as razões para isto acontecer. Remover o custo do condutor e responder à escassez crónica de motoristas de pesados traz benefícios económicos. Por outro lado, conduzir autonomamente em autoestradas é, em certa medida, mais fácil do que num ambiente urbano – menos interações – apesar de haver necessidade de ‘ver’ mais longe, para navegar a velocidades maiores.
Atualmente, as empresas de desenvolvimento de CA para camiões mais ambiciosas anunciam os lançamentos comerciais para o final de 2023 ou 2024 – apesar de, na realidade, isto poder não vir a acontecer. Para a Aurora e a TuSimple, isto implica operações reiteradas com camiões nos estados norte-americanos do Texas e Arizona, onde as condições climatéricas e o quadro regulatório são favoráveis. Mas temos de esperar para ver quando serão retirados os operadores de segurança.
Uma vez que as duas empresas se focam no software e na integração de sistemas, tal como os seus pares, estabeleceram parcerias com a Volvo Group e a Navistar (Volkwagen/Triton Group) para integrarem, no trator, os seus sensores, bem como hardware x-by-wire e de computação. Da mesma forma, a Waymo encontra-se a colaborar com a Mercedes-Benz Trucks.
Os incumbentes não são os únicos a trabalharem no veículo propriamente dito. A sueca Einride tem estado a operar os seus próprios camiões autónomos na Europa há já vários anos – essencialmente como projetos-piloto –, e está agora a expandir-se para os EUA. A Solo AVT foi fundada em 2021 para desenvolver uma plataforma para camiões, desenhada de raiz para ser elétrica e pré-preparada para automação de Nível 4.
Enquanto as aplicações acima referidas se centram em autoestradas (e, possivelmente, em instalações logísticas), espero que as entregas urbanas sejam eventualmente servidas por produtos derivados dos robotáxis, que serão suficientemente modulares para transportar tanto passageiros como mercadorias – possivelmente, até trocando durante o dia. Também estes vão ser elétricos.
Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a start-ups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.