Opinião de Marc Amblard
A eletrificação da mobilidade está a ganhar impulso a um ritmo acelerado. As vendas de veículos plug-in dispararam aproximadamente 40% em 2020, superando 3 milhões de unidades, mais de metade totalmente elétricas. Apesar deste aumento, representam apenas 4% das vendas totais de veículos ligeiros – veja o meu artigo recente. Este ano houve novamente um arranque significativo na Europa e China, enquanto se espera que o mercado dos Estados Unidos volte a crescer, graças a uma gama de produtos cada vez mais ampla e iniciativas federais ambiciosas.
Atualmente, a grande maioria dos investimentos destinados à eletrificação de frotas destinam-se a híbridos plug-in e, ainda mais, a veículos elétricos a bateria (BEV). No entanto, o futuro da mobilidade limpa também inclui os veículos elétricos a pilha de combustível (FCEV), ou seja, pilhas de combustível de hidrogénio (H2) combinadas com um tanque de H2 de alta pressão e um pack de baterias para alimentar os motores elétricos. A implementação deste caminho alternativo variará de acordo com a aplicação, dependendo de como os dois modos de armazenamento de energia trazem benefícios maiores a aplicações específicas.
Pilhas de combustível versus baterias convencionais e as suas aplicações
Ambas as soluções têm benefícios inerentes, relacionados com a densidade de energia (portanto, o peso para uma determinada autonomia), a eficiência geral ao longo do ciclo de vida, o volume do sistema incluindo o armazenamento de energia a bordo, a disponibilidade da infraestrutura de carregamento, o tempo de carregamento de combustível e, claro, o custo do sistema e da energia.
A eficiência ao longo do ciclo de vida é significativamente maior nos BEV do que nos FCEV – cerca de 75% contra 25-30%. Esta diferença deve-se à grande quantidade de passos ineficientes nestes últimos, especialmente produzir H2, comprimi-lo e transportá-lo para a estação de abastecimento, e convertê-lo em eletricidade na pilha de combustível (fuel cell, FC).
Os custos operacionais são atualmente muito mais altos nos FCEV do que nos BEV, com um custo de energia de 2-3 dólares por 100 quilómetros (15-20 kWh por 100 quilómetros) para os segundos, contra aproximadamente 12-15 dólares para os primeiros (1 quilograma de H2 por 100 quilómetros), para um veículo ligeiro. Contudo, podemos esperar que esta diferença se reduza nos próximos anos, à medida que as cadeias de fornecimento e distribuição de H2 sejam aperfeiçoadas. Também podemos esperar diferenças nos custos de manutenção, já que estes são virtualmente nulos no caso dos BEV.
O hidrogénio oferece uma densidade de energia muito mais alta do que as baterias atuais – cerca de 35 kWh/kg contra aproximadamente 200 Wh/kg. Espera-se que esta diferença diminua mas que continue a ser muito significativa, uma vez que a densidade das baterias está a melhorar a uma taxa anual de aproximadamente 7%.
A alta densidade de energia do hidrogénio significa que incrementos de autonomia resultem em aumentos de peso marginais. Aumentar a autonomia de um FCEV ligeiro de 500 para 700 quilómetros significa adicionar 2 quilogramas de H2 e aumentar o diâmetro do(s) tanque(s) de H2 em 20% – como referência, o peso combinado dos tanques no Toyota Mirai de primeira geração é de 87 quilogramas. Em comparação, um aumento de autonomia equivalente traduzir-se-ia em 150-180 quilos adicionais em baterias para um BEV similar.
A arquitetura é outro fator diferenciador entre as duas abordagens. Os conjuntos de baterias podem ser desenhados como uma combinação de módulos instalados sob o piso do veículo, havendo uma quantidade razoável de flexibilidade. Inversamente, os depósitos de H2 devem ser cilíndricos para suportar a alta pressão (700 bar), o que dificulta a sua integração em veículos de passageiros.
