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Green Future-AutoMagazine

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Mobilidade elétrica: o presente e o futuro do setor automóvel

O ano de 2024 está a terminar e 2025 vai ser mais um ano de profunda transformação. A transição para uma mobilidade elétrica está a transformar o setor automóvel de forma irreversível – falta saber se para melhor… Desde a cadeia de valor, que abrange componentes e moldes de injeção de plásticos, até às mudanças no comportamento dos consumidores e na própria experiência de compra, todos os intervenientes estão a enfrentar desafios e oportunidades sem precedentes.

A cadeia de valor em transformação

A indústria de componentes para automóveis, um pilar essencial da economia portuguesa, representa 5,5% do PIB nacional e emprega diretamente mais de 62 000 pessoas. Este setor, que outrora competia principalmente em custos, enfrenta agora uma pressão para inovar e se adaptar à eletrificação e às exigências da sustentabilidade. A transição energética exige que os fabricantes se ajustem rapidamente, incorporando novas tecnologias, como baterias e semicondutores, essenciais para os veículos elétricos.

Portugal, que é o quinto maior produtor europeu de moldes para injeção de plásticos, exporta 90% da sua produção. Este segmento, além de ser vital para a indústria automóvel, está a evoluir para responder à procura de soluções mais lean management e sustentáveis. Mas será suficiente para manter a competitividade num mercado global dominado por gigantes asiáticos, como a BYD, que investem em cadeias verticalizadas para reduzir custos?

Será que o investimento em inovação tecnológica é suficiente para proteger a indústria portuguesa da competição global? Estará o setor preparado para enfrentar a crescente dependência de matérias-primas críticas dominadas pela China?

A competição global e o papel da China

A China é, sem dúvida, um player dominante no ecossistema dos veículos elétricos. Empresas como a BYD produzem desde baterias até automóveis completos, permitindo uma vantagem de custo considerável – para além de apoios do Estado que desconhecemos. Em 2023, a BYD vendeu mais de três milhões de veículos elétricos e híbridos, superando marcas estabelecidas, como a Tesla. Mas até que ponto a Europa está preparada para esta concorrência? A diferença de preços entre os modelos europeus e os chineses é significativa, com OEM (Fabricantes Originais do Equipamento) chineses a oferecerem opções até 20% mais baratas.

A crescente presença de veículos chineses no mercado europeu levanta questões: as tarifas protecionistas da nova administração dos EUA, previstas para 2025, poderão mitigar o impacto da China, mas também complicar as exportações europeias para mercados-chave. Como pode a Europa responder a esta pressão? Com maior integração da sua cadeia de valor ou com novas parcerias internacionais?

Os desafios internos na indústria chinesa

Embora a China mantenha uma posição dominante na produção de veículos elétricos, enfrenta também desafios internos significativos. A desaceleração económica no país tem afetado a confiança dos consumidores e reduzido o crescimento das vendas dentro do mercado chinês. Adicionalmente, a elevada dependência de exportações para sustentar o crescimento expõe os fabricantes chineses a riscos globais, especialmente num cenário de tensões comerciais e medidas protecionistas, como as que se avizinham. Estes fatores levantam uma questão premente: poderá a China manter a sua liderança global perante estas dificuldades internas e externas?

Apesar do crescimento nas vendas, várias empresas chinesas de veículos elétricos continuam a enfrentar desafios financeiros significativos. A NIO, por exemplo, registou um prejuízo líquido de 665 milhões de euros no terceiro trimestre de 2024, um aumento de 11% em relação ao mesmo período do ano anterior. Este resultado deve-se, em parte, à intensa guerra de preços no mercado chinês, que pressionou as margens de lucro. De forma semelhante, a XIAOMI, apesar de elevar a sua meta de vendas para o modelo elétrico SU7, continua a operar com prejuízos. Em contraste, a BYD destacou-se ao alcançar um lucro líquido de 1,5 mil milhões de euros no terceiro trimestre, beneficiando da sua estratégia de integração vertical, que mantém os custos baixos.

Sustentabilidade e inovação tecnológica

A sustentabilidade é, e continuará a ser, um tema central no debate sobre mobilidade elétrica. Embora os veículos elétricos prometam zero emissões durante a condução, a sua pegada de carbono inicial, especialmente na produção de baterias, é significativa. Estudos indicam que o custo das baterias, atualmente em cerca de 160 EUR/kW/h, poderá cair para 120 EUR/kW/h até 2025, tornando os veículos elétricos (EV) mais acessíveis. Mas será esta redução suficiente para massificar a sua adoção?

Alternativas como a micromobilidade (bicicletas e scooters elétricas) têm mostrado um impacto significativo na redução do consumo de combustíveis fósseis. Em 2023, havia mais de 280 milhões de veículos elétricos de duas e três rodas em circulação globalmente. Estas soluções podem redefinir a mobilidade urbana, mas será que têm capacidade para substituir o domínio dos automóveis privados?

