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Green Future-AutoMagazine

O novo portal que leva até si artigos de opinião, crónicas, novidades e estreias do mundo da mobilidade sustentável

Opinião

"O alargamento da rede de carregamento de veículos elétricos deve ser um objectivo prioritário" - Artigo de Opinião de Helder Pedro

“O alargamento da rede de carregamento de veículos elétricos deve ser um objectivo prioritário”

Hélder Pedro
Secretário-Geral da ACAP – Associação Automóvel de Portugal

A mobilidade será sempre uma necessidade básica do ser humano e um facilitador essencial para promover o desenvolvimento económico e a qualidade de vida. No entanto, é improvável que as deslocações diminuam: mesmo que a população conduza menos, a necessidade de nos movermos continuará a existir. 

O peso da apertada regulamentação europeia, as metas a atingir impostas pelo Green Deal, a mudança de comportamento nos consumidores, o aumento da consciência ambiental e a introdução de soluções inovadoras, potenciam um ecossistema de mobilidade sustentável onde a indústria automóvel desempenha um papel crucial na transição energética para um sistema de transporte sustentável. Assim, a indústria automóvel tem investido fortemente em I&D para fazer face a estes desafios, apostando em veículos mais sustentáveis ao nível da eficiência energética e com menor impacto ambiental. Contribuindo significantemente para a redução de gases de efeitos de estufa, melhorias na qualidade do ar, diminuição na dependência de combustíveis fosseis e permitindo a transição para energias renováveis e para a mobilidade sustentável. 

Complementariamente, o crescente estímulo à aquisição e a crescente procura de veículos com soluções energéticas elétricas, e de outras soluções inovadoras de mobilidade, mostra como a questão da sustentabilidade se tornou importante. Em 2020, em Portugal, o peso destes veículos elétricos e híbridos no total de veículos vendidos foi de cerca de 20%.

As funcionalidades de conexão dos veículos a redes de telecomunicações, bem como a conectividade entre estes, o e-call, assim como o 5G, abrem as portas aos construtores para fornecerem serviços feitos à medida para os consumidores.

Adicionalmente, as soluções de partilha de veículos continuarão a transformar o sector automóvel, permitindo o acesso da mobilidade individual àqueles para quem a posse de veículo é impraticável.  

A crise pandémica COVID-19 afectou muitas indústrias. O sector automóvel e o sector da mobilidade estão num dos mais afectados. No sector automóvel, por um lado, o aumento da incerteza, resultou no adiamento do consumo de bens duradouros e o consequente aumento da poupança. Por outro lado, as quebras no sector do turismo, originaram uma quebra no mercado automóvel em 2020, de cerca de 34%. O sector da mobilidade foi também afectado por questões ligadas à saúde, higiene e a universalização temporária do teletrabalho. Passou-se, por estes motivos, a privilegiar mais o transporte individual.

Para cumprir as metas estabelecidas no Green Deal, e tal como a ACAP tem vindo a defender, os Governos, em particular o de Portugal, desempenham um papel crucial no apoio à mobilidade sustentável, bem como no relançar da economia portuguesa tão afectada por esta crise sanitária. Assim, a ACAP tem vindo a propor um plano de renovação do parque automóvel, à luz do que foi feito, por exemplo, em Espanha, Alemanha, França, para um progressivo rejuvenescimento de um dos parques mais velhos da Europa, para veículos de baixas emissões, contribuindo para as metas de descarbonização. 

Este plano passaria por um incentivo ao abate de veículos em fim de vida, substituindo-os por veículos novos. Em média, estimamos que iriamos retirar de circulação veículos com uma média de emissões de cento e setenta gramas, substituindo-os por veículos com uma emissão média de noventa e cinco gramas. Esta medida, teria um enorme impacto ao nível da redução das emissões de CO2 e do consumo de combustível.

Para além disso, é ainda necessário a reposição dos incentivos fiscais aos veículos híbridos, que são fundamentais para a desejada redução de emissões assim como deve ser aumentado o valor do incentivo à compra de veículos elécricos. O alargamento da rede de carregamento de veículos elétricos deve ser um objectivo prioritário, por forma a responder às necessidades na redução de emissões. Esta renovação contribui também para uma maior segurança rodoviária ao fomentar a utilização de veículos equipados com tecnologias modernas e mais seguras.

Além de melhorar o desempenho ambiental nas fases de produção e de utilização, os fabricantes automóveis têm também promovido, em parceria com os operadores de reciclagem, uma utilização mais circular dos materiais presentes no automóvel quando este atinge o fim de vida. A VALORCAR, uma iniciativa da ACAP, promove uma rede nacional de centros de abate, na qual os veículos são reaproveitados, sob a forma de material ou de energia, em mais de 95%

São estes os desafios que se colocam à indústria automóvel, no futuro!

Artigo de opinião - Helder Pedro (ACAP)

O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.

Artigo de Opinião de Carina Branco

2020. O ano da confiança adiada

Opinião de Carina Branco
Advogada; sócia da pbbr responsável pela área de Tecnologia, Media e Telecomunicações

Alguns analistas anteviam que em 2021 já existiriam frotas de veículos autónomos ao serviço de grandes operadores de redes de táxi nos Estados Unidos da América e, provavelmente, na Europa. Em 2020 não só não houve nenhuma revolução, como assistimos a uma retração no entusiasmo que se vinha sentindo na indústria desde 2015. 

Não podemos, desde logo, descurar a consideração do impacto que a corrente pandemia terá tido no arrepio das motivações empresariais, no atraso na realização de testes e no lançamento de veículos mais conectados e automatizados, mas também não poderemos deixar de considerar o impacto que algumas razões externas assinaláveis tiveram no estado de evolução do mercado.

Na realidade, se é ainda razoável antever que a condução autónoma possa acontecer nos próximos cinco anos (ainda que em faixas claramente demarcadas, limitadas a veículos autónomos e a circular numa mesma direção), sabemos hoje que o uso generalizado nas cidades está agora mais distante.

As perspetivas mudaram desde 2015. A realidade permitiu-nos uma noção mais correta da dimensão dos desafios e da complexidade que enfrentamos.

Fazendo uma retrospetiva, sabemos hoje que a garantia de uma condução autónoma segura (i.e. sem erro), em todas as circunstâncias, contextos e diante de qualquer adversidade ou imprevisto, é um desafio maior do que o previsto, e acidentes, como o que aconteceu em julho de 2020 com o ‘piloto automático’ da Tesla (nível 2), não ajudam. 

O ideal da plena automação continua a (sobre)viver paredes-meias com o da ‘segurança’ plena — a sua maior bandeira. A possibilidade de se conseguir erradicar o erro humano da condução, responsável pela esmagadora parte dos acidentes rodoviários, continua a inspirar, mas o ano de 2020 trouxe aquele ideal para um plano realístico, menos ambicioso. 

Com efeito, desde 2018, vêm-se acentuando os níveis de retração na confiança dos utilizadores para a adoção de sistemas plenamente autónomos, e esse sentimento acabou por se refletir numa postura de particular prudência dos legisladores que, sem exceção, vêm adiando – sine die – a regulamentação da condução plenamente autónoma (nível 5), relegando-a para um momento em que a infalibilidade do sistema esteja suficientemente demonstrada, percepcionada e vivenciada, em ambiente real de ‘estrada aberta’.