Pelas razões anteriores, o hidrogénio faz mais sentido para veículos grandes, com espaço disponível, requisitos altos a nível de autonomia e poucas restrições de peso – por exemplo camiões médios/pesados ou furgões de carga. Este é também o caso da aviação (por exemplo, a startup ZeroAvia), do transporte ferroviário (a Alstom lançou comboios regionais movidos a H2 em linhas não eletrificadas na Europa) ou dos navios.
Adicionalmente, o H2 é atualmente produzido utilizando principalmente energia ‘suja’. Para responder a isto, estão a ser investidos fundos significativos em cadeias de fornecimento de hidrogénio verde, ou seja, que utilizam energias renováveis. Também deve ser resolvido o transporte limpo até às estações de abastecimento. Por último, independentemente do seu processo de geração, o H2 nunca oferecerá a ubiquidade da eletricidade, que permite que os BEV sejam facilmente carregados em casa ou no trabalho.
O ecossistema das pilhas de combustível e do hidrogénio
Para que o hidrogénio tenha um papel importante na mobilidade, o ecossistema completo deve funcionar em pleno. Inclui geração, transporte e armazenamento de H2, estações de abastecimento, fornecimento de pilhas de combustível e de tanques de H2, fabricantes automóveis e uma rede de serviços capaz.
Têm surgido várias empresas na área das cadeias de fornecimento de H2 até ao ponto de abastecimento, como a McPhy (eletrólise), a Hydrogenious (logística) ou a Kubagen (armazenamento).
Tendo em conta o seu enfoque orçamental atual na eletrificação de veículos com tecnologias xEV mais maduras, os fabricantess automóveis viram-se obrigados a reconsiderar os seus planos para o hidrogénio. Por exemplo, a Daimler renunciou às aplicações em veículos ligeiros para se centrar em camiões pesados e criou uma joint-venture 50-50 com o Volvo Group para este propósito. Estão a ser estabelecidas outras colaborações em torno das pilhas de combustível – Toyota-BMW, Toyota-Paccar, Honda-GM ou Hyundai-Audi –, uma vez que resta ainda percorrer um longo caminho até à implementação massiva da tecnologia.
O mercado baseado no hidrogénio oferece também oportunidades decisivas para fornecedores significativamente dependentes dos motores de combustão interna. Por exemplo, a Bosch, a Faurecia e a Plastic Omnium, líderes em gestão de motores, sistemas de escape e sistemas de combustível, respetivamente, estão a desenvolver negócios relacionados com as pilhas de combustível e o hidrogénio. Os três investiram ou associaram-se a empresas de FC e os dois últimos criaram linhas de produtos de tanques de H2.
A oferta atual de FCEV e redes de abastecimento
Apenas um punhado de fabricantes de veículos ligeiros oferece FCEV: a Toyota (Mirai), a Honda (Clarity) e a Hyundai (Nexo). A Renault comercializou os pequenos e grandes furgões Kangoo e Master: a pilha de combustível serve como um extensor de autonomia do EV. A Mercedes apresentou um GLC movido a pilha de combustível em 2019, mas parece que a versão foi descontinuada. A BMW anunciou recentemente que apresentará uma série limitada de X5 FCEV em 2022.
Estes veículos ligeiros são produzidos em quantidades limitadas porque são caros quando comparados com as versões elétricas a bateria equivalentes: na Califórnia, o Nexo compacto é vendido por 59.000 dólares (mais impostos) e o Mirai, de maiores dimensões, começa em 49.000 dólares (mais impostos). Venderam-se 7.500 FCEV, no mundo, em 2019, incluindo 4.800 Nexos e 2.400 Mirais.
A Hyundai, Hino e Hyzon também produziram quantidades limitadas de camiões FC, alguns dos quais estão em operação no porto de Los Angeles para mover contentores através da cidade, até aos centros logísticos. Como referência, um camião pesado elétrico a bateria (Classe 8) requer aproximadamente 120 kWh de energia por cada 100 quilómetros, ou seja, 5 toneladas de armazenamento de energia para 1000 quilómetros de autonomia, obtidas a expensas do espaço útil de carga.