O futuro das vendas e do consumo

Os hábitos de compra de veículos estão também a mudar. Cerca de 47% dos compradores de EV preferem adquirir os seus carros online, valorizando a conveniência e a personalização. Além disso, as expectativas de desempenho incluem uma autonomia mínima de 437 km e funções avançadas de conectividade. Este paradigma exige que os fabricantes adaptem não apenas os seus produtos, mas também a experiência de compra. Poderá o modelo tradicional de venda sobreviver a esta revolução digital? Como podem a personalização e a conveniência transformar a experiência de compra? Será que os consumidores estão preparados para modelos totalmente digitais de aquisição de veículos?

A expansão da infraestrutura de carregamento

Outro desafio crucial para a mobilidade elétrica é a expansão da infraestrutura de carregamento. Embora países como Portugal tenham demonstrado avanços significativos, com mais de 4000 postos públicos de carregamento, ainda existem lacunas importantes em áreas rurais e regiões menos povoadas. Sem uma rede eficiente e acessível, a “ansiedade de autonomia” continuará a ser uma barreira para muitos consumidores. Como podem governos e empresas privadas colaborar para acelerar essa expansão e torná-la economicamente viável?

A evolução dos combustíveis sintéticos e do hidrogénio

Apesar do foco nos veículos elétricos a bateria, alternativas, como os combustíveis sintéticos e os veículos a hidrogénio, estão a ganhar atenção. A União Europeia já aprovou o uso de combustíveis sintéticos neutros em carbono, prolongando a vida útil de motores de combustão interna para além de 2035. Além disso, o hidrogénio verde é visto como uma solução viável para transportes de longo curso, como camiões e navios. Contudo, os custos elevados de produção e a falta de infraestrutura são desafios significativos. Será que essas tecnologias podem coexistir com os EV ou acabarão por competir diretamente?

O impacto da desaceleração nas exportações automóveis

Recentemente, como podemos ver em notícias de despedimentos e encerramentos de fábricas, o setor automóvel português registou uma desaceleração inédita das exportações desde a pandemia. Este declínio reflete não apenas os desafios enfrentados pela indústria nacional, mas também as pressões globais, incluindo a forte competição e a necessidade de adaptação à transição energética. Será que esta desaceleração é um sinal de que o setor precisa urgentemente de diversificar mercados e apostar em tecnologias mais inovadoras para retomar o crescimento?

Adicionalmente, a redução na produção e exportação de automóveis sublinha a necessidade de uma estratégia robusta para fortalecer a posição de Portugal na cadeia de valor global. A capacidade de adaptação à eletrificação e o investimento em inovação serão cruciais para revitalizar o setor e proteger empregos num cenário cada vez mais competitivo.

Perguntas cruciais para o futuro da mobilidade

Talvez seja mais inteligente fazer perguntas com respostas difíceis do que dar respostas que não possam ser questionadas. Eis algumas perguntas colecionadas nos últimos meses:

  • Como pode a Europa equilibrar a sustentabilidade e a competitividade face aos preços baixos dos veículos chineses?
  • Será a aposta na micromobilidade uma alternativa real para reduzir o impacto ambiental do setor de transportes?
  • Que papel desempenharão as tarifas protecionistas dos EUA na redefinição das cadeias globais de valor?
  • Conseguirá a indústria automóvel adaptar-se às rápidas mudanças na tecnologia e no comportamento do consumidor?
  • Estarão as políticas europeias de transição energética a preparar o setor automóvel para um futuro sustentável ou a expô-lo a riscos desnecessários?
  • Será que a diversificação de soluções energéticas, como o hidrogénio, terá um papel decisivo na mobilidade futura?
  • Como pode a indústria equilibrar inovação e acessibilidade para consumidores médios com menos poder de compra?

Um caminho desafiador

O setor automóvel encontra-se num momento de transformação profunda e até de muita incerteza e volatilidade, marcado pela disrupção tecnológica e pela competição global. A mobilidade elétrica oferece uma oportunidade única para um futuro mais sustentável, mas requer esforços coordenados em inovação, políticas e estratégia comercial. Conseguirá a Europa manter a liderança nesta corrida ou ficará à mercê das forças asiáticas e americanas?

A verdadeira questão não é se a transição acontecerá, mas a que velocidade e a que custo. O que será necessário para equilibrar sustentabilidade, acessibilidade e competitividade num mercado global tão dinâmico? O futuro da mobilidade está a ser escrito hoje.

Fontes: anteriores artigos publicados na revista; McKinsey – Center for Future Mobility: Spotlight on mobility trends and The future of mobility.

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