De acordo com Christian Wolmar(1), os problemas de aceitação social, de cibersegurança, de impacto ambiental e de custo não foram suficientemente analisados, colocando em crise a adoção de veículos plenamente autónomos. Na sua perspetiva, os veículos autónomos podem, contrariamente ao apregoado, trazer maior insegurança e risco para as ruas. No limite, e mesmo que as pessoas acabassem por aceitar, refere o autor, tal nunca aconteceria em breve porque depende de um salto civilizacional. As pessoas não estão preparadas para substituir o seu lugar de condutor por uma aplicação. Esse conceito é incompatível com a necessidade (humana) de controlo e, nessa medida, o modelo de negócio está comprometido.

Parece que estamos ainda longe de uma ambição realizável de um mundo onde as máquinas possam funcionar, inteira e independentemente, sem que o Homem se sinta em risco, e uma condução plenamente autónoma, não é verosímil, sequer, a longo prazo. Contrariamente ao que se passou com os telefones móveis, que em 1987, se apresentavam ao mundo (Arma Mortífera) com o tamanho de uma pequena mala e hoje atingem espessuras e pesos mínimos e exponencial capacidade, a evolução tecnológica dos veículos autónomos não depende apenas do estado da arte, inovação e tecnologia. Esta evolução está condicionada pelo fim a que o veículo se destina e pelo facto de o seu modo de utilização (o ato de conduzir), colocar naturalmente em risco a vida humana. Neste caso, não só a indústria automóvel enfrenta uma evolução muito mais complexa, como (para mais) esta depende de um grau de confiança e aceitação públicas, que a validem, impulsionem e façam crescer. Se o grau de confiança e aceitação são baixos, a indústria tenderá naturalmente a ajustar-se, contendo a evolução tecnológica. 

Em 2020, esta retração refletiu-se, desde logo, no reforço do redireccionamento da indústria para nichos de negócio em que a plena automação não representa um risco assinalável para a vida humana (v.g. transporte de cargas, maquinaria em obras, deslocações em áreas controladas, delimitadas e/ou com baixa densidade de tráfego, sejam pequenas cidades, aeroportos, parques industriais ou campus universitários). 

Logo em março do ano passado, a operadora de táxis Addison Lee descartou o contrato que assinara em 2018 para levar veículos autónomos para as operações de transporte público de passageiros na região de Londres, até 2021. Mais adiante no ano, a Waymo (spin-off da Google) anunciava que o público poderia (finalmente!) pedir táxis totalmente sem motorista, para depois vir a circunscrever a sua oferta aos subúrbios da soalheira Phoenix, no Arizona, suportando a segurança da sua operação na previsibilidade de um clima estável ao longo de todo o ano, por um lado, e na cartografia exaustivamente levantada e controlada pela sua própria capacidade computacional, por outro. Nas últimas semanas do ano, a Uber acabou por vender a sua participada de operação de táxis autónomos à Aurora, num negócio de cerca de quatro biliões de dólares norte-americanos, que, apesar da largueza do número, acabaria por representar não mais que cerca de metade da avaliação que, em 2019, tinha sido atribuída àquela divisão de negócios. 

A apatia da indústria apenas não se revelou ao nível do consumo (aparentemente crescente) de certos veículos elétricos, com um nível de automação baixo (essencialmente 2) sendo que (até pelo nível de tal automação) esse incremento não pode servir para retirar ilações sobre uma eventual melhoria nos indicadores de confiança para a adoção de veículos autónomos. 

É inegável que vai continuar a haver uma corrida para se ser a primeira empresa a lançar um veículo seguro, plenamente autónomo, de uso particular, a um preço acessível. Mas o que 2020 nos mostrou à sociedade, como nenhum outro ano nos havia ainda mostrado, é que o caminho para a aceitação/aprovação de veículos autónomos é longo, imensamente dispendioso e inacessível a muitos. 

A aceitação pública de veículos plenamente autónomos dependerá do grau de confiança máxima que o estado da técnica evidenciar e o legislador regulamentar, num ciclo persistentemente virtuoso que 2020 adiou, retirando pulso à que poderá vir a ser a próxima grande revolução industrial.

(1) Driverless Cars: On a Road to Nowhere?, 2018 

Carina Branco nasceu em Lisboa (1971) e foi admitida à prática de advocacia em 1997 pela Ordem dos Advogados Portugueses (Lisboa). 
Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (1994), frequentou o curso de pós-graduação em Direito da Comunicação e da Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1999) e tem um MBA para inhouse counsel ministrado pela Boston University Questroom School of Business (2010).
Em 2017 fundou o conceito Techlawyers©, marca de serviços jurídicos direcionados primordialmente às indústrias da Tecnologia, IT, Inovação e Criatividade ou a empresas de outros setores fortemente impactados pelas mesmas. 
Em junho de 2017, integrada na equipa ‘Portuguese Women in Tech’ ganhou o 1º prémio do Hackathon ‘Hack For Good’ da Fundação Calouste Gulbenkian, com o projeto CURA.
Em junho de 2019 torna-se sócia da pbbr, responsável pela área de TMT (Techlawyers© by pbbr). 
Anteriormente, foi Diretora Jurídica da tecnológica NOVABASE, de 2002 a 2017. A equipa jurídica por si dirigida foi finalista do prémio ILO Awards na categoria de ‘Comercial Geral’ (2012) e foi, pela primeira vez, destacada pela GC Powerlist na categoria de Tecnologias de Informação em 2017 (por referência ao percurso até aí desenvolvido).
No princípio da sua carreira exerceu como advogada na sociedade de advogados (à data designada) Albuquerque e Associados RL, essencialmente nas áreas de Contratação Pública e Assessoria corrente a clientes multinacionais em que se incluem Bell Helicopter Textron, Sikorsky Aircraft Corporation, AMS e Cisco Systems, tendo trabalhado nos Estados Unidos em diversas ocasiões.

Coluna de Opinião de Marc Amblard

CES 2021: anúncios notáveis mesmo em formato digital

Por Marc Amblard

O CES [anteriormente, Consumer Electronics Show] tornou-se digital por razões óbvias, este ano. Senti falta de circular livremente pelos corredores de start-ups e de deambular pelos stands das grandes empresas. Foi muito mais difícil alimentar a minha curiosidade e descobrir produtos, serviços e materiais inesperados, parcerias ou velhos amigos, tudo online. Mas não senti falta dos pés doridos no final do dia! Em resumo, senti falta da versão live.

Depois de abordar a mobilidade e a tecnologia automóvel em edições anteriores da CES, tenho o prazer de partilhar o que me chamou à atenção, este ano. O formato único atraiu menos de metade dos expositores do ano passado – 1.960 contra 4.500. A maioria veio dos Estados Unidos (569), Coreia do Sul (341), China (203) e França (135). Enquanto 170.000 pessoas visitaram o evento, no ano passado, suponho que mais tenham conseguido participar este ano, o que é uma boa notícia. A plataforma digital estará disponível até dia 15 de Fevereiro para visualização dos conteúdos.

Os principais tópicos de mobilidade/tecnologia automóvel deste ano foram o cockpit digital e a experiência no habitáculo, e a eletrificação e a condução autónoma, em menor escala. 

A melhor ilustração da tendência do cockpit digital veio da Daimler. O imersivo MBUX Hyperscreen (imagem abaixo), que será utilizado pela primeira vez no Mercedes EQS, irá certamente desafiar o ecrã central de 17 polegadas do Tesla Model S e a configuração de quatro displays do Porsche Taycan. O vidro único e curvo de 56 polegadas ocupa praticamente toda a largura e apresenta uma zona de display OLED específica à frente do condutor, bem como no passageiro da frente e também ao centro. A qualidade parece espantosa

Um CPU 8-core controlará as definições de condução e conforto, apoiadas por Inteligência Artificial. O ecrã do passageiro oferece uma vasta gama de opções e a possibilidade de partilhar o conteúdo com os passageiros dos bancos traseiros. Por razões de segurança, este ecrã será aparentemente desativado se o condutor ‘der uma espreitadela’, graças a uma câmara que monitoriza os seus movimentos oculares.

