Gil Nadais, Secretário-Geral da ABIMOTA – Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas, Ferragens, Mobiliário e Afins.
As duas rodas em Portugal são hoje um dos sectores com mais relevância no que à exportação diz respeito, mas também um dos mais mal tratados, devido a leis antiquadas, anacrónicas mesmo. Mas vamos por partes.
Ao longo dos últimos 20 anos, o sector teve um crescimento constante e sustentado. Em 2000 as exportações valiam 51,65 M€ e desde então registou um crescimento permanente, tendo vindo a duplicar mais ou menos em cada seis anos.
“Dois mil e dezanove foi o melhor ano de sempre para o sector, que fechou com 402 886 329,00 Euros, só em exportações.”
A forma como as duas rodas, a mobilidade suave, tem crescido entre nós, só é possível porque juntamente com o elevado dinamismo dos empresários, há todo um cluster que se desenvolve e trabalha em conjunto, porque há boas condições de crescimento e porque o mercado internacional identifica Portugal como um fornecedor de produto de elevada qualidade.
A forma como a internacionalização do sector foi pensada, foi também um factor importante. As exportações que até há 20 anos se centravam em mercados marginais, foram repensadas. Identificamos mercados de referências, identificamos as mais-valias das empresas e da mão-de-obra nacional e sob a marca “guarda-chuva” Portugal Bike Value, o sector afirmou-se, de uma forma sistematizada e coordenada.
Mais de 400 milhões de exportações e mais de 8.500 postos de trabalho directos, são por si só números que deveriam potenciar a imagem das duas rodas nacionais dentro de portas e que os governos e poderes locais deveriam olhar para as bicicletas com “bons olhos”, no entanto não é assim.
Ao nível da utilização quotidiana da bicicleta, o nosso País ainda não está preparado. Se, por um lado, é certo que o aparecimento de ciclovias e de cada vez mais ruas restritas ao tráfego normal, tenderá a facilitar a sua utilização, é igualmente certo que a lei não acompanha o mercado e que os incentivos são baixos.
Por exemplo, qualquer empresa que tenha um automóvel, independentemente do tipo de motorização, pode descontar o IVA do veículo, amortizá-lo nos impostos e as próprias reparações têm o mesmo tipo de tratamento. Por outro lado, se tiver uma bicicleta, mesmo que seja eléctrica, não pode amortizar nem recuperar IVA.
Se um trabalhador dessa mesma empresa se deslocar de automóvel, que pode ser o próprio carro, um táxi, ou mesmo o automóvel da empresa, recebe ajudas de custo, se se deslocar de bicicleta, essas ajudas já não existem.
Infelizmente, para o legislador, a bicicleta ainda é vista como um brinquedo, ou um objecto de lazer e este tal sector que valeu em 2019 mais de 400 milhões de Euros em exportações, com uma maior percentagem de incorporação nacional, continua a ficar para trás.
No entanto, os tempos de mudança parecem ser cada vez mais evidentes e rápidos.
Em dois de Junho, dia Mundial da Bicicleta, foi anunciado um financiamento de 20 mil milhões de Euros, para a mobilidade na Europa, sendo que destes 13 mil milhões se destinam às duas rodas.
Segundo o comunicado emanado pela Comissão Europeia, é importante dotar as cidades de condições para melhorar o bem-estar dos cidadãos e do ambiente.
“Atualmente fala-se dos milhões que vão chegar. Há um plano de recuperação da economia nacional que integra o sector dos transportes. A implementação de mobilidade “verde” mais do que uma necessidade, é uma urgência.”
É por isso fundamental que o governo olhe para as bicicletas, como o meio de transporte que são, como uma forma de promover o descongestionamento dos transportes públicos e das cidades, como uma forma de promover hábitos saudáveis de deslocação.
É fundamental que o apoio ao sector não seja apenas com a construção de ciclovias. A formação dos utilizadores de bicicleta desde os mais jovens, os incentivos às empresas para que a bicicleta seja implementada, promover a utilização da bicicleta nos pequenos e médios trajectos do dia-a-dia e a criação de infra-estruturas dedicadas às duas rodas, têm que estar na ordem do dia do governo e das autarquias.
No início de 2020, antes do confinamento provocado pelo COVID19, havia empresas a registarem crescimentos da ordem dos 400% e após a retoma da actividade, tudo indica que esta razão de números se vai manter.
A procura de bicicletas cresceu em todo o mundo, podemos destacar o Norte da Europa, onde a utilização das duas rodas e a mobilidade suave são uma realidade. São esses países que procuram o que é português e em Portugal, só resta que o poder olhe da mesma forma para um sector em que os salários são superiores à média nacional, os empregos directos são mais de 8.500 e as exportações ultrapassaram os 400 milhões de Euros. Se as questão de saúde e bem-estar e de mobilidade ecologicamente responsável, não chegarem, então basta olhar para os números.