Por Carolina Caixinha
O Green Future AutoMagazine conversou com João Romão, economista, doutorado em turismo pela Universidade do Algarve e, atualmente, professor associado no Departamento de Negócios e Turismo Internacional da Universidade Yasuda, em Hiroshima, no Japão.
Anteriormente, trabalhou como consultor para o desenvolvimento local e regional e também em comunicação, como jornalista e realizador de documentários para televisão.
Que balanço faz destes oito anos fora de Portugal? Quais têm sido os principais desafios e barreiras?
Vivi em contextos bastante diferentes e os desafios e barreiras também dependem das circunstâncias em que se está. Como não vejo Portugal como um país fácil para se trabalhar, também não me incomoda por aí além encontrar dificuldades noutros sítios. Na maior parte dos casos, tinha bolsas de investigação e, portanto, não tive que procurar trabalho nem entrar nessa competição inevitável do mercado laboral. Quer na Turquia, quer nos Estados Unidos, quer na Holanda, tinha uma vida bastante tranquila e podia dedicar-me aos meus projetos sem grandes preocupações, ainda que tivesse um poder de compra limitado.
Na primeira vez em que estive no Japão foi semelhante. Entretanto, conheci a minha companheira, que é japonesa, explorámos hipóteses em Portugal e no Japão, e constatámos que no Japão teríamos muito melhores condições. Tenho a barreira da língua – falo pouco e não escrevo–, o que limita significativamente as possibilidades, mas consegui um lugar em que ensino em inglês. Por outro lado, as regras são bastante claras e é muito menos importante ter ajuda de pessoas conhecidas e influentes, como é frequente em Portugal. Antes de vir para cá, não conhecia uma única pessoa na universidade ou sequer na cidade onde estou a trabalhar.
Residiu em mais de cinco países diferentes nos últimos dez anos. O que destacaria de mais e menos positivo, em termos de ambiente e sustentabilidade, nesses diferentes países?
Dos países onde vivi, parece-me que o mais próximo da ideia de sustentabilidade é a Holanda. Há um conceito de proximidade inerente à organização urbana, com deslocações curtas e feitas a pé ou em bicicleta. Isso permite poupar energia, reduzir ruídos e emissões de gases tóxicos, baixar as despesas das famílias e entregar o espaço urbano às pessoas e não aos automóveis. As cidades não são muito grandes – mesmo Amesterdão, onde vivi, tem cerca de 800 mil habitantes –, não há grandes superfícies comerciais, os supermercados são pequenos, os cinemas e teatros não estão integrados em centros comerciais e cada bairro tem a sua vida própria e as valências necessárias ao quotidiano.
Estas características não são apenas resultado de planeamento urbano: são exigências da população, que prefere este tipo de vida e que sente que utilizar um automóvel na cidade significa prejudicar a comunidade e a si próprio. Pouco se sabe sobre isso, mas a Holanda foi pioneira nos movimentos ecológicos urbanos, ainda antes do Maio de 68 francês, quando se popularizou a emblemática expressão “sous les pavés, la plage” [sob a calçada, a praia], que de alguma forma reivindicava o direito à natureza no espaço urbano, lembrando que as cidades se foram construindo à medida que se destruíam ecossistemas naturais.
Movimentos desse tipo existiram em Amesterdão desde 1965 e acabaram por representar uma oposição forte, e por vezes violenta, às ideias de modernização urbana que apareceram nos anos 1970: infraestruturas pesadas para autoestradas e metro, negócios no centro da cidade e residências na periferia. Esta capacidade de organização da população residente e a crescente aceitação das ideias de proximidade e de cidade para as pessoas permitiram que as cidades holandesas sejam hoje planeadas para reforçar estes princípios.
Atualmente ensina no Japão, um pais com grandes particularidades culturais e sociais. Considera estes fatores uma barreira ou uma motivação para quem quer ter sucesso no Japão ?
