Green Future-AutoMagazine

O desejo de conduzir automóveis vai regressar num mundo pós-pandémico?

Opinião de José Carlos Pereira

Os últimos estudos demonstram que sim!  E vai ser um boom, tendo em atenção os lockdowns compulsivos que sofremos e ainda estamos a sofrer. Lembro sempre que a neurociência nos diz que, normalmente, perseguimos o que se afasta de nós e passamos a dar valor àquilo que deixamos de ter.

Eu já ando cansado do ‘novo normal’, ‘novo anormal’ ou ‘novo diferente’. Chamem-lhe o que desejarem, mas que estou cansado, estou! E não devo ser só eu…

Há relatórios recentes a sugerir que, apesar da nossa aparente adoção da bicicleta e das caminhadas ao ar livre, muitos estão ansiosos por voltar a utilizar o seu carro diariamente. E, sendo assim, os comportamentos de algum egoísmo na condução de carro próprio a circular, em detrimento dos transportes públicos ou outros comportamentos mais sustentáveis de partilha, vão voltar com valores superiores aos níveis pré-pandémicos. E aqui entra, novamente, a questão da mobilidade e das smart cities. Ou a convicção de que a pandemia iria mudar os comportamentos no sentido de utilização e consumo mais responsáveis, melhoria de congestionamentos automóveis, etc. (fonte: https://www.rac.co.uk/). Será mesmo assim?

Note-se que a relutância em utilizar o transporte público atingiu este ano o seu ponto mais alto em 18 anos, segundo vários estudos. A geração que historicamente (supostamente!) menos dá importância à propriedade de um carro, a ‘Generation Z’, parece que disparou a sua pesquisa no mercado digital de automóveis (fonte: Auto Trader). Estão, segundo os dados, 3 vezes mais interessados em ter carro do que há um ano.

E aqui chegamos ao que digo há uns anos – “aquilo que as pessoas dizem, pensam e falam não está muitas vezes em sintonia com o que realmente fazem”. Veja-se este paradoxo (fonte: YouGov-Cambridge Globalism Project Survey): a grande maioria aceita que somos nós, humanos, os maiores responsáveis pelas atuais mudanças climáticas. Mas, mesmo assim, a maioria (numa amostra de 26 mil pessoas, neste estudo) também prevê conduzir mais no futuro do que no passado. Aquilo que as pessoas pensam e fazem é realmente um mistério!

O tráfego automóvel, em algumas grandes cidades como Paris e Londres, já ultrapassou os níveis pré-pandémicos no passado mês de outubro, antes dos novos confinamentos de novembro. E mesmo os nossos dois maiores conglomerados populacionais, Lisboa e Porto, passaram pelo mesmo. Basta olhar para as horas de ponta – está igual ou mesmo pior em termos de excesso de fluxo rodoviário.

A preocupação com a segurança (saúde) do transporte público, embora pessoalmente o assuma como não real (há estudos que corroboram esta afirmação), tem sido um dos principais fatores que atraíram as pessoas para os carros nos últimos meses. Aqui a comunicação e novos modelos de mobilidade para o transporte público urgem. Mas reconheço ser difícil de alterar este comportamento depois de estar instalado o ‘medo’, mesmo que ele não se justifique. E o medo é paralisante, infelizmente! Saliento que a neurociência também nos diz que o sentimento de perda (ou de medo) tem uma intensidade bem superior ao sentimento de ganho.

Nas várias empresas de Metro, em termos mundiais, tem-se assistido à lenta recuperação do número de passageiros em circulação para valores normais de procura. Mas, mesmo assim, ainda permanece, em média, 40% abaixo, quando se compara com o período homólogo de 2019 (últimos 3 meses). Sendo que mais do que o ‘medo’ (conjuntural) os problemas estruturais que não ajudam à recuperação dos fluxos, e estes verdadeiramente impactantes, são o turismo (principalmente o empresarial), assim como a alteração dos modelos laborais. O teletrabalho veio para ficar!

O excesso de pessoas a conduzir o seu automóvel privado, e a evitar o transporte público, pode significar mais do que apenas impactos ambientais e de infraestrutura. No limite, pode até ser mais uma barreira à recuperação de economias. Será, por isso, fundamental encontrar, em 2021, formas de incentivar a utilização mais ativa do transporte público.

Podemos, então, afirmar que esta pandemia afetou diretamente a forma como utilizamos os automóveis: a tendência será aumentar a circulação de veículos individuais devido a questões de distanciamento físico, ignorando, assim, a mobilidade e a sustentabilidade.

Note-se também: a dimensão do custo dos congestionamentos de trânsito na União Europeia, calculados recentemente em 100 mil milhões de euros anuais; ou o impacto na saúde pública da poluição provocada pelo uso excessivo de veículos particulares movidos a combustíveis fósseis, que vitimaram na última década mais de 4 500 portugueses.

Deixo também uma pequena nota para a tendência no transporte de mercadorias associado ao e-commerce, que disparou no contexto COVID. É real o atual desafio da logística para responder ao disparar da procura, como se pode constatar pela dilatação dos prazos de entrega e também pela prestação de um pior serviço comparativamente ao que sucedia antes da pandemia. 

Os desafios futuros são consideráveis. O fator ‘confiança’ caiu muito nos últimos meses. A confiança é contagiante, assim como a sua falta. Se estivermos mais bem preparados para ler tendências e nos adaptarmos, mesmo fortemente condicionados, poderemos vislumbrar um futuro mais risonho para a mobilidade.

Certo é que todos adoramos conduzir o nosso próprio carro, exceto em situações de trânsito caótico, não será assim?