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Green Future-AutoMagazine

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RX… e

Reportagem de Pedro Gil de Vasconcelos

“Uma boa corrida é uma boa corrida, se tivermos uma boa batalha, é melhor para o público!”

Timmy Hanssen

Quando se fala de competição automóvel em modo elétrico, dificilmente se pode imaginar uma disciplina mais adequada do que o Ralicross. A razão é simples: cada fim-de-semana de provas desta modalidade é constituído por um conjunto de corridas, curtas, com cinco ou seis voltas no caso das finais, e em que o conceito de gestão passa mais pela chapa do que pelos pneus ou pela energia disponível.

Ou seja, é ‘a fundo’ e quanto mais rapidamente chegarem ao fundo da reta da meta, melhor. Depois é pensar em ser rápido e ser o primeiro a ver a bandeira de xadrez. Pelo caminho há que evitar os toques, mais ou menos maldosos, que possam acontecer.

Uma das caraterísticas dos carros de Ralicross da categoria superior, que eram conhecidos por Supercar, era o facto de serem carroçarias muito ‘trabalhadas’, com grandes alargamentos de vias, entradas de ar e apêndices aerodinâmicos capazes de fazerem corar o mais exuberante dos ‘tuners’. O barulho era outra das características a que se juntavam, muitas vezes, chamas a saírem pelo escape.

Com a introdução da categoria RX1e, algumas destas coisas acabaram. É o caso das chamas que saiam, por vezes, dos escapes, pois também deixaram de existir escapes e é o caso do barulho, pois os motores térmicos também foram colocados fora da categoria superior, que agora passou a elétrica. Tudo o mais fica.

Os novos motores são fornecidos pela empresa austríaca Kreisel. Utilizam uma bateria de 52 kWh que alimenta dois motores de 250 kW, que juntos debitam uns simpáticos 680 cv e 880 Nm de binário, disponível logo desde zero. Graças a isto, os ‘zero aos cem’ são cumpridos em 1,8 segundos… dá para sentir os olhos a colarem-se ao occipital.

A perspetiva de Tim Whittington, Coordenador do Campeonato do Mundo FIA de Ralicross:

“Como Campeonato do Mundo, é importante que o World RX seja relevante para o seu público-alvo, concorrentes, parceiros comerciais e fabricantes de automóveis. À medida que os carros elétricos se tornam a norma, é essencial que o rallycross mantenha uma relação próxima com os carros de produção, que todos conduzimos no dia-a-dia”.

“O Campeonato Mundial de Rallycross da FIA é ideal para apresentar carros elétricos. O conceito para os novos carros de Rallycross RX1e era demonstrar o máximo desempenho dos carros elétricos de produção, e o formato do evento de corridas curtas é perfeito para isso”.

Mas os carros elétricos trazem também novos desafios e sobretudo novas necessidades em termos, nomeadamente, de segurança.

“A segurança está sempre na vanguarda do desporto motorizado. A mudança para automóveis elétricos significa que existem diferentes processos que precisam ser considerados. O equipamento que ajuda a manter os comissários seguros e o método de manuseio de um carro que parou ou bateu é diferente”.

A Pista Automóvel de Portalegre recebe as provas do Campeonato do Mundo de Rallycross

“Todos nós crescemos com os motores de combustão interna e o conhecimento do que fazer, se um carro bater, está bem estabelecido. Há agora um período em que os comissários e equipas de resgate se familiarizarão com os carros elétricos e a FIA está a liderar o processo de preparação de comissário e equipas de segurança”.

“O equipamento básico de segurança, que logo se tornará familiar, inclui luvas e sapatos isolados. Olhar para as luzes de segurança antes de tocar num carro de corrida, logo será uma segunda natureza”.

“Num nível mais detalhado, os carros e baterias são construídos com um padrão muito alto e o nível de dados disponíveis para o fornecedor de baterias, segurança e equipas técnicas significa que qualquer problema potencial pode ser identificado rapidamente”.

A corrida vista do paddock

Há quem diga que as corridas do fim-de-semana se começam a ganhar na segunda-feira anterior à prova. É uma realidade que, por detrás de uma vitória, há todo um trabalho que a permite.

Por isso, se a pista é um palco, então vamos para os bastidores, neste caso para o ‘camarim’ da família Hansen. O ‘patriarca’ Kenneth, com os seus 14 títulos, pode falar disto melhor do que ninguém. Mas já lá vamos.

Os Peugeot 208 RX1e de Timmy e de Kevin entram na zona de assistência – é tempo dos mecânicos meterem mãos à obra.

De cada vez que um carro termina uma corrida, há todo um processo de revisão e, sobretudo, de reabastecimento. Os consumos de energia são naturalmente elevados, como eram igualmente com os motores térmicos, mas agora, onde antes existiam bidões de gasolina, agora há gigantescos acumuladores, transportados em camião desde França e carregados na origem.

Mas para falar deste processo, nada melhor do que José Azevedo, o português que cuida dos carros da família Hanssen:

“O carro em si é muito parecido. Em termos de suspensões, travões, o nosso trabalho de set-up é muito parecido. Claro que agora tem dois motores, não tem só um, e é mais difícil de controlar em termos de mapas, onde pôr a potência, à frente ou atrás”.

