Por Carolina Caixinha
O Green Future AutoMagazine esteve à conversa com Manuel Rodríguez, arquiteto espanhol, mestre pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, radicado na China desde 2012.
Trabalhou no escritório RCR Arquitectes – vencedor do Pritzker –, e é atualmente vice-diretor de Design na ECE, em Xangai.
Como nasceu a sua relação com a Arquitetura? Quando descobriu a sua paixão por esta disciplina? Na infância ou apenas mais tarde?
Quando era criança, adorava construir pequenas cabanas com placas de madeira ou cobertores na velha quinta dos meus avós, no campo, criando esconderijos onde podia passar a maior parte dos dias da época do verão a desenhar. Recordo-me que um dos meus brinquedos favoritos era um modelo de geometria de plástico; compunha este modelo geométrico com formas de casas, fábricas, bibliotecas e todos os tipos de edifícios públicos. Lembro-me que, em cada dia, desenhava uma cidade inteira, todas diferentes e com suas peculiares características, nomeadamente uma com um rio a atravessar, outra entre colinas, uma numa zona à beira-mar e até uma cidade no espaço. Na adolescência, assim que terminei o ensino secundário, comecei a ler e a aprender sobre Arquitetura e arquitetos; Sempre considerei fascinante as histórias e vidas de arquitetos famosos como Ludwig Mies van der Rohe e Le Corbusier. Foi nesse momento em que decidi ser arquiteto e optar por estudar Arquitetura.
Como apareceu a China na sua vida? Como foi a sua adaptação? Qual a principal barreira com que se deparou?
Quando finalizei o meu mestrado em 2010, graças a um concurso que ganhei, comecei a trabalhar na RCR Arquitectes. Esta experiência foi extremamente elucidativa para mim e abriu-me a mente para uma aventura internacional. Uma vez que era jovem e tinha colegas de trabalho da China e do Japão, a Ásia sempre me atraiu e encorajou para dar o salto e vir para este lado do mundo.
A adaptação não foi tão difícil; parte disso é a minha personalidade; sou uma pessoa de mente aberta e um bom ouvinte. Contudo, posso dizer que muitas coisas alteraram a minha perceção sobre a China após a minha chegada. É como viver no futuro. Talvez uma das barreiras significativas fosse o idioma, não mais graças à minha perseverança e vontade de dominar o chinês; é mais simples do que se pensa. Depois de mais de oito anos a viver aqui, falar chinês tornou-se um hábito diário.
Atualmente vive na China. As diferença culturais e históricas, para o ocidente, são enormes. Qual a grande diferença entre Europa e a Ásia em relação à arquitetura sustentável?
A diferença mais significativa entre os dois continentes é que a China ainda é sustentavelmente ‘jovem’ e os promotores preferem cortar custos para um enriquecimento a curto prazo. O primeiro prémio LEED – Liderança em Energia e Design Ambiental – foi entregue em 2005, contudo os edifícios com classificação verde ainda estão longe de se tornarem uma prática diária neste grande mercado de construção, onde a maximização dos lucros e a redução dos custos de construção comprometem, frequentemente, o design sustentável e as considerações de eficiência energética. Na Europa, passámos por muitos momentos difíceis, que alteraram profundamente a forma como construímos. Pensem em todos as regulamentações e longas burocracias pelas quais temos de passar em Portugal ou em Espanha, para serem seguidas as regras e padrões sustentáveis. Na Europa, a construção é feita para durar.
Infelizmente, como mencionei antes, na China a produção é pensada a curto prazo, no lucro. Precisamos de prestar atenção ao ativo mais crítico no mercado imobiliário, a habitação. A qualidade residencial de Xangai carece de considerações de eficiência. No meu trabalho diário com os construtores, é possível verificar que existe bastante pouco, ou mesmo nenhum isolamento térmico nos novos edifícios, um fraco isolamento acústico e os padrões são mínimos, alocando um baixo investimento para práticas sustentáveis. Por outro lado, temos de admirar a estonteante velocidade de construção; paredes com estruturas de betão pré-fabricado são comuns, e os construtores chineses possuem uma grande determinação para conseguirem algo, não importa o custo. No entanto, esta visão está a ser, gradualmente, modificada. Atualmente, a China esforça-se para entender que as soluções sustentáveis não são mais dispendiosas que os atalhos. A crescente consciencialização ambiental e as políticas do governo central, que estabelecem metas ambiciosas para reduzir o uso global de energia na China, podem tornar as práticas de construção ecológica mais generalizadas nos próximos anos. Da minha parte, espero bem que sim.
O que é para si arquitetura sustentável? O que significa construção sustentável? Quais são as principais diferenças?
Durante o meu mestrado, tive a sorte de fazer parte de um pequeno projeto durante o meu programa de intercâmbio universitário Erasmus, na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, realizado no gabinete do arquiteto Álvaro Siza Vieira. Denominei o projeto ‘Janelas’. Lembro-me de como ele [Siza Vieira] mencionou algo que perdura comigo desde então: “Qualquer bom design é sustentável”. Wow! Foi uma simples e leve bofetada na minha cara; pensem por um segundo… A sustentabilidade vem antes de qualquer estética de design; é a pergunta e a resposta ao mesmo tempo.