Nem uma coisa nem outra. O motivo que me fez ficar no Japão foi sobretudo pessoal. Foi o sítio onde nos pareceu mais viável manter a nossa atividade profissional e ter uma vida interessante. Adapto-me às circunstâncias, que em muitos casos são bastante mais fáceis que em Portugal. Por exemplo, o trabalho, as qualificações ou o mérito são muitíssimo mais valorizados. Por outro lado, a vida social e cultural é muito menos intensa no Japão do que em Portugal. A tecnologia só resolve parte do problema, permitindo algum contacto com a família e amigos. Já lidar com a pandemia de COVID-19 parece-me muito mais fácil no Japão, uma vez que mesmo em condições ‘normais’ se vive em relativo isolamento.
Na sua opinião, o que é o desenvolvimento sustentável? Uma filosofia, uma política ou uma corrente económica? Tem sido um sucesso ou um fracasso?
Vejo como uma ideia – ou uma filosofia – a partir da qual se estabeleceu e institucionalizou um programa político de aplicação universal: um conjunto de objetivos de desenvolvimento que se podem aplicar em diferentes escalas territoriais e que nos mobilizam, enquanto comunidade humana, para a prossecução de objetivos comuns.
Tem aspetos positivos, como a abertura de uma discussão generalizada e internacionalizada sobre o que queremos para o planeta e para as pessoas. Mas desde a publicação do famoso relatório ‘O Nosso Futuro Comum’, em 1987, que instituiu o conceito de desenvolvimento sustentado, temos assistido a aumento sistemático das desigualdades sociais, não interrompemos – antes pelo contrário – o consumo de recursos não-renováveis, não conseguimos contrariar as alterações climáticas e, mesmo em termos económicos, temos vivido sistematicamente em recessão ou, na melhor das hipóteses, num crescimento muito moderado.
Fico com a ideia de que este consenso generalizado em torno da importância da sustentabilidade não pode levar-nos a negligenciar os diferentes interesses e as relações de poder económico e político que existem em qualquer sociedade e a nível internacional. Não existe um ideal de desenvolvimento nem interesses comuns para a toda a gente que habita o planeta: há diferentes interesses, estratégias e capacidades de decidir ou de influenciar decisões que o conceito de desenvolvimento sustentável, enquanto suposto consenso planetário, tende a não ter na devida consideração.
O que é que destaca como mais relevante nos últimos anos ao nível da sustentabilidade em Portugal? Quais são as grandes diferenças em relação a outros países?
Há finalmente pessoas para quem estas questões são centrais na sua forma de pensar a comunidade. Nos países mais desenvolvidos da Europa, o pensamento ecologista foi-se consolidando nos anos 1960 e 1970, após um processo de intenso desenvolvimento económico que se viveu desde o pós-II Guerra. Em Portugal isso não aconteceu: nos anos 1970 estávamos a sair de uma ditadura e de um longo isolamento, que se traduziram também numa situação de pobreza generalizada. O desenvolvimento das indústrias ou a possibilidade de se ter um automóvel, que começavam a ser criticados noutros sítios, eram em Portugal um símbolo de prosperidade, modernidade e emancipação.
Naturalmente, demorou-se bastante a ultrapassar isto. Ainda hoje é enorme a resistência das populações à limitação da circulação de automóveis ou à promoção da utilização de bicicletas. No entanto, parece-me bastante visível a alteração de comportamentos e atitudes para as pessoas mais novas, que estão agora com 20 ou mesmo 30 anos de idade.
Qual o papel dos transportes no futuro da sustentabilidade?
É um papel fundamental, não só em termos do consumo de energia e decorrentes emissões de gases tóxicos, mas também em termos de democracia urbana. Continuar a priorizar o automóvel implica entregar uma área enorme das zonas urbanas para a circulação de carros. É uma forma de apropriação do espaço altamente penalizadora para quem não tem carro, como as crianças, e profundamente limitativa do uso do espaço público – para o lazer, para atividades culturais, para passear, para o exercício físico, para as brincadeiras infantis, etc.