A realidade aumentada associada a um Head-Up Display (HUD) teve também o seu momento, depois de ter sido introduzido pela Volkswagen no recentemente lançado ID.3. A Panasonic apresentou a sua própria versão. Em ambos as situações, a visão computacional e a classificação de objetos são combinadas com os inputs de navegação e o HUD, para projetar orientações e informação crítica de segurança diante do condutor. O custo decrescente dos HUD, a crescente disponibilidade de dados primários e de poder computacional deverão tornar este sistema praticamente omnipresente em poucos anos.

A Sony surpreendeu-nos no ano passado, quando apresentou o Vision-S Concept, um sedan elétrico a bateria apoiado pela vasta gama de tecnologia da empresa. Se a maioria das pessoas tivesse dúvidas quanto às verdadeiras intenções da Sony, agora já não deve ser assim. A empresa empenhou-se, mostrando os testes em estrada (imagem abaixo), além de apresentar os seus parceiros, que incluem a Magna Steyr, Bosch, Valeo, Continental, ZF, Vodafone, HERE, AIMotive e muito mais. Surpreendentemente, todos os fornecedores são europeus.

Este anúncio recente é revelador das intenções sérias da Sony. Poderá esta nova perspetiva tornar a marca cool novamente? O anúncio surge no seguimento de semanas preenchidas por notícias e rumores sobre as incursões de outros gigantes da tecnologia no espaço da mobilidade. Estas notícias e rumores recentes estão relacionadas com o misterioso projeto do carro Titan da Apple, o robotáxi Zoox da Amazon, o Zhiji/IM EV JV da Alibaba com a SAIC, ou a participação de 2 mil milhões de dólares da Microsoft na ronda de investimento do GM/Cruise. 

Estas estratégias das ricas e poderosas empresas tecnológicas aumentam a pressão sobre os construtores tradicionais e os seus fornecedores. As movimentações obrigam-nos a acelerar a sua transformação no sentido da eletrificação, digitalização e serviços de mobilidade. A propósito, um aspeto central da conferência de imprensa da Bosch foi a sua reorganização, trazendo os seus recursos de hardware e software para uma nova unidade de soluções transversais de computação. É de esperar que se transforme numa potência.

Na frente da eletrificação, destacaria a anunciada joint venture entre a Magna e a LG Electronics para a produção de motores elétricos, inversores, carregadores de bordo e sistemas de e-drive. A LG contribuirá com as suas capacidades no domínio da eletrónica, aproveitando a experiência adquirida no Chevy Bolt EV e Jaguar I-Pace, ao passo que a Magna contribuirá com o seu software, integração de sistemas e experiência de produção.

A GM utilizou o CES para apresentar um conceito de shuttle da Cadillac e um conceito de eVTOL (imagem acima) – outros fabricantes, como a Hyundai ou a FCA (agora Stellantis), estão também a estudar a Mobilidade Aérea Urbana. A empresa anunciou também a criação da Brightdrop, uma nova entidade dedicada aos veículos e serviços para entregas ao domicílio, um espaço que atravessa uma profunda transformação. O EV600 é um furgão comercial com uma carga útil de 1 tonelada, que regista uma autonomia de 400 quilómetros, aproveitando a tecnologia de baterias Ultium. A GM introduziu também o Ultifi, um portal/app que permite aos clientes gerirem os seus veículos, adquirir novas funcionalidades e serviços, controlar atualizações OtA (over the air), etc. Esta estratégia parece replicar os bem concebidos portal de cliente e aplicação da Tesla.

Nesta edição da CES houveram menos apresentações voltadas para a condução autónoma do que nos últimos dois anos. A introdução em grande escala de veículos autónomos encontra-se, talvez, a uma década de distância. No entanto, uma tendência de concentração – como último sinal, a recente aquisição da Uber ATG pela Aurora – combinada com um financiamento massivo por parte dos grandes players permite, a estes últimos aumentar o ritmo de desenvolvimento, equiparando-se a empresas como a Waymo, a Cruise ou a AutoX.

Durante a CES, a Mobileye anunciou o desenvolvimento de um novo LiDAR system-on-chip (SoC), aproveitando as capacidades da empresa-mãe, a Intel. Com este produto, que fará parte do conjunto de sistemas de sensores com câmara da empresa, a Mobileye prevê que terá, até 2025, um sistema de nível 4 a um custo compatível com uma procura alargada pelos consumidores. Entretanto, a empresa introduzirá projetos-piloto de condução autónoma em Tóquio, Xangai e Paris, além das cidades atuais (Telavive, Munique e Detroit). Estes deployments podem, supostamente, serem efetuados em duas semanas, por duas pessoas.  

Separadamente, a GM anunciou que equipará 22 veículos com Super Cruise, até 2023. Bem recebida no Cadillac CT6, a solução de nível 2 será em seguida utilizada na versão CUV do Bolt EV. A GM continua o seu percurso duplo para a autonomia total, educando o público com o amplamenteo distribuído nível 2, e apontando diretamente ao nível 4 com Cruise.

Caso esteja interessado em conhecer o CES 2021 além da tecnologia automóvel e da mobilidade, recomendo o relatório CES, de Olivier Ezratty. É tão agradável como sempre, mesmo nesta versão mais curta (em francês).

Encontramo-nos aqui no próximo mês!

Fotografia de Marc Amblard

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a start-ups sobre assuntos relacionados com a transformação profunda do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

Do concessionário de automóveis 1.0 para o 3.0 em meses! - Opinião de José Carlos Pereira

Como vender automóveis no ‘novo hoje’!?

Opinião de José Carlos Pereira

Esta pandemia veio imprimir uma significativa transformação no processo de venda de automóveis. E agora? Como vender automóveis quando o cliente evita as visitas ao ponto de venda? 

Uma boa noticia: o comércio de automóveis, neste novo confinamento em Portugal, poderá continuar aberto!

Sem querer ser dramático logo à partida, como fica o planeamento em vendas? Poderíamos, há uns tempos atrás, discutir planos semestrais, anuais e mesmo a dois anos; e agora? Agora, temos um planeamento a semanas ou, em alguns casos, dias. E com uma dinâmica que obriga a ler os dados e o enquadramento diariamente. Ou seja, nunca o medir e os indicadores foram tão relevantes, em gestão de equipas de vendas automóveis, como o são hoje.

Temos de ter um novo modelo de abordagem comercial. Novos canais de venda. A transformação digital terá de ser abrupta. O estar em vários canais e no online é um caminho – trabalhar o virtual selling e o social selling. E nada de lentidão: a velocidade de adaptação é muito importante. O que não fizermos na reformulação de processos comerciais, hoje, pode provocar resultados dramáticos amanhã. Pois estes tempos incertos e voláteis vão continuar por muitos meses.

Existe, então, uma clara oportunidade para repensar a estrutura, o controlo da operação, o que gera fluxos de caixa e liquidez (modelos, marcas, equilíbrio entre novos, combustão, elétricos, usados e seminovos), reestruturar a oferta por segmento ou rentabilidade, adaptar as condições comerciais… alterar o modelo de abordagem.

Aconselho a um grande foco naquilo que são variáveis passíveis de controlar e que só dependem da equipa e do concessionário, sem perspetiva de que tudo vai normalizar em semanas ou meses, pois não vai. Julgo que apostar fortemente no relacionamento passou a ser ainda mais importante do que era. O momento não é de vender a todo o custo e de atingir objetivos; é de criar relacionamentos, mais do que dar origem a clientes.

