Hélder Pedro, Secretário-Geral da ACAP – Associação Automóvel de Portugal
A grave crise, que estamos a viver, não tem precedentes nas últimas décadas e será, certamente, a mais grave desde a segunda guerra mundial. É muito diferente da crise de 2008, até porque as consequências são, desde já, muito mais negativas para todos nós.
É uma crise que levará a uma desregulação da própria sociedade e que precisará de muito tempo até ser ultrapassada e, mesmo quando isso acontecer, deixará sequelas muito significativas.
O Sector Automóvel
O sector automóvel é um sector barómetro da nossa economia, e tal como aconteceu nas recessões de 2009 e 2012 é um dos sectores, ou mesmo o sector, em que a crise mais se fará sentir. Esta situação conduziu à interrupção de toda a cadeia de abastecimento criando sérias dificuldades a todas as empresas de distribuição e, de modo mais significativo, aos concessionários de automóveis que são pequenas, médias, e até microempresas, distribuídas por todo o país, do litoral ao interior.
Mas, igualmente, todas as empresas deste sector de actividade, que representa 19% do PIB e 25% das exportações de bens transacionáveis, serão fortemente afectadas.
É, por estes motivos, que a ACAP, sendo a Associação que representa a globalidade do sector automóvel nas suas vertentes de comércio e indústria, considera que este tem de ser um sector que merece uma especial atenção por parte do Governo.
A mobilidade reveste-se, hoje em dia, de uma importância fundamental nas nossas sociedades. De ano para ano, aumenta a população que habita nas áreas urbanas com todas as implicações que isso tem ao nível de mobilidade. Ora, é precisamente aqui que a indústria automóvel tem tido um papel fundamental, com os construtores a investirem significativamente na procura de novas soluções de mobilidade, assim como em parcerias com start-ups, que têm surgido nos diversos países.
Por outro lado, a indústria automóvel é, a nível europeu, das que mais tem investido no sentido da descarbonização. Isto deve-se, não só à forte aposta nos veículos eléctricos e híbridos plug-in, mas também nos motores de combustão a gasolina ou diesel com emissões significativamente menores do que as anteriores versões.
Apresentação do plano de incentivos da ACAP
Contudo, se a indústria tem cumprido a sua obrigação é necessário que os poderes públicos cumpram também a sua parte!
E, aqui, é importante desde logo que se aposte numa rede de carregamento de veículos eléctricos, a nível europeu, ou numa aposta forte em planos de incentivo ao abate de veículos em fim de vida, substituindo-os por veículos de nova geração, com menores emissões.
Como é público, a ACAP apresentou um plano ao Governo, de implementação desses incentivos, e estimamos que se o plano fosse implementado, haveria uma poupança energética de 3,2 milhões de litros de combustível por ano, ou seja o equivalente a 33 200 barris de petróleo.
Por outro lado, esse plano levaria a uma emissão de menos 10 800 toneladas de CO2 por ano.
É de salientar que o parque automóvel em circulação, no nosso país, é dos mais envelhecidos da Europa, com uma idade média de 12,7 anos nos ligeiros de passageiros.
A idade média dos veículos enviados para abate, na rede da Valorcar, foi de 22,1 anos em 2019 quando ainda em 2009 era de 16,6 anos.
Mas, para ultrapassar esta situação, é necessário que o Governo tome medidas, como já tomaram os Governos espanhol ou francês.
É, ainda, fundamental que os diversos países cheguem a acordo nos apoios fundamentais para relançar a economia mas, também, como exigiu a ACEA (Associação Europeia de Construtores de Automóveis) que uma parte desses apoios seja consignada aos programas de apoio à renovação do parque automóvel, tal como a ACAP preconizou.
Solidariedade Europeia
Na crise de 2008/2009, a Europa dividiu-se entre os países, sobretudo do norte, que superaram rapidamente a crise e outros, onde Portugal se incluiu, em que a saída da crise passou por um processo bastante difícil.
Esperamos todos que na saída desta difícil situação, provocada pelo coronavírus, a Europa tenha aprendido a lição e exista uma maior compreensão entre os diversos países e uma maior solidariedade entre o norte e o sul. Esta crise não resulta de uma má aplicação de políticas económicas ou orçamentais, por parte dos governos, mas é uma epidemia à escala global.
Só assim, num período de cepticismo em relação ao ideal europeu, agravado pela recente saída do Reino Unido, teremos perspectivas de um futuro promissor para a própria União Europeia, como todos esperamos.
E isto, porque cada vez mais estamos dependentes das diversas estratégias geopolíticas de que a recente guerra comercial entre China e Estados Unidos foi um claro exemplo. Este é mais um motivo para a absoluta necessidade de termos uma Europa mais forte para enfrentar os desafios que se vão colocar na saída desta crise.
Esta crise é diferente de todas as outras, pela imprevisibilidade com que está a evoluir e por afectar, de igual modo, todos os países sejam do primeiro ou do terceiro mundo.
Mas o sector automóvel continuará a ter uma importância fundamental na descarbonização da economia e na implementação de novas soluções de mobilidade.
O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.