Mas as diferenças não se ficam só por aqui.

“Antes passávamos na bomba e metíamos gasolina em dois minutos. Agora o carro chega e as preocupações que temos são a carga e a temperatura da bateria. São as primeiras coisas que fazemos, analisamos os dados que temos e pomos a carregar e arrefecer as baterias. Depois fazemos o trabalho como num carro normal: vemos as suspensões, se for uma questão de set-up alteramos, se forem diferenciais é mais complicado por causa das regras. Tirando a questão de pôr o carro a carregar, é muito parecido com os outros carros”.

Kenneth Hanssen e a sua mulher Susann cuidam de tudo. Não param, entre a coordenação da equipa, o acompanhamento dos filhos e o bem receber, desdobrarem-se em entrevistas, acções de RP e terem a certeza de que tudo corre bem. Kenneth há já quase uma década que vive as corridas de outra forma.

“É verdade, foi há cerca de dez anos que disputei o meu último campeonato e desde aí tenho colocado a correr o Timmy e o Kevin e também muitos outros pilotos. Participamos no Campeonato ‘Nitro’ e também no Nórdico e no Europeu… mas aqui no Campeonato do Mundo corremos de elétrico, com os nossos dois filhos”.

Com uma carreira que começou nos karts em 1976, foi no Ralicross que se notabilizou. Várias vezes campeão sueco, em 1987 passou para o plano internacional, então na Divisão 1, passando para a classe rainha, a Divisão 2, em 1993. Depois disso somou 14 títulos absolutos…

“Mudei para os Supercar, quando eles mudaram para Grupo A, competi com o Martin Schance e com todos os desse tempo e era um bocado mais duro, nessa altura. Era, talvez, mais espetacular, mas muitas coisas, como por exemplo as organizações, melhoraram muito desde então, a segurança é muito melhor, mas cada época tem os ‘seus’ momentos”.

“Se compararmos com os carros anteriores, estes não dão qualquer dor ao piloto. O que quero dizer é que quando cortávamos uma curva, ou fazíamos um salto, era bastante doloroso, por causa da suspensão e da forma como o carro era construído. Hoje são muito suaves na pista e se compararmos os motores a combustão com os motores elétricos… o motor a combustão era bastante bom, mas não dava exatamente aquilo que necessitavas, quando pisavas no acelerador. Por vezes davas um bocadinho demasiado, por vezes davas um bocadinho a menos, algum atraso, mas com os elétricos é tudo muito mais preciso. Portanto, para o piloto é fantástico de conduzir”.

E, no fundo, há que seguir as tendências. Os construtores ditam-nas.

“Este é o primeiro ano que corremos com elétricos. O mundo está a seguir essa direção e, é claro, o desporto motorizado segue sempre o caminho dos fabricantes. Como os fabricantes cada vez mais avançam com carros elétricos, seguimos esta tecnologia. É muito diferente correr assim, cria maior esforço, mas é muito interessante ser capaz de seguir esta nova era”.

Timmy e Kevin Hanssen nasceram neste meio, por isso, com diz o povo, “filho de peixe sabe nadar” e os dois irmãos pilotos (de mão cheia) de segunda geração sabem do que falam, quando de automóveis se trata.

Conversamos com Timmy. Pódios soma 40, vitórias são 12 e mais um campeonato absoluto, isto só no Mundial de Ralicross, WRX, que agora passa a ser WRXe. O ‘e’ é de elétrico e, pelos visos, também de ‘Entusiasmante’.

“Sim… bem, com este carro, nesta pista somos bastante mais rápidos. O elétrico tem bastante mais potência, somos mais rápidos em linha reta. É um pouco mais difícil com o elétrico na parte de terra, porque temos todo o binário diretamente disponível e também não temos o eixo da frente e o eixo traseiro ligados, portanto não é tanto um problema elétrico, mas sim um problema de transmissão, que torna um pouco mais difícil, mas no geral, por volta, somos bastante mais rápidos do que éramos antes e, por isso, é muito divertido guiar um carro de corrida mais rápido”.

Aparentemente há que apagar muito do que que se sabia, para repensar a forma de estar ao volante. Apesar de tudo, desapareceram comandos como o seletor da caixa de velocidades e o pedal da embraiagem. Agora é só travar e acelerar, o que pelos vistos permite que o piloto se concentre muito mais na trajetória e em ser verdadeiramente rápido.

“Sim, não tens caixa de velocidades, nem embraiagem e por isso podes ser muito mais preciso naquilo que queres exatamente fazer na curva. Por isso, a sensação é de que estás muito mais próximo do limite, porque… ok, eu sei trocar bem a caixa e sou bom nisso, mas se não tiver caixa sou ainda mais preciso e por isso ando mais próximo do limite e sou mais perfeito com o carro”.

– E isso significa mais espetáculo para público, é assim?

“Uma boa corrida é uma boa corrida, se tivermos uma boa batalha, é melhor para o público!”, rematou.

… e pelo que se viu desde as bancadas, é mesmo verdade.

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