Alguns dados para quem anda nas vendas de automóveis e está atento ao novo contexto (fonte: HUBSPOT): 67% da viagem do comprador já é feita digitalmente; quem compra e entra num processo de decisão consome pelo menos cinco peças de conteúdo antes de se envolverem com um vendedor ou visitar um concessionário; 75% de quem quer comprar um automóvel usa redes sociais para tomar decisões de compra.

Outra fonte (Guy Schueller, Diretor da Indústria Automóvel no Google): 95% dos compradores de veículos utilizam o digital como fonte de informação; 60% de todas as pesquisas de automóveis vêm de um dispositivo móvel (e as principais delas relacionam-se a concessionários); cerca de 25% de todas as pesquisas automóveis são sobre peças, serviços e manutenção; mais de 40% dos compradores que assistiram a um vídeo sobre carros visitaram um concessionário como resultado.

E neste contexto mais difícil julgo que a revista Green Future, para além de informar, também educa, forma e deve influenciar comportamentos.

Deixo então estas perguntas para a sua equipa: já virtualiza o processo de vendas, com uma prospeção via live videos em várias plataformas ou webinars? Qualifica e desqualifica clientes com uma reunião no Whatsapp ou Zoom? Descobre preferências com um vídeo no Youtube/Instagram ou artigo no LinkedIn? E demonstrações virtuais (test drive) de novos lançamentos? E um caso de uma compra com testemunho de um cliente? Responde a um cliente com vídeo ou mensagem de voz? Coloca de imediato (por sugestão) o influenciador numa video call?

Todo o processo de venda sem estar fisicamente juntos, é possível? E quais as ferramentas que mais utiliza?

De uma coisa estou certo, com ou sem pandemia, o VIRTUAL SELLING já é um caminho e vai continuar a ser! – a criatividade na abordagem pode-nos diferenciar.

A nossa mensagem tem de chegar à pessoa certa, no contexto certo e com a informação certa, garantindo o melhor resultado para o negócio (oferecer a melhor experiência de compra de um automóvel). E reforço, convicto, que é apenas isso que conta na Era da Assistência!

Os drivers para os próximos tempos devem ser estes: redescobrir os clientes – manter proximidade e relevância; novo foco da força de vendas – novo caminho do comprador; reinventar a comunicação – novas narrativas e abordagens; alinhamento da equipa –indicadores e incentivos; muscular a equipa – simplificar, treinar e reorientar em tempo real.

Acima de tudo continue a ser um entusiasta e cuide da sua saúde mental no meio da tempestade, assim como da sua equipa. Em tempos normais, algumas das alterações a fazer poderiam levar meses a serem executadas, e que têm, hoje, de ser implementadas em apenas horas. 

Pode estar aqui uma oportunidade para fazer aquilo que sempre se pensou e nunca se fez. A urgência e o estado de emergência do nosso ecossistema empresarial a isso obrigam. O risco de não fazer nada, ou demorar nas decisões, pode ser dramático…

Fujam todos! Vem lá o fim do mundo em bicicleta - Opinião de António Gonçalves Pereira

Fujam todos! Vem lá o fim do mundo em bicicleta

António Gonçalves Pereira
Presidente da Ecomood Portugal

No Decreto-Lei n.º 102-B/2020 de 9 de Dezembro pode ler-se, logo no sumário: “atendendo à proliferação de veículos equiparados a velocípedes que podem circular em pistas de velocípedes e em pistas mistas de velocípedes e peões, e à sua extrema perigosidade na partilha de espaço”. 
Na EcoMood Portugal não poderíamos estar mais frontalmente contra esta formulação. As bicicletas, trotinetas, skates e afins são de “extrema perigosidade” na partilha dos espaços?! Na realidade, é com base neste prossuposto falacioso que a actual lei obriga crianças de 11 anos e outros pacatos ‘peões com rodas’, a circular maioritariamente no meio de carros e camiões, em constante risco de vida. 

A insustentabilidade de “o justo pelo pecador”

“Mas há por aí tanto inconsciente a andar de bicicleta e trotineta, não respeitam nada, não têm cuidado nenhum”, ouve-se com alguma insistência. E é verdade. Ainda assim, nada que se compare com o número de ‘inconscientes’ que andam de automóvel nas estradas. E não é por isso que se proíbem todos os automóveis na estrada, certo? 

Sim, temos graves pechas nesse campo. Mas essa é uma questão cultural, de cidadania, de educação, não especificamente de mobilidade. É preciso criar melhores cidadãos rapidamente, apostar no desembrutecimento da população, na pedagogia, na sensibilização, no ensino e incentivo a melhores práticas sociais, em todos os campos. Todos! E também, claro está, no campo da mobilidade, da partilha dos espaços, da postura na via pública. Proibir todos de se locomoverem de formas ambientalmente mais sustentáveis por haver quem as use de forma errada ou, até, perigosa, não é um bom caminho. Desincentiva a utilização desses veículos, contribui para o atraso na tão urgente descarbonização. 

No nosso sistema cada vez mais se está a legislar com base na proibição. E na coima. Ou seja, temos cada vez mais um Estado que nos proíbe quase tudo, para depois ter receitas quando, quase inevitavelmente, transgredimos. O que cria uma dualidade, uma desonestidade de Estado, cada vez mais dependente das receitas das transgressões dos seus cidadãos. Leis-armadilha que foram criadas para que não se cumpram. E o Estado agradece, para ter essas receitas. 

E assim chegamos a leis como a mencionada, insustentável tanto ambiental como socialmente, proibindo e multando os hábitos de sempre dos cidadãos, demonizando o que deveria regulamentar. E quando temos que agir ilegalmente para sermos mais sustentáveis ou melhores cidadãos, ou até para não corrermos risco de vida, algo está muito mal. 

Ciclistas ou peões com rodas 

Para facilitar e encurtar, vou chamar bicicletas a todos os veículos de mobilidade suave. Mesmo se nesta lei há também alguns erros graves relacionados com os veículos motorizados de micromobilidade, como a ilegalização de quase todos os que já existem em circulação, devido à sua potência. Ao contrário do que acontece com os automóveis, por exemplo, que têm potências e velocidades máximas livres, com consequências muito mais devastadoras. Mas isso fica para um próximo texto. Uma causa de cada vez. 

Ciclistas, a 30 ou 40 à hora, seja em exercício físico ou em deslocação, deverão circular na estrada. Estamos de acordo. Ou, muito cuidadosamente, nas ciclovias. Já os restantes utilizadores de bicicleta, com as devidas cautelas, deverão poder andar… EM TODO O LADO! 

Fonte da imagem: Internet

Eu? Mesmo não havendo ainda qualquer ciclovia, aqui na zona desloco-me sempre de bicicleta. Até para ir ao supermercado e regressar com dois sacos no guiador. O que, nesse caso, resulta em 400 metros em vez de 1.200, evitando rotundas e ruas agitadas. Ando, portanto, da mesma forma que sempre o fiz, desde criança: pelo caminho mais curto, a corta-mato, passeio, caminho ou estrada. Sempre com cuidado e dando prioridade aos peões sem rodas, quando os há. Cinquenta anos a dar ao pedal, zero acidentes. Ou, até, incidentes. 

Sim, há que distinguir ciclistas de peões com rodas. Vamos a casos concretos: utilizemos a Marginal de Cascais, ou Estrada Nacional 6, e sua zona envolvente. Porque é a minha realidade mais próxima e um excelente exemplo da inadequação desta lei. E porque, como em muitos outros locais, a oferta de transporte público rodoviário é, no mínimo, pobre, muito limitada em trajectos e horários, e opera numa óptica de rentabilidade e não de verdadeiro serviço púbico. 