A distribuição destes FCEV também está limitada a poucos mercados, devido essencialmente a um obstáculo importante: a rede de abastecimento de H2, ou a falta dela. Em finais de 2020, havia um total de 553 estações no mundo, 200 das quais na Europa (metade na Alemanha), 142 no Japão, 75 nos Estados Unidos (dois terços na Califórnia), 69 na China e 60 na Coreia. Com a incorporação de pouco mais de 100 estações no ano passado, estamos ainda longe de ter a capilaridade necessária para permitir um crescimento real do mercado.
O elevado custo das estações de abastecimento de H2 (1,6-2,5 milhões de euros, incluindo instalação), aliado a uma frota de veículos plug-in em rápido crescimento, significa que é dada prioridade ao desenvolvimento da rede de carregamento de veículos elétricos, onde os custos são significativamente mais baixos e a utilização maior.
Considerando que as pilhas de combustível terão maior aceitação, a curto prazo, por parte de frotas comerciais de camiões médios e pesadas, faz sentido implementar estações de abastecimento de H2 nos centros de frotas, portos ou corredores com tráfego denso de camiões, onde provavelmente terão maiores níveis de utilização.
O que esperar depois?
Julgo que os veículos ligeiros a pilha de combustível vão continuar a ser mais experimentais do que os produtos de grande volume, durante vários anos, especialmente porque o foco está claramente voltado para os BEV mais acessíveis. Contudo, a tecnologia está a ganhar terreno quando são necessárias autonomias alargadas, quando o peso é um aspeto crítico e existe espaço disponível para instalar tanques de H2.
Em consequência, os grupos propulsores baseados em pilhas de combustível generalizar-se-ão entre os camiões médios e pesados e, em menor medida, nos grandes furgões, concebidos para largas distâncias. No entanto, os volumes limitados associados a estes segmentos significam que a redução dos custos unitários será lenta.
Os fabricantes automóveis e as novas empresas estão a desenvolver estes grandes veículos. Entre eles, estão incluidos a Daimler, o Volvo Group, a Hino, subsidiária da Toyota, a unidade de camiões da Hyundai (que começou a enviar os seus camiões Xcient FC para a Suíça no ano passado) e a Paccar. Adicionalmente, a Hyzon tem já 400 camiões FC na estrada e pretende entregar 5.000 camiões e autocarros FC até 2023. A Nikola apresentou vários camiões a pilha de combustível, apesar das dificuldades relacionadas com a sua capacidade de entrega. Tanto a Hyzon como a Nikola anunciaram planos para implementarem estações de abastecimento de H2.
As conclusões
A atual aceleração das vendas de BEV e a maior maturidade desta tecnologia relativamente aos FCEV colocaram um travão ao desenvolvimento de pilhas de combustível para veículos ligeiros. No entanto, os grupos propulsores baseados em hidrogénio terão definitivamente um papel a desempenhar no mix da mobilidade, com a implementação inicial a acontecer em frotas de veículos comerciais. Isto deve ser acompanhado pelo crítico desenvolvimento de uma infraestrutura de abastecimento adequada.
Os fabricantes de veículos ligeiros fazem bem em manter as atividades de I&D relacionadas com os FCEV, juntamente com os modelos de volume limitado – como fazem Toyota, Hyundai, Honda, Renault, Stellantis, Great Wall ou BMW – para eventualmente expandirem a sua oferta de veículos elétricos de forma a abranger a gama completa de tipos de utilização.
A implementação de pilhas de combustível e da economia global de H2 será provavelmente mais rápida e ampla na Europa, dado o ênfase colocado pela Comissão Europeia e muitos governos nacionais. A UE definiu uma estratégia de hidrogénio para a região e estabeleceu a Aliança Europeia de Hidrogénio Limpo, similar à Aliança Europeia de Baterias, com o objetivo de liderar a economia de H2.
Do mesmo modo, a China quer 1 milhão de veículos a pilha de combustível nas estradas dentro de uma década, com enfoque na logística de larga distância. Tal como no caso da implementação de BEV, os Estados Unidos correm o risco de ficarem para trás, no que respeita ao transporte futuro impulsado por H2.