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Entrevista: Espen Hauge, Presidente da Associação Europeia de Eletromobilidade

Entrevista: Espen Hauge, Presidente da Associação Europeia para a Electromobilidade

Por Carolina Caixinha

Espen Hauge é presidente da Associação Europeia de Eletromobilidade (AVERE) e, simultaneamente, presidente da Associação Norueguesa de Veículos Elétricos e vice-presidente da Associação Mundial de Veículos Elétricos (WEVA). Conversámos com este especialista sobre a atualidade da mobilidade elétrica e o papel que esta poderá vir a desempenhar no futuro.

Como vê o futuro dos veículos elétricos e o futuro da mobilidade na Europa e no mundo?

Essa é uma grande questão. O futuro é elétrico, claro, mas a minha preocupação é ainda se vamos ser capazes de fazer a transição de forma suficientemente rápida. Nos últimos anos, felizmente, multiplicaram-se as razões tangíveis para sermos otimistas: GigaFactories em construção, mais e melhores veículos elétricos no mercado e rápida evolução do negócio das infraestruturas de carregamento.

Em 2020, a Europa tornou-se o centro da e-mobilidade, mas felizmente não estaremos sozinhos, uma vez que os EUA estão a recuperar e a China continua a avançar rapidamente na eletrificação.

Vemos que as soluções elétricas a bateria estão a ganhar força em todos os tipos de aplicações, desde bicicletas a transportes de longo curso, incluindo no transporte marítimo e aviação. Isto significa que o mundo poupará quantidades enormes de energia à medida que os motores de combustão interna, que desperdiçam energia, forem sendo substituídos e gradualmente eliminados. Significa que podemos respirar ar puro nas cidades, evitar mortes prematuras e poupar em despesas de saúde. E significa também que os empregos que foram paulatinamente perdidos nas indústrias relacionadas com os motores de combustão e os combustíveis fósseis serão substituídos por mais empregos em indústrias mais limpas.

A mobilidade será igualmente mais inteligente, o que significa um avanço no sentido das soluções autónomas, mas também soluções mais leves e mais adaptadas ao propósito.

Qual é o papel da AVERE (Associação Europeia de Eletromobilidade) no desenvolvimento e implementação da mobilidade elétrica?

Somos uma associação única que reúne o ecossistema da e-mobilidade. O nosso papel inclui ajudar os decisores políticos com base nas contribuições dos nossos membros do setor, da Academia e de organizações não-governamentais. Os nossos membros fazem parte de uma rede única que é um local para partilhar pontos de vista, não só sobre a política da União Europeia mas também sobre as políticas nacionais e locais, bem como sobre a maioria dos aspetos e questões relacionados com o ecossistema de VE. Podem ler sobre todas as atividades em avere.org.

A AVERE é também a organizadora das edições europeias do EVS [Electric Vehicle Symposium; Simpósio do Veículo Elétrico], o principal evento mundial de veículos elétricos desde 1969. Este ano o EVS34 terá lugar na China, e no próximo ano o EVS35 será realizado novamente aqui na Europa, em Oslo, na Noruega.

Acredita numa abordagem comum, centrada nas diretrizes europeias ou mesmo mundiais relativas aos veículos elétricos ou eletromobilidade, ou pensa que cada país deve seguir os seus próprios programas?

Todos os níveis têm um papel importante a desempenhar. Globalmente, acredito que a uniformização é fundamental; os padrões simples e robustos ajudarão a reduzir os custos e a aumentar a segurança.

A Europa está agora a comandar a liderança climática, incluindo a eletrificação. O Green Deal que está a ser agora reforçado e a Battery Initiative for Europe, que foi lançada já em 2017, estão entre os esforços mais importantes dos decisores políticos que terão impacto no futuro próximo. A UE pode garantir que ninguém, países ou fabricantes automóveis, fique demasiado atrasado.