A Marginal é, portanto, a nossa ‘lenta via rápida’, única alternativa à autoestrada para circulação entre concelhos. E, dada a localização da A5, em muitos casos é mesmo a única opção, já que, pelo interior das localidades, o trânsito, cruzamentos, rotundas e bloqueios são demasiados. Portanto, se aplaudimos a redução dos limites de velocidade noutros locais, nesta estrada, até que haja alternativas, para que haja algum escoamento, é necessário que os limites de velocidade se mantenham, até porque tem condições para isso, entre os 50 e os 70 km/h. Apesar de muitos, como em todo o lado, circularem bem acima desses limites. Mas este é também um belo caminho de passeio, tanto a pé como de bicicleta. O único para deslocação até às praias para os residentes da zona. As ciclovias são inexistentes. Há até alguns locais que poderiam funcionar como vias partilhadas pedonais e cicláveis mas que, vá-se lá entender, são proibidos para as bicicletas. 

Foto: António Gonçalves Pereira

E assim temos os ciclistas, como eu, nas suas licras e bicicletas desportivas, fazendo o seu exercício na estrada, entre os frequentemente apressados carros e camiões. E depois temos todos os outros utilizadores de bicicleta, como eu também, a partilharem os passeios com os peões. Que, salvo raríssimas excepções, se habituaram a esta partilha mais racional e segura, cedendo passagem, pedindo até desculpa quando não se apercebem da aproximação de um destes peões com rodas. Mais racional e segura mas, incompreensivelmente, ilegal. Ou corremos risco de vida ou somos criminosos. Para o legislador, todos os utilizadores de bicicleta teriam que estar a circular na estrada, entre os stressados ‘inconscientes’ de carro e camião. Quem não teve que aprender o código da estrada, a senhora que ainda nem consegue tirar uma mão do guiador, a criança de 11 ou 12 anos, o idoso, a família de quatro ou cinco bicicletas de todas as idades, o pai com o bebé na cadeirinha. Todos! 

Portanto, segundo esta lei, peões e bicicletas de dez quilos a partilhar espaços é péssimo, perigosíssimo. Bom mesmo é misturar bicicletas com carros de 200 cavalos e camiões de dez toneladas. Ou seja, antes arriscar a perda da vida de um utilizador de bicicleta, mesmo de 11 anos, do que um arranhão num peão. 

Felizmente que nem os agentes da autoridade concordam, na sua maioria, com esta lei, pelo que só costumam intervir quando apanham um dos tais ‘inconscientes’. E mesmo os demais apenas pedem para desmontar, sem mais represálias. Porque também lhes parecerá contraproducente proibir e castigar financeiramente a circulação da bicicleta quando tanto se apregoa a sua utilização. 

“Se era para correr risco de vida ou para andar a pé, então não trazia a bicicleta. Ou não vinha, ou vinha de carro.” 

Estou consciente que mesmo entre alguns dirigentes associativos de promoção da bicicleta há quem tenha uma opinião contrária a esta, sobretudo por acreditarem que, desta forma, conseguem pressionar mais eficazmente para que se reduza generalizadamente os limites de velocidade dos automóveis e que se acelere a construção de ciclovias, eliminando até a circulação automóvel em muitos locais. Mas, mesmo que se defenda esse caminho, e defendo, entretanto há a realidade actual de Portugal, ainda na pré-história da holandesa, por exemplo. E, como tenho constatado por muitos exemplos próximos, que deixaram de andar de bicicleta exactamente por estas razões, e/ou porque não querem correr o risco de circular fora da lei, não será certamente com estas regras que conseguiremos incentivar a tão desejável e apregoada utilização mais generalizada e frequente da bicicleta.

O autor não escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

Opinião de Pedro Gil de Vasconcelos

E quando só houverem quatro manequins e muitos fatos?

Opinião de Pedro Gil de Vasconcelos

A pujança de um mercado pode definir-se pela quantidade de marcas que nele operam. O mercado cresce na razão directa da quantidade de negócio que é capaz de realizar e naturalmente quanto mais negócio, mas capacidade de atrair novos operadores e investidores. Claro que estes só existem se existirem consumidores que os suportem.

Para os consumidores a proliferação de marcas é boa. Têm mais escolhas, mais e diferentes produtos e a tendência natural é que os preços sejam mais difíceis de serem concertados pelos protagonistas do mercado. Ou seja, num panorama comercial realmente livre e em crescimento a cartelização é um exercício difícil de concretizar.

Por outro lado, um mercado maduro tende a criar os chamados ‘gigantes’. Se olharmos para, por exemplo, o panorama de media nos finais do século passado, notamos isso. Os órgãos de comunicação social, os principais, garantiram a sobrevivência unindo-se em redor de grandes grupos que juntaram rádios, jornais e estações de televisão. A chegada da Net a isso obrigou e esses mesmos grandes grupos passaram também a deter uma importante fatia desse negócio. 

Perdeu-se pluralidade e se olharmos além, vemos que também se perdeu independência. Os recentes acontecimentos nos Estados Unidos são disso um bom exemplo. Para os consumidores a perda de liberdade é real. A escolha é limitada, cada vez mais limitada.

Ora no sector automóvel estamos a assistir a algo parecido. O mercado amadurece mais rapidamente do que era previsto. Novas tendências, modelos de negócio que ‘caducam’, diferentes produtos ditam novas visões de mobilidade.

Por exemplo, a necessidade de realizar revisões ao motor em cada 10, 20 ou 30 mil quilómetros, deixa de existir com a proliferação de motores eléctricos. O modelo de negócio dos concessionários tem que se reinventar e o dos fabricantes também.

O recente anúncio da fusão do Grupo Fiat, que já detinha quase tudo quanto era marca italiana e que ‘absorveu’ a Chrysler, a Dodge e a Jeep, com a Peugeot é um bom exemplo de como a maturidade deste mercado se está a transformar em concentração. No fundo, este é mais um acto da ‘novela’ de fusões a que temos assistido nos últimos anos. A sobrevivência a isso obriga.

Quando o mercado crescia, quem comprava um certo modelo sabia que estava a comprar algo que era distinto, havia uma personalidade MG, Jaguar, Alfa-Romeu, Porsche e até nos utilitários havia a mística italiana e francesa e a construção de Saabs ou Volvos era financiada com coroas suecas. 

A realidade hoje é completamente diversa, quase me fazendo lembrar um desfile de moda, em que muitos convidados ficaram de fora e em que três ou quatro costureiros se entendem para acertarem os pormenores dos desfiles em que apresentam as novidades:

 Um fato de fino corte italiano vestido por um manequim alemão, um americano que vive em Itália e veste uma roupa feita em frança. Enquanto lá atrás, nos bastidores, três ou quatro manequins vão trocando de roupa, colocando perucas e maquilhagens para parecerem muitos.

O público maravilha-se com tantas escolhas e do lado de fora do recinto aguarda-os um mundo que se move cada vez mais depressa.

Por opção do autor, este texto não foi escrito de acordo com as regras do novo Acordo Ortográfico.

Pedro Gil de Vasconcelos é licenciado em Cinema e Audiovisuais, tendo sido jornalista da RTP, onde participou e liderou diversos projetos, muitos deles ligados à mobilidade. Atualmente, lidera a Completa Mente – Comunicação e Eventos Lda.

