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Contratação: uma abordagem ‘light’ ao mercado automóvel

Contratação: uma abordagem 'light' ao mercado automóvel

Opinião de Marc Amblard

Na indústria automóvel, todos os fabricantes tradicionais têm capacidades internas de montagem. No entanto, por vezes subcontratam programas específicos, porque os seus volumes são demasiado baixos – e trariam perturbações às grandes fábricas – ou exigiriam uma nova unidade de produção, na qual os fabricantes podem não estar preparados ou financeiramente aptos para investir. Inversamente, os fabricantes emergentes carecem frequentemente dos meios, volumes e/ou conhecimentos para criarem a sua própria unidade de montagem. Podem também resistir a acrescentar um risco de produção (ver o ‘inferno de produção’ da Tesla) aos necessários riscos de engenharia, de adaptação do produto ao mercado e de colocação no mercado. A produção por contrato respondeu estas necessidades.

Emergem três modelos para lidar com a produção por contrato. A abordagem mais direta consiste em estabelecer uma unidade dedicada, que pode ser apoiada por capacidades de engenharia contratada – a Magna Steyr, por exemplo. Uma segunda abordagem consiste simplesmente em oferecer capacidades e conhecimentos de produção a outros fabricantes, que de outra forma seriam utilizados para satisfazer necessidades internas – a JAC Motors da China, por exemplo. Por último, e mais interessante, novas empresas que tenham desenvolvido uma plataforma elétrica podem conceber e fabricar veículos de acordo com as especificações dos clientes – a Arrival do Reino Unido, por exemplo. Analisaremos, de seguida, estes três modelos.

Estas várias abordagens à produção de veículos chegam numa altura em que o espaço da mobilidade está a sofrer uma transformação radical. Uma série de startups estão a tentar tornar-se marcas automóveis de pleno direito, emergem novos conceitos de mobilidade, tais como robotáxis e shuttles autónomos, e a eletrificação permite novas formas de conceber e construir veículos.

Contratação dedicada

Nas áreas da eletrónica e indústria aeroespacial, a Foxconn – o maior produtor de iPhones da Apple – ou a Flex são conhecidos por produzirem sob contrato para os seus clientes, que muitas vezes não têm capacidades próprias de produção. Estas empresas investem em recursos e conhecimentos de produção genéricos, e oferecem os seus serviços de montagem e gestão de cadeias de fornecimento.

Na indústria automóvel, o maior fabricante por contratos é a Magna Steyr, uma subsidiária da Magna, um fornecedor de primeira linha (Tier 1). Na sua fábrica de Graz, na Áustria, a empresa produz atualmente veículos para a Mercedes-Benz (Classe G), BMW (Série 5 e Z4), Toyota (Supra) e Jaguar-Land Rover (e-Pace, i-Pace). A empresa também abriu uma unidade na China, onde produz um SUV para a Beijing Electric Vehicle Co., e está a considerar uma terceira fábrica nos Estados Unidos. As unidades existentes têm uma capacidade anual de 170.000 e 180.000 veículos, respetivamente.

A Magna Steyr está posicionada de forma única como fornecedor ‘Tier 0,5’, uma vez que se pode apoiar no negócio de componentes/sistemas da sua empresa-mãe. Isto permite-lhe oferecer capacidades de sourcing e engenharia de veículos, além da montagem e gestão da cadeia de fornecimento. Graças a esta combinação única, a Magna Steyr vai desenvolver e produzir o primeiro veículo da Fisker, o Ocean, na plataforma da Magna, uma vez que a startup sediada na Califórnia carece do capital para investir na produção própria.

Pode também lembrar-se do concept car da Sony, o Vision-S, apresentado no CES 2020. No evento deste ano, a empresa redobrou esforços e apresentou alguns dos seus parceiros industriais, incluindo a Magna Steyr para a engenharia e produção do veículo. A Sony tem uma marca forte, vasta capacidade em eletrónica e software, mas não tem experiência em engenharia ou produção automóvel. A Apple pode muito bem ser a próxima, com um estratégia semelhante.

A outra empresa de produção por contrato bem establecida é a Valmet Automotive, que entregou, até à data, 1,7 milhões de veículos. A empresa finlandesa produz atualmente veículos para a Mercedes-Benz (Classe A e GLC), depois de ter já montado automóveis para a Porsche e a Fisker (Karma). A empresa também tem desenvolvido conhecimento especializado em veículos elétricos, a nível de engenharia e de produção (por exemplo, packs de baterias).

A Foxconn é o novo jogador deste mercado, uma vez que os volumes de smartphones estão a estabilizar. A empresa de Taiwan começou a abastecer a indústria automóvel com conectores e ecrãs há mais de dez anos, mas aumentou drasticamente a sua ambição, recentemente. Nos últimos meses, a Foxconn apresentou a sua própria plataforma elétrica, anunciou acordos de produção por contrato com a Byton (para o M-Byte) e a Fisker (para o seu segundo veículo), e está alegadamente em conversações com a Fiat-Chrysler [agora parte da Stellantis] para estabelecer uma joint venture de produção na China.