Há ainda muito a fazer a nível nacional e local; a eletrificação é uma grande disrupção e existem barreiras, bem como soluções, a todos os níveis. Para uma política climática mais eficiente e menos dolorosa, todos os políticos e líderes têm de abraçar a eletromobilidade, mas a forma como o farão irá variar.

Gostaria também de deixar uma palavra de agradecimento a todos os condutores de veículos elétricos, pioneiros entusiastas que estão literalmente a preparar o caminho para o futuro.

Pensa que existem grandes diferenças entre os países europeus no que diz respeito às políticas de eletromobilidade? Pode indicar alguns desses exemplos – mentalidade, políticas globais, crescimento e oportunidades de mercado.

O futuro está cá, contudo não está distribuído uniformemente. Vemos claramente que as vendas de VE dependem muito das políticas nacionais, bem como dos incentivos locais. Para o mercado arrancar a partir do zero, a única forma tem passado por incentivos muito fortes, como na Noruega ou na Holanda. No entanto, à medida que os veículos elétricos se tornam populares entre os consumidores, acabarão eventualmente por se tornar também populares nos concessionários automóveis. Reparamos que a utilização de veículos elétricos está a aumentar graças aquilo que chamamos de ‘efeito vizinho’. Um condutor de um VE que esteja satisfeito inspira muitos outros a seguirem o mesmo caminho. Sabendo que este tipo de veículos são melhores que os carros com motor de combustão e que, em breve, serão também mais baratos sem incentivos, é fácil prever que não existe retorno. O fim da era do motor de combustão interna está próximo.

A Noruega é o país europeus com o número mais significativo de veículos elétricos. Pensa que isto é o resultado de uma ‘mentalidade verde’ ou que foi apenas uma oportunidade criada pelos incentivos governamentais locais?

Gosto desta pergunta porque a resposta dá-me esperança. A história curta é a seguinte: os noruegueses não são santos; somos líderes mundiais na eletrificação, mas isto começou com políticas que se destinavam a ajudar a nossa indústria. Não conseguimos ajudar a nossa pequena indústria automóvel, mas mantivemos contudo, conscientemente, os nossos incentivos como instrumentos de política climática e ambiental – como apoio à indústria de transportes de zero emissões, a nível mundial.

Da mesma forma, a maioria dos compradores de veículos elétricos na Noruega compra o primeiro automóvel porque os incentivos tornam esta a melhor escolha em termos financeiros. Mas o aspeto mais fantástico descoberto através da investigação é que, depois de comprar o primeiro veículo elétrico, o proprietário comum desenvolve uma mentalidade mais verde!

Como mencionado atrás, o EV35 terá lugar em Oslo em junho de 2022. Esta será a oportunidade perfeita para visitar o mercado mundial de testes a veículos elétricos e ver, na realidade, como será o futuro também no resto do mundo.

Acredita então que o nível de desenvolvimento da mobilidade elétrica nos diferentes países está diretamente ligado aos incentivos financeiros concedidos pelos governos?

Sim, para começar é definitivamente uma questão de preço. Precisamos que as pessoas entrem num veículo elétrico pela primeira vez e que depois decidam comprá-lo. Na Noruega, um Volkswagen Golf a diesel tinha o mesmo preço de venda que o E-Golf depois de impostos. Contudo, em 2025 espera-se a paridade dos preços sem impostos, o que significa que os incentivos necessários serão menores e podem ser gradualmente reduzidos, até que não haja mais razões para um comprador considerar um veículo com motor de combustão interna.

É impossível fazer uma entrevista sem mencionar a pandemia de coronavírus. Considera que esta tem um impacto global nas tendências da eletromobilidade? Pensa que é uma oportunidade para maior reflexão e tomada de decisões importantes em relação ao futuro?

Vejo que, para alguns, é uma oportunidade de reflexão, e que para outros é um momento realmente difícil com insegurança, perda de rendimentos e menos liberdade, entre outras consequências. Mas, como sociedade, acredito que devemos usar a crise para melhorar, e o Green Deal da UE é uma parte dessa mentalidade que até agora me tem impressionado. Para a eletromobilidade, 2020 não foi um ano assim tão mau. E, quando comparado com o segmento fóssil da indústria automóvel, a e-mobilidade teve um grande ano, apesar de períodos mais curtos de abrandamento.