Opinião Departamento Técnico da APREN

Portugal na estrada para a eletrificação

Pelo Departamento Técnico da APREN

Na União Europeia (UE) e em Portugal, o setor dos transportes ainda é maioritariamente dependente de combustíveis fósseis. A Europa é responsável, atualmente, por um quarto das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), do qual 71,7% resulta do transporte rodoviário, e estes valores têm apresentado uma tendência de crescimento. Em Portugal, o cenário é semelhante, com o setor dos transportes a posicionar-se enquanto o segundo maior responsável pela emissão de GEE, com 25,6% das emissões em 2018. 

Posto isto, e dado o impacto que este setor tem para a economia nacional e europeia, torna-se inevitável o desenho de políticas que demonstrem eficácia na concretização dos desígnios de descarbonização. Neste âmbito, a Comissão Europeia (CE) tem vindo a adotar agendas políticas ambiciosas, impondo, para 2030, uma meta de redução de emissões de 30% (em comparação com 2005) para os setores não abrangidos pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão, onde se inserem os transportes, que repercutem em metas nacionais vinculativas a incorporar nos Planos de Energia e Clima de 2030 (PNEC 2030) pelos Estados-Membros.

Adicionalmente, em 2019, a CE redefiniu as normas de desempenho para novos automóveis, impondo requisitos de emissões poluentes mais exigentes a adotar por parte dos fabricantes a partir de 2021. A CE reconheceu que os novos padrões de emissão serão os últimos para veículos convencionais antes de passarmos para alternativas de baixo ou zero emissões, para que possamos garantir uma recuperação saudável e verde da crise económica e enfrentar, de forma eficaz, a crise climática. Já neste contexto, o Green Deal veio introduzir uma meta a longo prazo para o setor dos transportes, de 90% de redução de emissões de GEE até 2050. 

Perspetivando que os Veículos Elétricos (VE) serão, a curto/médio prazo, a solução mais custo-eficaz para o transporte individual de passageiros, existe ainda um longo percurso a fazer. Torna-se essencial aumentar a oferta de veículos em mercado, a criação de infraestruturas de carregamento e abastecimento, a produção sustentável de baterias e a criação de soluções para a sua reciclagem na Europa. Prevê-se que até 2025 serão necessárias cerca de um milhão de estações de reabastecimento e recarregamento públicas para os cerca de 13 milhões de veículos com nível nulo ou baixo de emissões a circular nas estradas da UE1

Atualmente existem 975.000 veículos com baixo nível de emissões na UE, para os quais estão disponíveis 140.000 pontos de recarga, dos quais 76% se encontram em apenas quatro países, Holanda, Alemanha, França e Reino Unido2. Apesar das políticas de incentivo fiscal à aquisição de VEs, Portugal apresenta ainda uma infraestrutura de carregamento elétrico muito deficitária, o que desmotiva potenciais utilizadores à sua adoção. Em 2019, Portugal dispunha de um parque de VE de cerca de 84.615, com apenas 2.252 postos de carregamento3. E ainda, para além de muitos destes postos serem de baixa potência, com longos tempos de carregamento, alguns deles encontram-se frequentemente inoperacionais por deficiente operação e manutenção. 

Outra das principais barreiras à adoção de VE passa pela ainda reduzida autonomia de que estes dispõem, com a agravante do elevado preço de aquisição. Não obstante, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050) prevê que em 2030 a mobilidade elétrica se torne custo-eficaz para ligeiros de passageiros, assegurando mais de 30% da satisfação da procura, com um potencial de atingir 100% em 2050. No entanto, verifica-se no mercado um boom na oferta por diferentes fabricantes e modelos de VE.

Face ao custo elevado de um VE, os países europeus têm aplicado incentivos à sua aquisição. Portugal não se encontra entre o top 10 europeu, no entanto o Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões 2020, derivado do Fundo Ambiental, soma ao todo 4 milhões de euros, mais 1 milhão face a 2019. Deste valor, 2,7 milhões de euros são destinados aos incentivos para veículos ligeiros de passageiros, para pessoas particulares o incentivo é de 3.000 euros, e 2.000 euros para pessoas coletivas4. Serve também de incentivo o facto de o estacionamento ser gratuito ou com grandes descontos em muitos municípios. Desde 2010, ano de lançamento da rede Mobi.E, que os carregamentos eram gratuitos, tendo passado a ser pagos em julho de 2020. Já os carregamentos rápidos são pagos desde 2018, dependendo do preço estipulado pelo Comercializador de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME).

Em 2019, foi ainda publicado o regulamento que estabelece as regras para o exercício das atividades relativas à mobilidade elétrica, com vista a dar resposta à estratégia da mobilidade elétrica, abrindo as portas à gestão privada dos pontos de carregamento. Não obstante, ainda existem passos importantes a adotar, principalmente numa perspetiva de planeamento urbano e adaptação das cidades aos novos conceitos de mobilidade integrada.

Assim, e apesar do claro contributo que esta transformação terá para a concretização dos objetivos nacionais para a descarbonização, é importante realçar que este caminho não depende de um único setor, sendo essencial o crescente investimento em outros combustíveis limpos, como o hidrogénio verde, especialmente para a indústria e transportes pesados, em paralelo com uma crescente incorporação de eletricidade renovável. 

 1 – Pacto Ecológico Europeu, dezembro de 2019

2 – ACEA; Making the transition to zero-emission mobility, 2019 progress report

 3 – electromaps.com

4 – Fundo Ambiental, Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões (2020)

Sobre a APREN
A Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) é uma associação sem fins lucrativos, constituída em outubro de 1988, com a missão de coordenação e representação dos interesses comuns dos seus Associados na promoção das Energias Renováveis no setor da eletricidade.

A mobilidade social numa encruzilhada - Stefan Carsten

A mobilidade social numa encruzilhada: um olhar para o passado com raiva e para o futuro com esperança

Opinião de Stefan Carsten

O ano de 2020 alterou a nossa perspetiva da vida quotidiana e das rotinas da mobilidade. Os efeitos atingiram-nos com toda a força. Durante as fases de confinamento, a importância da mobilidade foi para muitos revelada pela imobilidade. Pela primeira vez, a importância do movimento e da mobilidade tornou-se clara: não significa apenas estar no trânsito com o automóvel, utilizar transportes públicos ou optar entre uma bicicleta ou uma scooter – mas a possibilidade de poder trocar ideias e estabelecer contacto físico com os outros – no escritório, no café, na universidade, na sala de aula…

O coronavírus também tornou mais visível a importância da mobilidade digital, uma vez que tornou possível continuar a participação na vida quotidiana (no trabalho) – mesmo que não possa substituir a mobilidade física, real. Os preços de transação das ações das plataformas de ensino e chat dispararam com a pandemia e caíram de forma igualmente dramática quando os primeiros sinais das vacinas foram confirmados.

Para muitas pessoas, a mobilidade também se revelou um perigo real, tanto no sentido físico como psicológico. Pessoas pertencentes a grupos de risco – por exemplo, pessoas com determinadas condições pré-existentes ou sistemas imunitários debilitados – foram particularmente restringidas na sua mobilidade. A nível mundial, uma em cada cinco pessoas tem fatores de risco para a saúde que favorecem o desenvolvimento de sintomas graves de COVID-19 em caso de infeção pelo novo vírus. Na Europa, esta proporção é ainda mais elevada, mais de 30%, afetando milhões de pessoas. Para estas pessoas em particular, os outros membros da sociedade precisam ser móveis, e estes são os privilegiados da mobilidade: pessoas que têm acesso a várias opções de mobilidade e sabem utilizá-las.

