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Green Future-AutoMagazine

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Paulo Resende, líder da equipa de Sistemas de Plataforma de Condução Autónoma na Valeo

Entrevista Paulo Resende

Por Carolina Caixinha

Em 2006, após concluir os seus estudos em Engenharia Eletrotécnica e Informática pela Universidade de Coimbra, Paulo Resende foi convidado para trabalhar na ESRIN, o Centro de Observação da Terra da Agência Espacial Europeia, em Frascati (Itália).

Após regressar a Portugal, em 2008, integrou a Critical Software nas áreas de Observação da Terra e Engenharia de Comando e Controle. Ainda neste ano, juntou-se à IMARA (agora denominado RITS) no centro de investigação do INRIA em Rocquencourt (França), tendo sido responsável pelo desenvolvimento de software, integração de sistemas, preparação de demonstrações e resultados para vários projetos europeus relacionados com os veículos sem condutor, totalmente automatizados e Sistemas Avançados de Assistência à Condução (ADAS).

Em 2014 ingressou na Valeo, sendo atualmente líder da equipa de sistemas de plataforma de condução autónoma, no desenvolvimento de uma Plataforma de Investigação de Assistência à Condução (DART), comum a todos os projetos de investigação de assistência à condução, incluindo Cruise4U e Drive4U.

Todo o seu percurso profissional está ligado à Investigação, Inovação e Desenvolvimento (R&D) sendo actualmente o team leader de uma plataforma de condução autónoma. Em que consiste uma plataforma com estas características?

É preferível falar de condução automatizada em vez de condução autónoma. A automatização de um veículo é na sua grande maioria feita de maneira gradual e incremental, e atualmente não existe nenhum veículo 100% autónomo. No entanto, hoje é possível haver uma condução totalmente automatizada em zonas de trânsito delimitadas.

No âmbito de reduzir o esforço de desenvolvimento, facilitar a integração e a reutilização das várias funções de automação nos veículos, são criadas plataformas tecnológicas. Uma plataforma tecnológica consiste num conjunto de módulos software e/ou hardware que, de acordo com uma arquitetura modular e flexível, permitem a realização das várias funções de automatização de um veículo, desde uma condução manual até uma condução 100% autónoma.

Hoje em dia, existem várias plataformas abertas (código aberto, mas não necessariamente gratuito) para veículos automatizados com a vantagem de alimentar parcerias e criar verdadeiros ecossistemas de inovação.

No entanto, em fase de produção a grande maioria das plataformas são fechadas e proprietárias, e cada componente software e/ou hardware é fornecido de acordo com as especificações do fabricante ou integrador do sistema final.

Atualmente, trabalho numa plataforma para os projetos de inovação de condução automatizada da empresa Valeo: Drive4U em meio urbano, Cruise4U em vias rápidas e auto estradas, e eDeliver4U para a entrega de mercadorias.

“Uma plataforma tecnológica consiste num conjunto de módulos software e/ou hardware que, de acordo com uma arquitetura modular e flexível, permitem a realização das várias funções de automatização de um veículo, desde uma condução manual até uma condução 100% autónoma.”

Que garantias é que uma plataforma deste género nos assegura em termos de segurança ?

A segurança é assegurada principalmente pelo correto design do sistema. A gestão de falhas ou avarias é parte integrante no design do sistema que é construído de acordo com uma abordagem metódica de análise de segurança funcional (ISO 26262) e de análise de segurança da funcionalidade pretendida (SOTIF). A partir da análise de perigo e avaliação de risco, uma multitude de mecanismos podem ser implementados numa plataforma para gerir as várias situações de falha ou avaria mais ou menos crítica do sistema: redundância de módulos software e/ou hardware, verificações de disponibilidade do sistema, deteção de falhas, estratégias de mitigação do perigo de colisão, entre outros.

Que passos serão ainda necessários para que possamos ter cidades com veículos autónomos ?

Para haver uma adoção em larga escala dos veículos altamente automatizados é necessário, antes de mais, demonstrar a viabilidade e a sustentabilidade dos serviços de mobilidade que os utilizam. É nesse sentido que hoje existem vários demonstradores de veículos altamente automatizados em locais delimitados. Certos veículos têm a possibilidade ser controlados à distância (supervisor remoto) ou um técnico é presente no interior do veículo que intervém em caso de necessidade.

A instalação de um sistema desse tipo numa cidade requer autorizações e estudos preparatórios que tomem em consideração as especificidades do local onde o sistema vai funcionar. Em alguns casos, uma adaptação da infraestrutura pode ser necessária.

Pode partilhar com a Green Future a sua experiência internacional na Valeo? Não havendo em Portugal grandes referências em termos de Investigação e Desenvolvimento, apesar de haver exceções, certamente é desafiante partir para França e ter uma posição de liderança em termos profissionais. Quais as maiores desafios e barreiras ?

Em Portugal, há poucas, mas boas referências em investigação e desenvolvimento, e em particular nas temáticas robótica e mobilidade urbana sem condutor, principalmente ao nível académico, como por exemplo o Instituto de Sistemas e Robótica da Universidade de Coimbra ou o Instituto Pedro Nunes,  mas infelizmente não há nenhum construtor automóvel português.

Trabalhar em França permite-me participar em projetos de investigação e desenvolvimento no coração da indústria automóvel. O maior desafio é encontrar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. 

Não encontrei barreiras particulares a não ser a barreira linguística nos primeiros anos. Sendo um cidadão europeu há uma grande facilidade em trabalhar noutros países europeus e essa agilidade é fundamental para progredir na carreira e sobretudo nos sujeitos que nos despertam mais interesse.

“As cidades inteligentes só fazem sentido quando a tecnologia vai ao encontro das necessidades dos cidadãos e resolve um problema.”

Qual a sua visão de uma cidade inteligente do futuro? Carros e transportes autónomos, energia apenas elétrica, inteligência artificial? Para onde nos vai levar a tecnologia?

A visão de uma ‘cidade inteligente’ não é nada mais do que uma modernização e gestão informatizada da urbanização para regular certos desafios inerentes às grandes cidades, como a poluição, a sobre-população, a mobilidade, a gestão dos recursos, os custos de manutenção, a segurança, entre outros. Para fazer face a esses desafios, as cidades têm que se modernizar e ser mais eficazes na sua gestão.

A modernização pode ser feita de múltiplas formas: melhor isolamento dos prédios, instalação de painéis solares, utilização de gás produzido a partir de resíduos orgânicos processados, coberturas vegetalizadas, objetos conectados por exemplo para a colecta do lixo, deteção de fugas (água, gás, etc.), estações de carga, câmeras de video-vigilância inteligentes, sistemas de transportes inteligentes, transporte multimodal, informatização de serviços públicos, agregação e correlação de dados. A lista de possibilidades é enorme.

As cidades inteligentes só fazem sentido quando a tecnologia vai ao encontro das necessidades dos cidadãos e resolve um problema. Pela resolução de problemas, a nossa vida torna-se mais agradável. E nesse sentido, as novas tecnologias são uma ferramenta para modernização das cidades, mas uma outra ferramenta são as políticas e as regulações impostas.

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