Com as infraestruturas de carregamento a amadurecerem e as baterias a tornarem-se mais eficientes, os carros elétricos estão a tornar-se cada vez mais populares. Como tem vivido a transição até agora? Estão as cidades – arquitetura, infraestruturas civis, serviços – também a mudar, respondendo às preocupações energéticas e ecológicas, ou estão em níveis completamente diferentes, ou seja, de um lado a eletromobilidade e, do outro, as infraestruturas urbanas?

Normalmente, os carros duram entre 10 a 20 anos, mas os edifícios devem durar dez vezes mais. O ritmo da inovação é também mais rápido nos automóveis, especialmente nos últimos 10-15 anos, com a eletrificação. É um desafio para a construção acompanhar o ritmo, mas as ferramentas de carregamento inteligente estão a compor-se com produtos que facilitam a implementação de infraestruturas de carregamento eficientes e baratas. No entanto, também na indústria da construção pode ser necessária alguma alavancagem, por parte dos decisores políticos, de forma a tornar os novos edifícios ‘prontos a carregar’ e fazer com que as renovações tenham a eletrificação em consideração.

Que mudanças considera que os cidadãos, as cidades e os políticos ainda têm de implementar para termos um sistema de mobilidade totalmente novo, verde, inteligente e orientado para o futuro?

Não vou fingir que tenho uma resposta completa para isso. Contudo, na minha opinião, uma grande parte passa pela eletrificação total, a construção de uma economia circular e o desenvolvimento de soluções holísticas que também reduzam as necessidades de transporte. Os veículos partilhados estão a crescer e têm o potencial de reduzir custos, aumentar a qualidade e disponibilizarem o veículo adequado para um determinado uso.

Quais são as tendências particulares na tecnologia ou mercados de baterias de e-mobilidade que lhe interessam?

Estou fascinado com o surgimento de gigafactories verdes, que fabricam baterias com emissões próximas de zero também na fase de produção, e com os planos de reciclagem das matérias-primas para reutilização nas baterias da próxima geração. Isto está a mostrar-nos o caminho para uma sociedade com zero emissões.

Vejo também a gama de aplicações expandir-se, onde a eletrificação com base em baterias bate todas as outras alternativas. Quando comecei a trabalhar no setor dos veículos elétricos, há 15 anos, todos nós acreditavamos que seria ótimo eletrificar alguns pequenos carros citadinos com 50 quilómetros de autonomia. Atualmente acho que poderá não haver limite para onde podemos ir – todos os motores de combustão desaparecerão, e isso acontecerá mais rapidamente do que pensamos.

Em Portugal, tal como na Europa, existem muitos operadores na rede de carregamentos de veículos elétricos, com diferentes sistemas de pagamento. Esta é uma situação complexa e ineficaz para os utilizadores.
O que está a ser considerado e planeado para alterar esta situação?

É uma situação frustrante em todo o lado. A União Europeia resolveu uma situação semelhante, de preços elevados e falta de transparência, no roaming dos telemóveis, há alguns anos. Para o carregamento, o problema é ainda maior. Mas a indústria de carregadores é ainda jovem e existem razões para acreditarmos que a situação melhorará rapidamente. Há já algum tempo que o problema tem a atenção dos decisores políticos da UE e está a ser desenvolvida legislação [para o efeito].

Como seria, para si, a cidade ideal? Incluiria automóveis?

A cidade ideal para mim inclui vários meios de transporte. Na minha perspetiva, a cidade ideal também tem espaço para os automóveis, mas acredito que a maioria das grandes cidades terá menos necessidade de carros do que hoje. Uma vez que a poluição irá desaparecer com os motores de combustão, eu ficaria também mais feliz se puder levar a minha bicicleta para uma cidade livre de emissões.

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