Os avantgarde digitais são capazes de navegar pelo mundo conscenciosamente, tanto na cidade como no campo, porque agem com base em dados e informação, e têm em consideração uma ampla gama de ofertas de mobilidade. Este aspeto, e a forma como os privilegiados da mobilidade se encontram ainda mais integrados após a crise, pode ser visto nas participações em fóruns locais, nas conversas ou nas redes sociais. Foi oferecido apoio para fazer compras, passear os animais de estimação, fazer recados – ou simplesmente falar, por telefone ou através da internet. O compromisso foi organizado através de trocas simples, a ajuda de vizinhos e novas realizações sociais. Esta é uma forma de mobilidade particularmente bela e esperançosamente sustentável, mesmo além do ano de 2020.

A pandemia fez-nos compreender que a mobilidade é necessária para todas as pessoas. A inclusão significa direitos iguais para todos, mobilidade igual para todos, sem distinção entre mulheres e homens, jovens e idosos, pessoas com peculiaridades físicas ou mentais ou aqueles que vivem sem limitações. Todos precisam de ligação e segurança no exercício da mobilidade. O facto de, por exemplo, as mulheres ainda se encontrarem numa situação de perigo quando se movimentam sozinhas pela cidade durante a noite, ou mesmo quando aguardam o autocarro ou o comboio, tornar-se-á cada vez menos aceitável após a crise. 

O livro ‘Invisible Women‘, de Caroline Criado-Perez, por exemplo, aborda a forma com um mundo dominado pelos dados ignora metade da população. Ou será que eles sabem quantas mulheres viajam com um carrinho de bebé todos os dias e as distâncias que percorrem? Estas questões tornaram-se mais atuais do que nunca na sequência do coronavírus, uma vez que a pandemia fez com que as diferenças de género, que se acreditavam estarem desatualizadas, se tornassem novamente relevantes. Enquanto os homens são frequentemente autorizados a trabalhar a partir de casa, as mulheres encontram-se crescentemente a apoiar os filhos no ensino à distância ou envolvidas em tarefas domésticas. A regressão na igualdade não augura nada de bom para as suas carreiras e para o mercado de trabalho do futuro. Ainda mais preocupante é a imobilidade forçada de mulheres e crianças vitimas de violência doméstica. O isolamento em casa com um parceiro violento agrava a situação e aumenta as agressões físicas.

Muitas pessoas não sabem como lidar com os receios sobre o futuro, o isolamento e uma vida quotidiana auto-determinada. Este stress manifesta-se na sua vida diária, em casa e nas ruas. Globalmente, ao mesmo tempo que se verifica uma diminuição significativa do tráfego automóvel e, consequentemente, uma regressão do número de acidentes de viação, o número de pessoas mortas no tráfego rodoviário está a aumentar. As velocidades excessivas, conciliadas com o crescente abuso no consumo de álcool e de estupefacientes, conduzem a desenvolvimentos fatais – o automóvel como compensação pela frustração e medo em tempos de coronavírus.

Mesmo sem as medidas de confinamento em vigor durante o combate à pandemia, passamos cerca de 90% do nosso tempo dentro de casa, sem contacto suficiente com a luz solar e o ar fresco. Tornámo-nos a geração indoor. Estas são as consequências da vida passada no escritório. Até à pandemia do coronavírus, não pensávamos nesta forma de viver e de trabalhar até consultarmos o ortopedista.

Para 2021, gostaria que o mundo (empresarial) prestasse muito mais atenção ao tema da mobilidade. Em vez de apenas oferecer automóveis como incentivo, poderiam no futuro disponibilizar também bicicletas, cartões ambientais ou ajudas de custo de mobilidade. O caminho para e desde o trabalho deveria, no interesse de todos, ter em consideração formas de mobilidade mais ricas e mais variadas. Paralelamente, deveríamos prestar mais atenção às pessoas para quem a mobilidade é cada vez mais difícil de praticar. A restrição da mobilidade provocada pelo coronavírus será comum a muitas pessoas no futuro, e estas precisam do nosso apoio. Para tal, precisamos de aplicar e expandir modelos de coexistência e novas práticas sociais, para que aqueles que são móveis possam partilhar as suas competências em matéria de mobilidade com todos os outros.

Uma “nova” revolução ferroviária em nome da mobilidade e do ambiente - Artigo de Opinião de Luís Almeida

Uma ‘nova’ revolução ferroviária em nome da mobilidade e do ambiente

Opinião de Luís Manuel Almeida (Presidente da Direção da Associação Vale d’Ouro)

O nosso país poderá estar à beira de uma (nova) revolução no setor ferroviário. Se por um lado esta revolução é imprescindível para redução das assimetrias sociais e económicas que teimam em afastar o ‘interior’ do ‘litoral’, por outro lado os compromissos de descarbonização e de redução de emissões gasosas assumidos conduzem inevitavelmente a políticas de utilização de transportes coletivos e modernização das frotas e infraestruturas.

Nas últimas três décadas, a rede rodoviária de autoestradas passou de 160 quilómetros para 3.065 quilómetros. Já a rede ferroviária reduziu-se de 3.607 quilómetros para 2.456 quilómetros, onde apenas 1.633 quilómetros são eletrificados. O continuado desinvestimento e abandono do setor ferroviário teve como consequência a perda de 83 milhões de passageiros.

As emissões de gases de efeito de estufa são provocadas em 25% pelo setor dos transportes. Só os setores ferroviário e rodoviário são responsáveis por 73% das emissões. Mas neste particular, o transporte ferroviário apenas é responsável por 1,6%. Perante estes dados e os 83 milhões de passageiros que abandonaram a ferrovia, facilmente se conclui sobre o impacto ambiental que as politicas de transporte no nosso país tiveram.

António Costa levou Portugal a ser um dos primeiros países a fixar objetivos de neutralidade carbónica em 2050 e tem em 2030 o primeiro milepost que permitirá aferir a evolução deste compromisso. O transporte ferroviário será, inevitavelmente, a solução. O que precisamos então para que seja possível operar uma transferência modal do modo rodoviário para o modo ferroviário? A resposta é simples: investimento com perspetiva de impacto económico que gere retorno e em simultâneo aponte para a neutralidade carbónica. 

Numa primeira análise, o investimento em material circulante ferroviário de tração elétrica deverá ser uma prioridade. Mas para tal é necessário que a infraestrutura esteja preparada para a tração elétrica. Durante décadas não se construíram linhas novas e poucas foram as linhas existentes eletrificadas. A rede ferroviária não satisfaz hoje as necessidades de mobilidade. Vila Real, Bragança ou Viseu são cidades e capitais de distrito que não tem ligações ferroviárias.

No que ao transporte de mercadorias se refere note-se que o caminho de ferro tem uma contribuição para os custos externos totais de 1%, enquanto que o transporte por via rodoviária oscila entre os 9% no caso de camiões ligeiros ou de 25% no caso de camiões pesados. Além de ambientalmente sustentável, a opção ferroviária é mais económica para os operadores e a caminho está a taxação carbónica do transporte de mercadorias por via rodoviária.

O Ferrovia 2020 foi o primeiro esboço, em anos, de um plano de investimentos. Contudo está muito longe de ser o plano estratégico de consenso nacional que o país precisa para uma verdadeira (nova) revolução ferroviária. Portugal gastava, em 2017, 1,1 mil milhões de euros em concessões de autoestradas e previu gastar no Ferrovia 2020, a dez anos, cerca de 4 mil milhões. O desequilíbrio é evidente.

