Opinião de Pedro Gil Vasconcelos
Hoje em dia, a discussão entre emissão zero e motores térmicos está mais fraturada do que nunca. De um lado estão os acérrimos defensores da mobilidade descarbonizada, com comportamentos, no extremo, de tribo urbana. Do outro estão os defensores dos motores térmicos, com comportamentos igualmente de tribo. Pelo meio uma serie de consumidores que vão optando por um lado ou por outro, de acordo com as “modas” ou que, cada vez mais esclarecidos e isso acontece com publicações como esta, ou a realização de eventos como o próximo Salão do Automóvel Híbrido e Elétrico, no Porto, optam de forma consciente.
Entendo ainda que há quem perceba que a mobilidade, como estivemos habituados a conhecer, vai ser cada vez mais algo do passado e os comportamentos vão-se alterar, os próprios automóveis vão passar a ser outra coisa e isso não têm que ser necessariamente más notícias para a tribo urbana dos motores térmicos.
Por tudo isto, hoje prefiro falar de cavalos. Não de unidades de potência, mas sim dos animais, pois acho que os automóveis, vão ser cada vez mais como os cavalos… e agora convém explicar.
O cavalo foi a besta que carregou a evolução humana. Dificilmente algum outro animal teve um impacto tão grande ao longo da história e foi o motor de quase tudo o que conhecemos até ao Século XX.
É certo que nesta altura já alguns leitores devem estar a chamar-me nomes, pois o cão é o melhor amigo do homem. No entanto eu contraponho que o cão nunca carregou tanto como um cavalo, nunca puxou um arado, nunca ficou horas e horas a andar à roda para tirar água de um poço, ou levou o homem para a guerra, que ganhou ou perdeu, juntamente com esse homem. O cavalo positivamente puxou e carregou a nossa história.
É igualmente certo que hoje vemos os cavalos como um animal belo, capaz de ser rápido nas pistas, elegante nos concursos, um animal precioso, pois um bom puro-sangue vale milhares e milhares de Euros. No entanto, nem sempre foi assim.
Os cavalos, tal como os nossos avós conheceram, eram as tais bestas de carga, tantas vezes mal tratados, tantas vezes feios e cheios de moscas. Esses desapareceram quase totalmente com o advento do século XX e ficaram os outros, os belos, os puros sangue, os tais que podem, que valem fortunas.
As bestas que carregaram tudo e mais alguma coisa desde o neolítico até há uns oitenta anos, foram rapidamente substituídas por máquinas. Ou seja, em meia dúzia de décadas, desapareceram aqueles que foram os “motores” do desenvolvimento por algumas centenas de séculos e agora estamos a assistir a algo semelhante, mas com outros protagonistas e muito maior rapidez.
O automóvel é apelidado como “a mais bela máquina” e concordo, só não concordo totalmente. Por cada máquina que é de facto verdadeiramente bela, por cada automóvel que nos provoca um arrepio, um eriçar de cabelos da nuca, por cada automóvel que tem um trabalhar digno de uma sinfonia, que tem interiores que fazem inveja às mais luxuosas mansões, há uns mil ferrugentos, ruidosos… fumarentos que se arrastam penosamente pelas nossas estradas.
Ora, a histórias prova-nos que estas revoluções são boas, pois o que sobra é o que é genuinamente bom. São os tais cavalos que competem, que são elegantes, que são belos e isto só podem ser boas notícias para os verdadeiros apreciadores de automóveis. Vá lá façam as pazes com a outra tribo, apesar de tudo vamos ter que nos continuar a mover de um lado para o outro e aquelas máquinas de que gostamos, não vão servir para carregar a nossa civilização às costas.

Pedro Gil de Vasconcelos é licenciado em Cinema e Audiovisuais, tendo sido jornalista da RTP, onde participou e liderou diversos projetos, muitos deles ligados à mobilidade. Atualmente, lidera a Completa Mente – Comunicação e Eventos Lda.