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Terras raras e motores elétricos: o que pode fazer Portugal?

As terras raras (os 15 lantanídeos mais escândio e ítrio) são usadas em ímanes permanentes de altíssima potência que permitem motores elétricos compactos e eficientes, embora não façam parte das baterias de iões de lítio.

Hoje, a União Europeia (UE) reconhece que 100% das terras raras usadas em ímanes permanentes são refinadas na China, um ponto de vulnerabilidade que o Regulamento das Matérias-Primas Críticas (Critical Raw Materials Act, CRMA) procura reduzir com metas para 2030 em extração, processamento e reciclagem na Europa.

A China domina as fases mais críticas da cadeia — a separação e a fabricação de ímanes —, o que introduz riscos geopolíticos para a mobilidade elétrica europeia. A boa notícia: existem alternativas tecnológicas sem ímanes e a Europa (Portugal incluído) pode ganhar peso em cartografia, processamento e reciclagem. Este artigo resume o estado da arte com fontes primárias e técnicas.

O que são as terras raras… e porque interessam ao automóvel elétrico

As terras raras são 17 elementos (lantanídeos + escândio + ítrio) com propriedades magnéticas e óticas únicas. O nome é enganador: não são “escassas”, mas são difíceis de concentrar e separar com pureza industrial. No setor automóvel, as mais procuradas são neodímio e praseodímio (Nd/Pr) para ímanes de neodímio-ferro-boro (NdFeB); para alta temperatura adicionam-se pequenas frações de disprósio (Dy) ou térbio (Tb).

Num carro elétrico, as terras raras não estão na bateria de iões de lítio (que depende de lítio, níquel, cobalto/manganês ou fosfato de ferro e lítio — LFP —, e grafite), mas sobretudo no motor de tração (se usar ímanes permanentes) e em motores auxiliares (atuadores, ventiladores, bombas). Cada motor de tração com ímanes costuma requerer ≈ 1–2 kg de íman sinterizado. Existem também outras químicas de bateria como níquel-manganês-cobalto — NMC — ou níquel-cobalto-alumínio — NCA — (sem terras raras).

Do jazigo ao íman: porque é que a China “tem a chave”

O estrangulamento não está apenas na mina: está na separação química e na metalurgia do íman. À escala global, a China concentra ~90% da capacidade de separação e mais de 90% do metal e das ligas para ímanes NdFeB; na UE, 98% dos ímanes de terras raras são importados da China. Além disso, 100% das terras raras usadas em ímanes é hoje refinado na China, segundo a Comissão Europeia.

Esta posição reforça-se com licenças e controlos sobre tecnologia e exportações, que Pequim tem ajustado desde 2023–2025, aumentando a sensibilidade da cadeia a tensões comerciais. A Agência Internacional de Energia (AIE; em inglês, International Energy Agency, IEA) e outras análises confirmam que a concentração do refino de terras raras continua elevada e difícil de diversificar no curto prazo.

São indispensáveis num carro elétrico? (Engenharia sem mitos)

A engenharia oferece saídas: nem todos os elétricos precisam de ímanes com terras raras. Há motores síncronos de rotor bobinadoElectrically/Externally Excited Synchronous Motor, EESM — (sem ímanes) em produção — BMW, quinta geração eDrive — e a Renault reiterou a sua estratégia de rotor bobinado (R5, Mégane, Scénic) e o próximo motor E7A, com zero terras raras. Ou seja: é possível eletrificar sem depender estruturalmente de Nd/Pr, com alguns compromissos de compacidade ou eficiência consoante o caso.

Os motores síncronos com ímanes permanentesPermanent Magnet Synchronous Motor, PMSM — baseados em NdFeB oferecem alta densidade de binário e boa eficiência em volume contido (daí a sua popularidade em veículos elétricos e eólica). A própria Comissão Europeia classifica-os como “os dispositivos mais eficientes” no seu domínio. Mas não são a única solução: existem topologias que evitam terras raras.

Motores síncronos de rotor bobinado (EESM): geram o campo do rotor com corrente, sem ímanes. A BMW declara que a 5.ª geração de eDrive não usa terras raras; a Renault utiliza rotor bobinado no Mégane, Scénic e no novo R5 E-Tech, e desenvolve com a Valeo o motor E7A (até 200 kW) sem terras raras.

Indução (assíncronos): também sem ímanes, com compromissos distintos em eficiência/compacidade face aos PMSM.

Alternativas de material: desenhos com ferrites (sem terras raras) ou ímanes de samário-cobalto (SmCo) para aplicações específicas, embora com penalizações de densidade ou custo.

Conclusão técnica: as terras raras não são estritamente imprescindíveis para que um veículo elétrico (VE) funcione, mas permitem motores mais compactos e eficientes; por isso a procura de ímanes crescerá com a eletrificação, mesmo coexistindo com desenhos rare-earth-free.

Portugal: onde estamos e que alavancas temos

Geologia e conhecimento. Portugal conta com ocorrências de minerais portadores de terras raras (monazita, xenótimo) mapeadas pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) através do Sistema de Informação de Ocorrências e Recursos Minerais Portugueses (SIORMINP), embora não existam explorações económicas de elementos de terras raras (ETR; em inglês, rare earth elements, REE) em operação. 

Historicamente, relatórios europeus indicavam ausência de jazigos económicos na Península Ibérica, embora a cartografia e o conhecimento tenham avançado desde então.

Ecossistema e projetos. Grupos como o Centro de Recursos Naturais e Ambiente do Instituto Superior Técnico (CERENA/IST) trabalham na valorização e reciclagem de resíduos tecnológicos com conteúdo em ETR (por exemplo, RecValTR, REESOURCE), em linha com a prioridade do CRMA de recuperar matérias-primas críticas a partir de fluxos de resíduos.

Para lá dos ímanes: os outros materiais do carro elétrico

O cabaz de materiais de um VE vai muito além das terras raras: lítio, níquel, cobalto/manganês ou LFP e grafite em baterias; cobre e alumínio em cabeamento e motores; e silício (e carbeto de silício) em semicondutores de potência. Compreender este cabaz é essencial para a política industrial: estratégias que olham apenas para as terras raras ficam curtas. No reciclaje de ímanes, técnicas como o Hydrogen Processing of Magnetic Scrap (HPMS) permitem recuperar pó NdFeB para re-sinterizar e reduzir a dependência de material virgem.

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