A sociedade e a política venceram. Aquilo que as bem estabelecidas empresas da indústria automóvel mais temiam tornou-se realidade: os motores a gasolina e diesel serão em breve algo do passado, bem como os sistemas híbridos. O futuro pertence às baterias – e, portanto, a uma mobilidade que é finalmente (mais) limpa e (mais) saudável. O Parlamento Europeu tomou agora a decisão final sobre o quão sustentável será esta transição da mobilidade; a proibição da gasolina e do diesel em 2035 está agora em vigor.
Os pioneiros desta transformação são os países escandinavos, mas Portugal e Reino Unido estão também a posicionar-se na vanguarda da eletrificação. Fabricantes de automóveis progressistas, como a General Motors, a Volvo e a Jaguar, mas também fornecedores de serviços como a Uber, continuam a liderar a tendência. E à medida que mais empresas definem limites temporais para o motor de combustão, mais claro se torna que o futuro da mobilidade será neutro, do ponto de vista climático. A indústria automóvel tem agora de garantir que cada automóvel elétrico cumpre todos os requisitos ambientais e que não traga mais pressão vinda de Bruxelas, Pequim ou Washington. Não deixa de ser de todo surpreendente que esta pressão seja necessária – afinal, os automóveis elétricos (BEV) são superiores aos carros com motores de combustão interna em todas as dimensões imagináveis.
Em todo o caso, a tendência geral é clara: a eletrificação dos grupos propulsores, que foi discutida durante tantos anos, está subitamente a ocorrer a uma velocidade alucinante. Este salto em direção à e-mobilidade é acompanhado por uma ofensiva de modelos, por parte dos fabricantes – a indústria anunciou 600 novos automóveis elétricos até 2024. Os fabricantes chineses lideram, com 169 modelos, seguidos pelo Japão (145) e Alemanha (102). Ao mesmo tempo, a ‘E-Volução’ não inclui apenas os automóveis de passageiros – apesar de este ser, de longe, o segmento mais dinâmico. Em 2021, por exemplo, a par dos 7 milhões de carros elétricos, havia já no mundo mais de 500.000 autocarros e cerca de 400.000 carrinhas e camiões de entregas, além de 184 milhões de motas e scooters.
Quer se trate de fabricantes de automóveis, cidades ou governos, mais e mais atores compreendem a simbiose entre sustentabilidade e inovação como um fator central para o futuro. É por isso que Eric Garcetti, mayor de Los Angeles, quer também continuar a lutar por um céu azul e luminoso, que é para ele o oposto emblemático da devastadora cultura do automóvel. Trata-se, na essência, de uma agenda ecológica voltada para o futuro, que não tem um objetivo de renúncia, mas que antes procura abrir novas perspetivas ecológicas de crescimento.
Muitas cidades reconhecem que é agora tempo de criar novas realidades que antecipem o futuro. A capital francesa, Paris, decidiu proibir completamente os veículos a diesel a partir de 2024, seguindo-se os carros a gasolina em 2030, muito antes da União Europeia. Em Amesterdão, todos os veículos a gasolina e diesel (carros, motas, scooters) serão excluídos a partir de 2030, com base no denominado Plano de Ação Ar Puro. Táxis, autocarros, carrinhas e scooters com motores de combustão serão proibidos na autoestrada A10, o anel rodoviário em torno da cidade, já em 2025, seguindo-se os automóveis e motas privados em 2030. Em Los Angeles, 25% dos carros serão elétricos em 2025; e a partir de 2050, apenas a mobilidade elétrica será permitida. Os táxis e os autocarros escolares serão totalmente livres de emissões em 2028, e a partir de 2035, isto aplicar-se-á também a todo o tráfego urbano de entregas.
Dezenas de fabricantes automóveis viram-se numa posição de desvantagem no recém-formado mercado elétrico. Muitas empresas novas estão a destacar-se, sustentadas por investimentos massivos, e os fabricantes chineses, em particular, vêm o seu valor explodir. Li Auto, Xpeng e Nio, por exemplo, têm atualmente cotações muito mais elevadas do que a BMW. Se olharmos para aspetos como dimensão e vendas, estas cotações parecem largamente inapropriadas: a Nio entregou 91.000 elétricos a bateria em 2021 (comparando com 43.000 em 2020); e a Xpeng entregou 98.000 (comparando com 27.000). Por outro lado, as taxas de crescimento aumentaram significativamente, especialmente no últimos meses.
O ceticismo transforma-se em alegria
Apesar de 21% dos compradores de carros novos na Alemanha considerarem já que os automóveis elétricos são o “veículo perfeito para o dia-a-dia”, muitos mostram-se ainda céticos quanto aos benefícios da nova tecnologia. 46% duvidam mesmo que os elétricos substituam totalmente os carros a combustão, no futuro. Contudo, estas dúvidas evaporam-se rapidamente assim que ganham experiência prática com os automóveis elétricos. De acordo com um estudo britânico, 91% dos proprietários de BEV não pretendem retornar aos veículos a gasolina e diesel.