Uma vez que o gigante de Taiwan é ainda inexperiente na área automóvel, formou também uma joint venture 50-50 com o fabricante chinês Geely (proprietário da Volvo, maior acionista da Daimler, etc.) para fornecer serviços de consultoria automóvel relacionados com veículos completos, sistemas de propulsão e componentes, combinando os conhecimentos das duas empresas a nível de produção industrial e indústria automóvel, respetivamente. Esta iniciativa ajudará a Foxconn, ou a sua joint venture com a Geely, a tornar-se um forte concorrente da Magna Steyr.

Partilhar capacidades de produção e conhecimentos técnicos

A indústria automóvel é um negócio muito intensivo em capital: uma fábrica totalmente finalizada custa milhares de milhões de dólares. O volume é crítico, e a utilização da capacidade instalada é uma métrica essencial. A procura por uma maior utilização e retorno do investimento pode levar os fabricantes a montarem veículos sob contrato para outros construtores, evitando, no entanto, concorrentes diretos, se possível.

Esta abordagem é atualmente utilizada pela empresa chinesa JAC Motors, que estabeleceu uma parceria com a NIO para produzir os veículos do novo fabricante de elétricos, depois de este ter abandonado os planos de desenvolvimentos de capacidades próprias. Isto reduziu drasticamente as necessidades de capital da NIO e proporcionou à JAC um volume adicional de 44.000 veículos, no ano passado. Agora que a NIO está a ganhar espaço no mercado e força financeira, planeia entrar no capital do seu parceiro, de forma a controlar conjuntamente a produção. O recurso à subcontratação foi um trampolim.

Da mesma forma, a Geely está agora a oferecer produção por contrato. O rápido crescimento da utilização da capacidade do fabricante nas suas onze fábricas caiu de 85% em 2017 para 59% em 2019, e provavelmente ainda mais em 2020. Mesmo sem atender ao ponto de equilíbrio financeiro, esta baixa utilização deixa uma margem significativa para maiores retornos. Um primeiro contrato chegou com a Faraday Future, para produzir o sedan F91, em parceria com a Foxconn.

É também interessante notar que a Geely acaba de anunciar a Jidu Auto, uma joint venture com a Baidu, rival chinês da Google, para desenvolver, fabricar, vender e prestar serviços de veículos elétricos. A Geely contribuirá com as suas capacidades de engenharia (aproveitando a sua arquitetura EV aberta) e de produção, e a Baidu fornecerá software para veículos, incluindo o sistema aberto de condução autónoma desenvolvido pela sua divisão Apollo.

Por último, ouvimos recentemente rumores de conversações entre a Apple e fabricantes estabelecidos, como a Hyundai-Kia e a Renault-Nissan-Mitsubishi, para (possivelmente desenvolver) e produzir o seu hipotético futuro veículo. Tal como a Sony, não faria definitivamente qualquer sentido para a Apple entrar na engenharia ou produção de veículos, uma vez que estas atividades requerem conhecimentos profundos e diluiriam as estratosféricas margens brutas da empresa – o capital não é aqui uma questão.

A abordagem com base no skate elétrico

A abordagem mais radical e inovadora na produção por contrato baseia-se no novo conceito de plataforma elétrica, que rapidamente ganhou espaço em toda a indústria, quer nos fabricantes tradicionais, quer nas startups. O ‘chassis rolante’ elétrico tornou-se uma base de marca branca sobre a qual se podem fixar carrocerias específicas de diferentes marcas.

O exemplo mais marcante desta abordagem é o contrato assinado pela Amazon com o novo fabricante norte-americano Rivian, para 100.000 furgões elétricos de distribuição. O veículo vai aproveitar a plataforma que sustentará o próximo SUV R1S e a pickup R1T da Rivian. A empresa está a conceber a carrinha de acordo com as especificações da Amazon e iniciará a produção no próximo outono.

Da mesma forma, a Arrival, sediada no Reino Unido, introduziu um versátil furgão elétrico, associado ao conceito de micro-fábricas, que requerem cerca de 50 milhões de dólares de investimento para um volume de produção até 10.000 unidades por ano. Isto oferece a opção de instalar capacidade em múltiplas localizações e responder às necessidades locais com produtos à medida. A empresa já recebeu uma encomenda da UPS para 10.000 carrinhas.

Outras startups estão a abordar o mercado de uma forma ligeiramente diferente. A [israelita] REE, a Applied EV, da Austrália, e mais algumas empresas, desenvolveram skateboards elétricos – e, por vezes, autónomos. Enquanto estas empresas poderão não ter de se envolver na produção por contrato per se, os seus produtos são uma base excelente, sobre a qual outras podem desenvolver e montar veículos com finalidades específicas. A redução do âmbito da engenharia, instrumentação e montagem para a ‘cobertura’ do veículo reduz grandemente as necessidades de capital e conhecimento.

As abordagens de produção por contrato analisadas acima resultam em menores barreiras à entrada no mercado automóvel, oferecendo acesso a recursos e conhecimentos especializados, de capital intensivo. A combinação de engenharia por contrato e, possivelmente, a utilização de skates elétricos de marca branca permitem a entrada de novos intervenientes no mercado, o que proporcionará uma maior diversidade de produtos e uma maior concorrência.

Fotografia de Marc Amblard

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a start-ups sobre assuntos relacionados com a transformação profunda do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

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