José Miguel Trigoso
Presidente do Conselho de Direção da Prevenção Rodoviária Portuguesa
Com o intuito de tornar a nossa mobilidade mais sustentável, os veículos automóveis têm visto os seus motores a combustão serem substituídos por motores elétricos, fomentam-se cada vez mais as deslocações a pé e/ou a utilização de bicicletas e outros modos suaves, reduzindo a utilização do automóvel. Têm sido igualmente estimuladas as deslocações em veículos de 2 rodas a motor, nomeadamente nas zonas urbanas, para reduzir o tempo de deslocações e os seus custos, contribuindo para o aumento da capacidade de estacionamento, isto claro sem esquecer a utilização do transporte público. Terão estas alterações na nossa mobilidade consequências na segurança rodoviária? Claro que sim.
Porquê? A taxa de sinistralidade por quilómetro percorrido é semelhante para peões e ciclistas, e é cerca de 7 a 8 vezes superior à dos automóveis ligeiros, embora cerca de 3 a 4 vezes menor do que a dos veículos de 2 rodas a motor (dados do SWOV, Instituto de Investigação Holandês, país onde a utilização dos modos suaves está mais desenvolvida na Europa).
Ainda de acordo com dados e estudos holandeses onde se avalia o risco de morte por mil milhões de quilómetros percorridos, os resultados apontam para que sejam os transportes públicos os que proporcionam melhores resultados – risco de 0.11 para os autocarros e de 0.01 para os comboios, face a 1.60 para o automóvel, 9.09 para a bicicleta, 12.28 para os peões e 52.00 para os motociclos.
E em Portugal, qual a evolução da sinistralidade grave (vítimas mortais + feridos graves) relativa a estes tipos de veículos?
Na última década verificou-se uma redução da sinistralidade tanto nos utentes de veículos ligeiros (33,6%) como nos peões (12,8%), contrariamente ao que se registou nos ciclistas, com um aumento da sinistralidade de 32,0%, e nos utentes dos veículos de 2 rodas a motor de 11,8%, destacando-se aqui os motociclistas com um incremento de 47,2%.
Os portugueses continuam a ser dos europeus que mais utilizam o automóvel particular nas suas deslocações, estando abaixo da média europeia no que à utilização dos transportes públicos e da deslocação a pé diz respeito, o recurso aos 2 rodas a motor é similar e estão muitíssimo abaixo no recurso à bicicleta (são os que menos a utilizam).
Tais dados revelam a enorme margem de progressão para que nos próximos anos se verifique uma alteração da forma como nos deslocamos, apostando em modos mais suaves e sustentáveis.
Mas quais as consequências a nível da sinistralidade rodoviária? Se o sistema se mantiver, mais utentes irão optar por trocar o automóvel em prol dos outros meios, mas em detrimento dos transportes públicos, o que agravará particularmente a sinistralidade será se essa transferência passar para as bicicletas e veículos de 2 rodas a motor.
No entanto, é imperioso que se mantenha e até acelere a modificação da utilização dos diversos meios de transporte em detrimento do automóvel.
O que fazer? Como reduzir o risco de acidente para os veículos de 2 rodas (incluindo as bicicletas) e para os peões? Através de alterações na infraestrutura, na segurança dos veículos e nos comportamentos de todos os diferentes tipos de utentes. Cada um destes temas, nomeadamente os que se referem à infraestrutura e aos comportamentos, justificam uma abordagem com muito maior profundidade do que esta. Mas se não se corrigirem os erros de conceção das infraestruturas em meio urbano que se estão a cometer (inadiável a implementação de auditorias de segurança rodoviária com rigor e transparência) e não se alterarem comportamentos de condutores de veículos automóveis, de motociclistas, de ciclistas e de peões, a situação da sinistralidade rodoviária tem todas as condições para se agravar. É de extrema importância a promoção de uma convivência e colaboração entre todos estes tipos de utentes, abolindo alguma animosidade que se está a verificar.
Há que refletir ainda sobre as implicações do significativo aumento da circulação de trotinetas elétricas, em todos os tipos de vias e sem limites de idade, bem como a não obrigatoriedade do uso de capacete, o número de acidentes e de lesões graves crescerá, dado que todos os estudos apontam para riscos muito mais elevados do que os verificados para as bicicletas.
Resumindo, é fundamental prosseguir no caminho da alteração da utilização dos meios de transporte a que recorremos, para garantir uma mobilidade sustentável, mas tal tem de ser acompanhado de um conjunto de estudos e da aplicação de medidas que mitiguem o aumento do risco de acidente.