Existem essencialmente seis fatores que garantem que os carros elétricos se vão popularizar muito rapidamente:
- Redução de custos: atualmente, os custos são ainda uma das maiores barreiras à compra de um carro elétrico, mas este argumento está depressa a tornar-se obsoleto. Nos próximos cinco anos, os veículos elétricos serão a opção de compra mais económica em muitas partes do mundo.
- Respeito ambiental: a reivindicação de que os automóveis elétricos não são amigos do ambiente, em termos de produção e utilização, foi já refutada por vários estudos. De facto, os veículos a bateria são já menos prejudiciais para o ambiente do que os motores de combustão interna. Esta vantagem será cada vez maior no futuro, graças a novas técnicas de exploração de matérias-primas, medidas de reciclagem e inovações técnicas no campo da tecnologia de baterias.
- Poupança de energia: especialmente em tempos de transição energética, os efeitos a nível de poupança de energia têm de ser calculados com precisão, de forma a minimizar o impacto na produção de energias renováveis. O carro elétrico consome três vezes menos energia do que um carro alimentado por pilha de combustível de hidrogénio, e mais de seis vezes menos do que um automóvel movido por combustível sintético (e-fuel).
- Características de condução: a aceleração de um carro elétrico é muito mais forte e a velocidade máxima é comparável à dos veículos de combustão.
- Menos desgaste e manutenção: por causa da muito menor complexidade do grupo propulsor, são expectáveis menos reparações e custos de utilização substancialmente menores.
- Autonomias maiores: a iminente tecnologia de baterias de estado sólido trará um crescimento significativo às autonomias e, ao mesmo tempo, as redes de carregamento públicas e privadas continuarão a expandir-se. O mesmo se aplica ao carregamento por indução.
A bateria é, de longe, o componente mais dispendioso de um veículo elétrico, representando cerca de 30% do custo total. Mas o preço das baterias está rapidamente a aproximar-se de um ponto de viragem: em breve, os fabricantes de veículos elétricos estarão a produzir modelos tão acessíveis e lucrativos quanto os veículos de combustão interna comparáveis. Em 2021, o preço médio por kilowatt-hora de uma bateria de ião-lítio desceu para 132 dólares – há uma década, custava mais de 1.100 dólares. Assim que o custo cair abaixo dos 100 dólares, os veículos elétricos serão economicamente mais eficientes do que os veículos a gasolina.
De acordo com as previsões, o limiar ‘mágico’ será alcançado algures em 2023 (se as crises da inflação e das cadeias de fornecimento não afetarem significativamente os preços). Assim, os baixos preços das baterias são uma chave importante para oferecer, em grande volume, carros elétricos baratos.
As baterias da Tesla custam atualmente entre 10.000 e 12.000 dólares, dependendo da capacidade; no futuro, a empresa quer reduzir este custo para menos de 6.000 dólares, de forma a disponibilizar um automóvel elétrico com um preço de cerca de 25.000 dólares. O plano, que assenta num preço por kilowatt-hora de 58 dólares – considerado realista, a longo prazo, pelos especialistas da indústria –, é bastante ambicioso e requer ainda algumas inovações técnicas, como baterias de estado sólido e poupanças em matérias-primas. No entanto, estas progressões de preços estão já incluídos nos novos conceitos de veículos e os passos de desenvolvimento técnico estão já a ser implementados.
No futuro, o posicionamento dos modelos elétricos diferenciar-se-á radicalmente, em termos de preços, sendo possíveis segmentos completamente diferentes. Não devemos ficar surpreendidos se o preço unitário de muitos carros elétricos cair eventualmente abaixo dos 5.000 dólares. As reduções de preços durariam então, pelo menos, até ao início da próxima década. Isto vai ser possível através da otimização dos processos de produção e volumes mais altos, mas também por designs de veículos mais aperfeiçoados: enquanto os automóveis elétricos atuais integram cerca de 10.000 peças, no futuro poderão ter 100 ou menos.
Na China, o desenvolvimento está já a abrir categorias completamente diferentes, em que os denominados Micro Carros Elétricos são populares. Com preços entre 600 e 2.500 dólares, por enquanto pouco regulamentados, são lentos – e, por isso, muitas vezes chamados de “carros para cidadãos seniores” – apelam a um enorme mercado que consiste sobretudo em trabalhadores de poucos rendimentos. Há muitas destas pessoas na China: mais de 40% da população – cerca de 600 milhões de pessoas – ganha menos de 150 dólares por mês. Estes desenvolvimentos também afetarão outros países onde o potencial económico de uma gigantesca classe média está apenas a começar a revelar-se.