Mesmo utilizando fontes de energia mais amigáveis, como a eletricidade produzida a partir do sol ou do vento, a generalização do automóvel continua a ser socialmente injusta. Mas depois há a questão do esgotamento de recursos e das emissões de gases tóxicos, que é cada vez mais premente. Uma combinação de transportes coletivos com formas não-motorizadas de mobilidade parece ser vista, cada vez mais consensualmente, como a opção mais razoável para combinar proteção ambiental e equidade social sem prejudicar a eficiência económica.
Atualmente, um tema recorrente é o da mobilidade sustentável. Sabemos que o João se desloca sempre em transportes públicos, quer na cidade onde mora, quer quando viaja. Como podemos envolver mais os viajantes e o turismo de massa nesta dinâmica? Que pontos positivos pode isso ter? Pode identificar algumas iniciativas que conheceu pelo mundo?
De fato não tive carro próprio durante os últimos dez anos, desde que saí de Portugal. Na realidade, depois de algum tempo em Amesterdão já nem me lembrava para que serve ter um carro próprio. Mesmo que haja deslocações para as quais seja altamente conveniente, trata-se de casos excepcionais e pode alugar-se uma viatura para essas ocasiões.
No Japão usa-se muito o transporte ferroviário nas deslocações urbanas e metropolitanas ou mesmo nas ligações entre cidade relativamente próximas. Há dados que indicam que entre as 50 estações ferroviárias mais movimentadas no mundo, 45 estão no Japão, e cerca de metade na área metropolitana de Tóquio. Há um serviço de grande qualidade, do ponto de vista da frequência, pontualidade e conforto, e grandes obstáculos à deslocação em automóvel privado, quer pelas restrições de acesso a certas áreas centrais, quer pelo custo do estacionamento.
Em todo o caso, ainda que continue a fazer as deslocações quotidianas para o trabalho em transportes públicos, a família aumentou, muito recentemente, e decidimos comprar um automóvel, que torna as deslocações de curta distância nos arredores da cidade bastante mais fáceis, flexíveis e confortáveis, o que ajuda bastante quando há um bebé.
Quais as principais preocupações que um viajante deveria ter na hora de pensar em práticas mais sustentáveis durante uma viagem?
O transporte aéreo é e continuará a ser o maior problema dos fluxos do turismo internacional. Não parece que vá haver uma solução tecnológica a curto ou médio prazo que resolva o problema das emissões inerentes. Assim sendo, uma reorganização dos movimentos turísticos, muito mais orientados para o turismo de proximidade, parece ser inevitável, se se pretender, realmente, enfrentar o problema das alterações climáticas.
Quanto à mobilidade no interior dos destinos turísticos, o fundamental é evitar o automóvel – no caso, o táxi –, o que implica algum esforço prévio à viagem: identificar o local onde se vai ficar alojado, os percursos previsíveis durante a viagem, as tarifas disponíveis, como comprar os bilhetes, como identificar paragens e destinos. Nem sempre é fácil, evidentemente, mas fazer esse ‘estudo’ antes de viajar também nos ajuda a conhecer melhor o sítio e a usufruir melhor da visita. Pessoalmente, gosto de gastar algum tempo nisso.
A saúde do planeta está ligada à nossa própria saúde, e será o que fizermos pela natureza e pela preservação da sua biodiversidade que moldará a vida humana nas próximas décadas. Que visão tem do nosso futuro?
Enfrentamos problemas que requerem medidas drásticas e mudanças muito significativas nos modos de vida. Estamos mais e melhor informados e temos mais e melhores ferramentas e instrumentos para analisar os problemas e tomar decisões. Mas há lógicas de poder económico e político que ultrapassam largamente essa dimensão da informação e do conhecimento. São processos de disputa no terreno político, que não estão, nem pouco mais ou menos, enquadradas pelo conceito de desenvolvimento sustentável, que negligencia precisamente essa dinâmica do poder das instituições e das decisões políticas. Não se pode dizer que nos esteja a correr muito bem e racionalmente não tenho como perspetivar um futuro melhor, nem a curto nem a médio prazo. Há sinais bastante positivos vindos de gente mais nova, sobretudo mulheres, e espero que daí venham ideias, propostas e soluções que nós ainda não somos capazes de antecipar.