Casos como o da Linha do Douro, que no passado ligava o Porto a Salamanca, terão que ter resposta neste ambicioso plano. No caso deste eixo ferroviário, a possibilidade de ligação do Porto de Leixões a Espanha por um percurso com menos 200 quilómetros de viagem (face à atualidade, via Linha da Beira Alta) traz inegáveis vantagens ambientais (e também económicas) e reduz significativamente a dependência rodoviária de um dos nossos maiores portos, que anunciou recentemente limitações  precisamente por questões ambientais. A reativação desta linha custa pouco mais de 200 milhões de euros em Portugal e 300 milhões de euros em Espanha, totalmente comparticipáveis, não tivesse já a Comissão Europeia apontado a imperiosa necessidade deste investimento, e poderá estar concluída num horizonte de 4 a 5 anos. Trata-se de um investimento que gerará um retorno que anulará os custos de construção muito rapidamente e terá impacto direto no PIB de Portugal, além de permitir ganhar tempo para o estudo e construção de outras linhas, seja a ligação Aveiro – Salamanca, seja a ligação Porto – Vila Real – Bragança – Zamora.

O discurso de descarbonização, de investimento na ferrovia e de aproximação do interior ao litoral tem que ser acompanhado de efetivas medidas no que ao investimento se refere. O plano constante da Lei 1914 de 24 de maio de 1935 foi o último grande documento estratégico realizado em Portugal sobre a ferrovia. É, por isso, com enorme expectativa que se aguarda a apresentação do Plano Nacional Ferroviário anunciado por Pedro Nuno Santos e que necessariamente terá que constituir não só a fundamental ferramenta para cumprimento dos compromissos ambientais, como a resposta às necessidades de mobilidade assentes numa ‘nova’ revolução ferroviária.

Luís Almeida, engenheiro civil com mestrado na área dos Transportes no Instituto Superior Técnico, desempenha profissionalmente as funções de Coordenador e Diretor de Projeto de vias de comunicação, com particular enfase para as vias ferroviárias. É ainda Presidente da Direção da Associação Vale d’Ouro que, na região do vale do Douro, procura alargar a oferta cultural e desportivo e intervir nas questões mais relevantes para a comunidade, em concreto na defesa da reabertura do troço internacional da Linha do Douro.  É também na função associativa que produz e apresenta o programa de rádio “Para Cá dos Montes” emitido na Universidade FM e nas redes sociais..

Coluna de Opinião de José Carlos Pereira

O desejo de conduzir automóveis vai regressar num mundo pós-pandémico?

Opinião de José Carlos Pereira

Os últimos estudos demonstram que sim!  E vai ser um boom, tendo em atenção os lockdowns compulsivos que sofremos e ainda estamos a sofrer. Lembro sempre que a neurociência nos diz que, normalmente, perseguimos o que se afasta de nós e passamos a dar valor àquilo que deixamos de ter.

Eu já ando cansado do ‘novo normal’, ‘novo anormal’ ou ‘novo diferente’. Chamem-lhe o que desejarem, mas que estou cansado, estou! E não devo ser só eu…

Há relatórios recentes a sugerir que, apesar da nossa aparente adoção da bicicleta e das caminhadas ao ar livre, muitos estão ansiosos por voltar a utilizar o seu carro diariamente. E, sendo assim, os comportamentos de algum egoísmo na condução de carro próprio a circular, em detrimento dos transportes públicos ou outros comportamentos mais sustentáveis de partilha, vão voltar com valores superiores aos níveis pré-pandémicos. E aqui entra, novamente, a questão da mobilidade e das smart cities. Ou a convicção de que a pandemia iria mudar os comportamentos no sentido de utilização e consumo mais responsáveis, melhoria de congestionamentos automóveis, etc. (fonte: https://www.rac.co.uk/). Será mesmo assim?

Note-se que a relutância em utilizar o transporte público atingiu este ano o seu ponto mais alto em 18 anos, segundo vários estudos. A geração que historicamente (supostamente!) menos dá importância à propriedade de um carro, a ‘Generation Z’, parece que disparou a sua pesquisa no mercado digital de automóveis (fonte: Auto Trader). Estão, segundo os dados, 3 vezes mais interessados em ter carro do que há um ano.

E aqui chegamos ao que digo há uns anos – “aquilo que as pessoas dizem, pensam e falam não está muitas vezes em sintonia com o que realmente fazem”. Veja-se este paradoxo (fonte: YouGov-Cambridge Globalism Project Survey): a grande maioria aceita que somos nós, humanos, os maiores responsáveis pelas atuais mudanças climáticas. Mas, mesmo assim, a maioria (numa amostra de 26 mil pessoas, neste estudo) também prevê conduzir mais no futuro do que no passado. Aquilo que as pessoas pensam e fazem é realmente um mistério!

O tráfego automóvel, em algumas grandes cidades como Paris e Londres, já ultrapassou os níveis pré-pandémicos no passado mês de outubro, antes dos novos confinamentos de novembro. E mesmo os nossos dois maiores conglomerados populacionais, Lisboa e Porto, passaram pelo mesmo. Basta olhar para as horas de ponta – está igual ou mesmo pior em termos de excesso de fluxo rodoviário.

A preocupação com a segurança (saúde) do transporte público, embora pessoalmente o assuma como não real (há estudos que corroboram esta afirmação), tem sido um dos principais fatores que atraíram as pessoas para os carros nos últimos meses. Aqui a comunicação e novos modelos de mobilidade para o transporte público urgem. Mas reconheço ser difícil de alterar este comportamento depois de estar instalado o ‘medo’, mesmo que ele não se justifique. E o medo é paralisante, infelizmente! Saliento que a neurociência também nos diz que o sentimento de perda (ou de medo) tem uma intensidade bem superior ao sentimento de ganho.

Nas várias empresas de Metro, em termos mundiais, tem-se assistido à lenta recuperação do número de passageiros em circulação para valores normais de procura. Mas, mesmo assim, ainda permanece, em média, 40% abaixo, quando se compara com o período homólogo de 2019 (últimos 3 meses). Sendo que mais do que o ‘medo’ (conjuntural) os problemas estruturais que não ajudam à recuperação dos fluxos, e estes verdadeiramente impactantes, são o turismo (principalmente o empresarial), assim como a alteração dos modelos laborais. O teletrabalho veio para ficar!

O excesso de pessoas a conduzir o seu automóvel privado, e a evitar o transporte público, pode significar mais do que apenas impactos ambientais e de infraestrutura. No limite, pode até ser mais uma barreira à recuperação de economias. Será, por isso, fundamental encontrar, em 2021, formas de incentivar a utilização mais ativa do transporte público.

Podemos, então, afirmar que esta pandemia afetou diretamente a forma como utilizamos os automóveis: a tendência será aumentar a circulação de veículos individuais devido a questões de distanciamento físico, ignorando, assim, a mobilidade e a sustentabilidade.

Note-se também: a dimensão do custo dos congestionamentos de trânsito na União Europeia, calculados recentemente em 100 mil milhões de euros anuais; ou o impacto na saúde pública da poluição provocada pelo uso excessivo de veículos particulares movidos a combustíveis fósseis, que vitimaram na última década mais de 4 500 portugueses.

Deixo também uma pequena nota para a tendência no transporte de mercadorias associado ao e-commerce, que disparou no contexto COVID. É real o atual desafio da logística para responder ao disparar da procura, como se pode constatar pela dilatação dos prazos de entrega e também pela prestação de um pior serviço comparativamente ao que sucedia antes da pandemia. 

Os desafios futuros são consideráveis. O fator ‘confiança’ caiu muito nos últimos meses. A confiança é contagiante, assim como a sua falta. Se estivermos mais bem preparados para ler tendências e nos adaptarmos, mesmo fortemente condicionados, poderemos vislumbrar um futuro mais risonho para a mobilidade.

Certo é que todos adoramos conduzir o nosso próprio carro, exceto em situações de trânsito caótico, não será assim?