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Retrospetiva e previsões para a mobilidade

Retrospetiva e previsões para a mobilidade

Opinião de Marc Amblard

A indústria automóvel e a mobilidade em geral experimentaram uma transformação significativa em 2021. Foram vários os fatores que contribuíram para esta mudança, incluindo problemas nas cadeias de fornecimento, pressão dos fabricantes emergentes de veículos elétricos sobre os grandes fabricantes, novas regulamentações de CO2 na Europa e a migração dos consumidores para os canais online. Esta transformação resultou numa mudança radical no mix de sistemas de propulsão, novos tipos de parcerias, novas formas de trabalhar em todo o ecossistema e muito mais.

As minhas previsões para 2022 concentram-se num conjunto selecionado de tópicos: eletrificação, condução autónoma, parcerias além do ecossistema tradicional e distribuição.

Eletrificação: mais compromissos e parcerias dos fabricantes conforme escalamos a curva S

A penetração dos veículos elétricos a bateria (BEV) é atualmente de cerca de 10% na Europa e China e 2,5% nos EUA. Muitos países já estabeleceram prazos para a proibição de veículos de combustão interna (ICE) – por exemplo, a Noruega em 2025 ou o Reino Unido em 2030. Durante 2021, a maioria dos fabricantes comprometeu-se a mudar para BEV ou EV com pilha de combustível (FCEV) em algum momento. Algumas marcas estabeleceram prazos para os seus novos veículos, como a Cadillac (2021), a Jaguar ou a Genesis (2025), Audi (2026) ou Peugeot na Europa (2030). Outros anunciaram quando vão cessar completamente a venda de veículos ICE, como a Volvo (2030), a Volkswagen (2033) ou a General Motors (2035).

Espero que os fabricantes que ainda não se comprometeram a mudar para veículos não poluentes o façam em 2022. São principalmente as empresas japonesas, que provavelmente continuarão a promover os FCEV como uma alternativa promissora aos BEV. Muitos fabricantes podem até antecipar os prazos (pelo menos regionalmente) à medida que o mix de BEV aumenta mais rapidamente do que o esperado. Em 2022, espero que os BEV atinjam 15% do mercado na Europa e na China e 4 a 5% nos EUA, à medida que forem lançados mais produtos interessantes. No final de 2022, a frota global de BEV poderá chegar a cerca de 15 milhões, quase o dobro da frota atual.

O boom da eletrificação combinado com a contínua escassez de semicondutores está também a forçar os fabricantes a repensarem as suas cadeias de abastecimento. No mínimo, eles estão a aumentar a sua visibilidade ao longo de toda a cadeia para aumentar a resiliência.

A eletrificação traz desafios adicionais: a necessidade de garantir capacidade suficiente para baterias e matérias-primas – por exemplo, minerais. A maioria dos fabricantes já garantiu capacidade de baterias para vários anos. Em 2021, começámos a ver parcerias que se estendem até à extração e refinação, como a Renault e a Volcan ou a BMW e a Lilac para o lítio. 2022 verá os restantes fabricantes garantirem capacidade, e muitos a envolverem-se na extração e refinação de matérias-primas.

Condução autónoma: multiplicam-se  os projetos-piloto de ‘robotáxi’ e transporte de mercadorias

Em 2021, experimentámos uma transformação significativa do ecossistema de condução autónoma (Autonomous Driving, AD). As principais empresas de desenvolvimento de software receberam investimentos massivos – mais de 15 mil milhões de dólares para as oito maiores, para atingirem uma avaliação cumulativa de cerca de 100 mil milhões. Da mesma forma, oito startups da LiDAR tornaram-se públicas via SPAC [Special Purpose Acquisiton Company, empresas formadas especificamente como veículos de investimento], arrecadando mais de 2 mil milhões de dólares. As empresas líderes no setor de AD têm agora bastante capacidade para recrutar, para investir em mais cidades ou adquirir empresas de tecnologia de menor dimensão. No geral, isto resulta numa recuperação da confiança e uma aceleração na implementação tecnológica.

A Waymo e a AutoX já operam serviços de robotáxi sem condutor, abertos ao público, em Phoenix (EUA) e Shenzhen (China), respetivamente. Em 2022, assistiremos a várias outras experiências-piloto. A Cruise (apoiada pela General Motors e Honda) operará um serviço comercial sem motorista em São Francisco (EUA). A Waymo fará o mesmo, mas manterá o condutor de segurança.

As principais empresas de desenvolvimento preparar-se-ão para implementar a tecnologia em mais cidades em 2022, principalmente nos Estados Unidos e na China, enquanto a Europa continuará a marcar passo. A Zoox começará os testes em Seattle e pode anunciar seu plano de implementação para o veículo apresentado há um ano. No final de 2022, a Cruise deverá iniciar a produção do seu robotáxi Origin, especialmente desenvolvido para este tipo de serviço.

