Opinião de Carlos Alberto Mineiro Aires (Bastonário da Ordem dos Engenheiros)
Discorrer sobre assuntos relacionados com o futuro das cidades é falar dos desafios que se irão colocar à engenharia, o que tem sido um dos focos dos debates que a Ordem dos Engenheiros (OE) promove desde há alguns anos.
Temas relacionados com a mobilidade e transportes sustentáveis, inteligência artificial, cidades, ambiente e energia, espelham o nosso olhar atento para os desafios tecnológicos de futuro, embora com os pés bem assentes no presente, pois o papel dos engenheiros é imprescindível quer na fase de transição, que atravessamos, quer na de mudança.
As questões conexas e os desafios ambientais também merecem a nossa atenção, pois, desde 2018 que iniciámos um caminho em defesa do ambiente e da preservação da nossa casa global.
Nesse ano, declarámos o ‘Ano OE das Alterações Climáticas’, em 2019, o ‘Ano da Eficiência Material’, 2020, o ‘Ano da Eficiência Hídrica’ e, em 2021, o ‘Ano da Eficiência Energética’, atuação enquadrada nos 17 ODS das Nações Unidas.
Conhecemos as metas que Portugal se comprometeu a cumprir, relativas ao Acordo de Paris, ao roteiro da neutralidade carbónica, entre outros, e, ainda, as políticas europeias e governamentais nestes domínios.
Cientes da exiguidade de Portugal no balanço global dos GEE, não defendemos o arrastar do cumprimento dos nossos compromissos, pois os objetivos de descarbonização da economia e das atividades conexas, onde se inclui a mobilidade, através de soluções amigas do ambiente, menos poluentes e baseadas em energias renováveis, permitirá darmos um exemplo da nossa capacidade e modernidade de pensamento e atuação.
Quando presidi ao Conselho de Administração do Metropolitano de Lisboa, esta empresa foi pioneira no transporte gratuito de bicicletas, um passo premonitório quando ainda não existiam ciclovias na cidade de Lisboa.
Demonstrada que está a recetividade e abertura que há muito temos para as questões ambientais, mas longe de sermos fundamentalistas ‘anti-automóvel’, não posso, enquanto cidadão e engenheiro, deixar de dizer o que penso, sobretudo quando muitas das políticas que têm vindo a ser implementadas estão viradas para impactos e ganhos imediatos, abordando de forma pouco séria os verdadeiros problemas da mobilidade e a obrigação de ponderar com razoabilidade a transição.
O que temos assistido neste campo é, muitas vezes, a vontade de começar a resolver os problemas pelo fim, ao invés do que seria recomendável.
Uma recente conferência que teve lugar no Porto apontou a necessidade de repensarmos as Áreas Metropolitanas como grandes cidades, o que será a única abordagem inteligente, pois a mobilidade terá de ser integrada no planeamento e na gestão territorial.
O (des)ordenamento do território nunca foi virado para o cidadão, para a proximidade entre a residência e o local de trabalho, o que originou deslocações pendulares diárias de centenas de milhares de veículos automóveis, com graves impactos na qualidade de vida das pessoas e no ambiente.
Para quem reside na órbita das grandes cidades, para onde foi remetido por razões económicas, não pode ter uma vida com uma qualidade minimamente aceitável sem recorrer ao transporte individual, pois não tem outra forma de deixar os filhos nas creches, nas escolas, ou nos avós, para no final do dia fazer o percurso inverso e ainda ter de assegurar outros compromissos pessoais.
A oferta de transportes públicos, sobretudo os interurbanos, não tem qualidade, conforto, nem capacidade adequados, razão por que a ambição de qualquer concidadão é poder ter uma viatura própria, pois foi essa a cultura inculcada, tratando-se até de uma questão de status.
A pandemia, que obrigou ao teletrabalho e aliviou muita desta carga, veio colocar a nu esta evidência e obrigar a repensar os desastres urbanísticos e a incoerente gestão social com que temos pactuado.
O desinvestimento e a degradação do transporte pesado, nomeadamente no modo ferroviário, também têm a sua quota parte de culpa.
Agora, na fase de transição, surgiu a mobilidade elétrica, que ainda está no início da sua afirmação, sendo que na maioria dos países mais poluentes do mundo é uma questão marginal e quase ignorada.
Os veículos elétricos são uma excelente solução citadina para quem tem possibilidades de ter um segundo veículo a combustão, já que a sua limitada autonomia, mesmo no caso dos caríssimos modelos de topo, ainda não permite ser a única solução, e o seu carregamento constitui um problema nas zonas habitacionais onde não existem garagens e facilidades adequadas ou em caso de grandes afluências de tráfego (início de férias, por exemplo).
Para quem, como eu, necessita de ir ao Porto ou a Bragança e regressar passado umas horas, obviamente que essa não é a opção. Os veículos híbridos, aparentemente interessantes, têm autonomias ‘limpas’ reduzidas, pelo que após umas dezenas de quilómetros, ou uns minutos de ‘prego a fundo’, passam a consumidores de hidrocarbonetos, por vezes até bem gulosos, tornando-se iguais aos avós poluentes.
A par, na mobilidade suave, temos as bicicletas, mecânicas ou elétricas, de que sou um confesso adepto, desde logo pela beleza que trouxeram às cidades, mas não são uma solução que sirva todos os géneros e faixas etárias, e quando chove…
As ciclovias, embora reconheça o trabalho feito, apresentam alguns traçados aberrantes, que são atentados à segurança de automobilistas, ciclistas e peões, porque as inseriram em ruas e zonas que não foram pensadas para estas soluções e em zonas de relevo que não são cicláveis.
Estamos no bom caminho e acredito que iremos chegar lá, mas não queiramos dar passos maiores do que a perna e, sobretudo, não criar medidas punitivas sem que antes tenhamos soluções que desincentivem as práticas que se pretendem evitar.
Formado em Engenharia Civil (IST) é atualmente o Bastonário da Ordem dos Engenheiros, Presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (de 2020 a 2023), Membro do Conselho Económico e Social e Membro do Conselho Económico e Social Europeu. Em paralelo, é Presidente do World Council of Civil Engineers (desde 2018 até ao próximo ano), Presidente da Comissão Executiva da Simarsul, Presidente do Instituto da Água, Presidente do Metropolitano de Lisboa, Presidente do Conselho de Administração da Simtejo e Diretor do Gabinete de Saneamento Básico da Costa do Estoril. Simultaneamente, e por inerência, é Membro do Conselho Superior de Obras Públicas, Membro do Conselho Nacional da Água, Membro do Conselho de Escola do Instituto Superior Técnico, Membro do Conselho Geral do Instituto Politécnico de Lisboa e Membro do Conselho Estratégico da Proforum.