Quando nos deparamos com a realização, a construção sustentável é aquela que utiliza e promove esses elementos para que o edifício seja sustentável. Uma tem uma relação mais próxima com a primeira fase de conceção, a outra com a fase posterior. Ambas devem ter o mesmo objetivo.
Edifício Zhuanqiao, desenvolvido pela ECE
Quais são as oportunidades e os desafios da Arquitetura? Considera que serão as grandes ideias e grandes projetos da Arquitectura a influenciar a revolução das cidades, ou serão os aspetos económicos a ditar os passos da evolução?
Penso que na China, a Arquitetura enfrenta muitos desafios; a globalização tem sido um deles, assim como a construção para massas e as mudanças na sociedade e na economia. Na minha opinião, vejo a arquitetura na China como dividida. Por um lado, tem muitos promotores importantes – poderia indicar os maiores – e projetos de complexos urbanísticos; por outro lado, pequenos projetos habitacionais ou edifícios públicos locais estão a tornar-se empolgantes e o tipo de arquitetura que se começa a ver no campo, graças a um novo tipo de cliente. Os escritórios de pequena dimensão fazem estes últimos projetos e são, geralmente, empresas locais; são ideais para a criação e inovação.
Nós, os arquitetos, estamos aqui para responder a uma questão fundamental de um determinado cliente com necessidades particulares. A economia, em torno desta relação, desempenha um papel significativo no próprio produto final. Uma das lições mais importantes durante a minha carreira na China tem sido ouvir os clientes e compreendê-los! na sua língua materna. E é um desafio para qualquer um de nós, arquitetos.
Apresentação a um cliente
A energia solar e eólica são exemplos de fontes de energia limpa e renovável. A sua implantação em massa irá revolucionar as paisagens das cidades e das zonas rurais? Como vê esta transformação?
Neste momento, o problema mais radical de cidades como Xangai, onde moro atualmente, é a poluição. Este é o mais difícil de resolver e está relacionado com o bem-estar diário de todos. O governo garantiu a redução das emissões de CO2 e PM2,5 ao fechar as fábricas e promover os carros elétricos, nos últimos anos. A China é líder mundial na geração de energia eólica e continua a crescer. Em 2020, o país estabeleceu a meta de ter 15% da sua eletricidade proveniente de recursos renováveis. A China identificou a energia eólica como um componente-chave do crescimento da economia do país, estabelecendo a sua próxima meta até 2050. A tecnologia evolui rapidamente e a viabilidade da construção é mais fácil a cada ano. Existem algumas restrições de rede e desafios à distribuição, no entanto a China está comprometida com esse objetivo.
Na sua opinião, qual o principal factor que torna uma cidade sustentável? Qual o principal papel dos cidadãos ou dos habitantes das cidades?
Na minha opinião, uma cidade sustentável é aquela onde os cidadãos podem respirar e viver em harmonia com a Natureza. Penso que nós, como arquitetos, temos que nos esforçar para devolver à Natureza o seu lugar nas nossas cidades, garantindo, nos nossos principais planos, que as áreas verdes e as soluções sustentáveis possam sustentar mais as sociedades. Necessitamos aprender mais sobre outros pormenores das cidades, nomeadamente a sua economia e como funciona a mecânica da sociedade.
Xangai, cidade onde moro desde 2012, estabeleceu uma meta para 2030 de ter as águas dos rios limpas, bem como registar níveis de poluição de ar abaixo da linha de perigo. Um desafio considerável que só poderá ser bem sucedido graças à ajuda do governo.
Jiading Mega, em Xangai
Com o forte crescimento da mobilidade elétrica, como é que na China está a fazer a integração da crescente necessidades de carregamento das viaturas com espaço habitacional?
Esta é uma ótima questão; a injeção do governo chinês parte da sua tentativa em se tornar uma superpotência global verde. A China comprometeu-se com o objetivo de 25% das vendas de automóveis até 2025 serem veículos movidos pela nova energia – não movidos, exclusivamente, a gasolina ou diesel–, criando um vasto mercado potencial para novas empresas que comercializam veículos elétricos, como a Tesla ou a NIO. A Tesla demonstrou que o crescimento sustentável é possível para uma empresa de veículos elétricos. A NIO tem o apoio da segunda maior economia global, com potenciais clientes suficientes na China para nunca precisar de se expandir para nenhum outro lugar.
ECE TOD – Shapingba
Como arquiteto, qual o seu conceito de casa ideal?
Como arquiteto, vejo a casa como um lugar onde a família se sente segura, em harmonia, em paz, onde possa descansar e partilhar. A minha casa ideal é uma habitação livre, uma sociedade onde cada família possa ter uma casa e não um produto para especular. Essa poderia ser minha casa perfeita.