O transporte de mercadorias e as entregas também ficarão mais perto da  autonomia. Em 2021, a Aurora começou a transportar carga para a FedEx. A Gatik retirou recentemente o condutor de segurança das suas rotas comerciais fixas de média distância, e a Starship atingiu dois milhões de entregas até ao momento com seu robot que circula nos passeios. A Waymo, a Aurora e a TuSimple anunciaram planos para a criação de estações ao longo da rede norte-americana de autoestradas para ligação/troca de reboques e manutenção de tratores. Em 2022, espero mais programas-piloto, bem como o começo da transformação dos planos de redes em ativos físicos, preparando assim as implementações previstas para 2023 e 2024.

As parcerias expandem-se além do ecossistema tradicional

Os relacionamentos complexos entre fornecedores e clientes transformam-se cada vez mais em parcerias de co-desenvolvimento ágil entre vários stakeholders. À medida que evoluímos para veículos definidos por software e atualizações OTA (over-the-air) frequentes para um número crescente de funções, os ciclos de desenvolvimento tornam-se curtos e ágeis e permanecem ativos durante toda a vida útil de um produto.

Essa tendência acelerar-se-á em 2022. Estamos de facto a mover-nos rapidamente em direção a novas arquiteturas E/E [eletrónica automóvel] que permitem atualizações OTA mais ubíquas e que introduzem mais recursos personalizados e assinaturas que requerem mais interações entre software e hardware. 

Observámos também parcerias recentes fora do ecossistema tradicional, especialmente em relação a software, nuvem e gestão de dados. A Google, primeiro com a Android Auto e mais recentemente com a Android Automotive, fez incursões junto de fabricantes como a Volvo, a Renault ou a General Motors. Em 2022 haverá um boom na implementação do sistema em novos modelos, proporcionando à Google maior acesso ao ‘interior’ dos veículos.

As empresas de cloud computing construíram novas posições na indústria automóvel em 2021 através de parcerias como a estabelecida entre a Continental e a AWS ou entre a ZF com a Microsoft (Azure). Os fabricantes e os maiores fornecedores de primeiro nível estão a experimentar um aumento exponencial da quantidade de dados com os quais trabalham, bem como da necessidade de velocidade e agilidade nos seus projetos colaborativos. 2022 trará várias novas parcerias de longo prazo neste setor.

Aproximação ao consumidor com fluxos recorrentes de receita

A Tesla alterou o modelo de distribuição baseado em revendedores com a sua abordagem DTC [direct-to-consumer, ou direta ao consumidor]. A pandemia acelerou fortemente a propensão das pessoas para as compras online, forçando a indústria automóvel a transferir uma grande parte da experiência de compra para fora dos stands de vendas. A Tesla também mostrou à indústria os benefícios de se ter uma relação direta com proprietários e utilizadores. Isto inclui o controlo total dos preços, o potencial para vendas recorrentes (características por especificação, subscrição), ciclo curto de feedback por parte do cliente ou maior compreensão sobre as preferências deste.

Alguns fabricantes adotaram experiências com modelos de subscrição, com resultados limitados. Em 2021, um destes casos, a Volvo, anunciou a sua intenção de vender os seus veículos elétricos exclusivamente online, e a sua marca irmã, a Polestar, é completamente DTC. Para além disso, fabricantes emergentes sediados nos EUA – como por exemplo a Rivian, a Lucid e a Fisker – são também 100% DTC. Adicionalmente, a Cadillac reduziu a sua rede de distribuição em cerca de um terço, à medida que se converte num fabricante exclusivo de EV, compensado os revendedores que não se comprometeram com um futuro 100% elétrico.

Em 2022, creio que mais alguns fabricantes seguirão as pisadas da Volvo, tanto através de linhas de produtos específicas ou sub-marcas determinadas – a Audi anunciou que irá adotar abordagem para os seus veículos elétricos a partir de 2023. Em paralelo, também espero que mais fabricantes comecem a disponibilizar seguros, tal como fazem a Tesla ou a Rivian.

A crise na cadeia de fornecimento de semicondutores causou uma queda bastante significativa no inventário dos revendedores, dos típicos 60 a 100 dias, nos EUA, para apenas alguns dias. Neste país, mais de 90% de todos os veículos são comprados em lotes pelos concessionários. Quando a crise for ultrapassada, espero que os EUA se aproximem mais do modelo europeu, onde praticamente metade de todos os veículos são produzidos sob encomenda. Isto reduzirá os custos de manutenção do inventário e descontos, libertando capital – desde que os clientes tenham paciência para esperar algumas semanas.

Muitos outros domínios serão profundamente transformados em 2022. Selecionei estes quatro, uma vez que resultam em mudanças estratégicas que têm impacto não só nos fabricantes, mas também no ecossistema mais vasto. O que está para vir não é para os fracos de coração. A disrupção será profunda.

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