Opinião de Stefan Carsten
Em 2018 foi aprovada a Lei de Mobilidade de Berlim, iniciativa provavelmente inédita, tanto na Alemanha como no mundo. Fornece as bases para um realinhamento da cidade e da sua estratégia de mobilidade, através da priorização de meios de transporte amigos do ambiente sobre o transporte individual motorizado.
“Esta lei cria o regime legal para um estilo de vida individual que é igual em todas as parte de Berlim e concebida para as necessidades de mobilidade da cidade e das áreas circundantes, sem discriminação de idade, género, nível de rendimento e restrições pessoais de mobilidade, bem como situação de vida, origem étnica ou disponibilidade individual de transporte. A mobilidade regulada por esta lei inclui os requisitos especiais de todos os grupos de mobilidade, dos peões e ciclistas, transportes públicos, transportes comerciais e transporte individual motorizado, e deste modo assegura a prioridade da ecomobilidade – i.e. tráfego pedonal, bicicletas e transporte público” (excerto do preâmbulo da Lei de Mobilidade de Berlim).
A Lei de Mobilidade é a base da estratégia de planeamento abrangente de Berlim. No seu âmbito, foi aprovada legislação ambiciosa: um regulamento pedonal em janeiro de 2021; um plano de desenvolvimento urbano para mobilidade e tráfego em março de 2021; e um regulamento para ciclistas em setembro de 2021.
O plano de desenvolvimento urbano inclui objetivos para a priorização da ecomobilidade: em 2030, 82% de todas as viagens (74% atualmente) deverão ser cumpridas de bicicleta (23%, a partir dos atuais 18%), a pé (manter os atuais 30%) e por transporte público (29% contra os atuais 27%), em prejuízo do transporte motorizado privado (18% contra os 26% atuais).
Entre outras medidas, o regulamento pedonal permite fases de luz verde mais longas nos semáforos para peões, percursos escolares mais seguros e ações mais duras contra o estacionamento ilegal e condução perigosa. Cada um dos doze distritos de Berlim terá agora de desenvolver projetos-piloto correspondentes num período de três anos. Isto deverá permitir fazer justiça à elevada proporção de peões no tráfego rodoviário e reduzir drasticamente o número de mortes em acidentes, 38% das quais são peões.
O regulamento de ciclismo prevê um crescimento significativo do número de ciclistas. Para este propósito, a rede de ciclovias será grandemente expandida: de forma a atingir os objetivos a nível de comportamentos de mobilidade sustentáveis, a rede implementada pela cidade deverá atingir uma extensão de 2.400 km, incluindo 865 km de uma rede prioritária nas principais ligações com uma largura padrão de 2,5 metros. Adicionalmente, serão construídos 550 km de ciclovias adicionais nas estradas principais, que não fazem parte da rede principal mas estão contempladas na Lei de Mobilidade – nestes casos, a largura deverá ser de 2,3 metros. Juntamente com cerca de 100 km de ligações de alta-velocidade para bicicletas, a rede terá uma extensão total de cerca de 3.000 km.
O Senado de Berlim [órgão administrativo local da cidade] implementou responsavelmente a maioria dos projetos contemplados nos primeiros anos da Lei de Mobilidade, com sucesso e de forma atempada. No entanto, os planos para transportes comerciais e novas formas de mobilidade estão em falta ainda hoje.
Inicialmente, o foco estava menos voltado para as adoção de medidas do que para a adaptação do quadro institucional, incluindo o estabelecimento de um organismo de coordenação para tráfego pedonal e de bicicletas. Os recursos de pessoal foram significativamente aumentados, primariamente através da nomeação de coordenadores de tráfego velocipédico nos distritos da cidade, medida necessária para permitir à administração implementar as medidas estruturais. Os planos existentes foram expandidos e a dotação financeira cresceu significativamente, como atesta o aumento de 167% do investimento em transportes públicos.
O exemplo das ‘ciclovias pop-up’ mostra como este tipo de visão claramente definida permite a tomada de decisões políticas e a atuação administrativa, especialmente em tempos de crise como a pandemia de COVID-19. Estas ciclovias, que apareceram ‘do dia para noite’ em vários percursos da cidade em 2021, não só tiveram um elevado nível de aceitação, por parte da população, como aumentaram grandemente o tráfego de bicicletas. Foram possíveis apenas por haver um quadro regulatório fornecido pela Lei de Mobilidade, que forma também a base de planeamento para a continuação estrutural destas ‘ciclovias pop-up’.
Neste sentido, a Lei de Mobilidade de Berlim oferece uma excelente plataforma de transferibilidade internacional em muitos aspetos, tanto a nível legal e político, como também em termos de transporte, de forma a implementar a transformação para a mobilidade sustentável a médio prazo.
Stefan Carsten, consultor e especialista na área do Futuro das Cidades e Mobilidade, vive o futuro há mais de vinte anos. É um dos responsáveis pelo início da transição da indústria automóvel de um setor centrado no veículo para um setor centrado na mobilidade. Atualmente, vive e trabalha em Berlim.