As cidades estão a converter as suas ruas centrais e parques de estacionamento em espaços de mobilidade: os espaços nas ruas para viaturas e estacionamentos estão a ser reduzidos, ciclovias e zonas pedonais estão a ser alargados e priorizados, juntamente com os transportes públicos. A pandemia da COVID-19 veio, eventualmente, até acelerar esta tendência.
Uma variedade de exemplos pelo mundo mostram como esta mudança na mobilidade pode ser bem sucedida.
Bruxelas converte parques de estacionamento em espaços públicos de alta qualidade urbana. Os próprios comerciantes beneficiam com estas mudanças.
Nova Iorque já definiu ruas da cidade onde os automóveis não são bem vindos. Na 14th Street, em Manhattan, circulavam cerca de 21 000 carros por dia. Agora, os autocarros cumprem os horários, e são pessoas, em vez de máquinas, que ocupam as ruas.
Sydney construiu uma linha de metro sem condutor e proíbe o acesso de automóveis ao centro da cidade. A área de Barangaroo foi projetada para ir ao encontro das necessidades dos ciclistas e dos peões (meta de longo-prazo para a repartição modal dos automóveis: 4%).
Em Paris, a transformação na mobilidade é bem evidente. A presidente Anne Hidalgo anuncia uma luta contra a mobilidade individual motorizada. No futuro, todas as ruas da cidade terão uma via para ciclistas (!). O plano visa tornar Paris numa ‘cidade 15 minutos’. Independentemente de se tratar de um espaço verde, um centro educativo, centro comercial, espaço de desporto ou lazer, todos os residentes não deverão caminhar ou pedalar mais de 15 minutos para chegar a estes locais. 60 000 espaços públicos de estacionamento para automóveis serão abolidos com esta finalidade.
A maior garagem do mundo destinada ao estacionamento de bicicletas foi inaugurada em Utreque, Holanda, em 2019. Disponibiliza, na principal estação de comboios da cidade, lugares de estacionamento para 12 500 bicicletas , e parece já ser demasiado pequena. A previsão é que a participação das bicicletas no tráfico urbano duplique, novamente, até 2030.
Metamorfose: do automóvel para a bicicleta (Utreque, 2007 e 2018)
Imagens: Van der Lingen/Boland 2018
Milão é uma das cidades mais sujas de Itália. Ou talvez deva dizer: foi uma das mais sujas cidades de Itália. Na província da Lombardia registaram-se mais de 16.000 mortes por COVID-19 até meados de Junho, significativamente mais do que em qualquer outra cidade de dimensão comparável.
Para os seus responsáveis, chegou a hora de um novo começo: “Trabalhámos durante anos para reduzir a utilização do automóvel. Se toda a gente conduz um carro, não existe espaço para as pessoas, não existe espaço para nos movermos, não existe espaço para qualquer atividade comercial fora das lojas. Claro que queremos reabrir a economia, contudo consideramos que o devemos fazer em bases diferentes do que anteriormente”, diz Marco Granelli, vereador responsável pelo sistema de transportes de Milão.
De uma forma geral, os objetivos são ambiciosos, senão mesmo espetaculares, porque definem a mobilidade urbana como o ponto de partida para uma nova era sócio-económica.
Milão tornar-se-á numa cidade onde as pessoas poderão viver e trabalhar livres da poluição causada pelo trânsito, sendo que os ciclistas e os peões conseguirão deslocar-se livremente numa cidade anteriormente congestionada
O confinamento provocado pela pandemia do COVID-19 transformou a capital da Lombardia numa cidade de fácil circulação para bicicletas e peões, com uma redução de 30% a 75% no volume de tráfego – e, com isso, da poluição atmosférica.
Para a garantir que esta situação se mantém serão reconvertidos, durante o Verão, 35 quilómetros de estradas, onde a limite de velocidade passará a ser de 30 km/h. O projeto-piloto irá transformar a principal rua comercial da cidade milanesa, o Corso Buenos Aires: para promover uma mobilidade ativa e saudável, o tráfego automóvel será reduzido, e delimitada uma faixa específica para ciclistas em ambos os sentidos.
Via Corso Buenos Aires – Milão
Mais ciclovias, menos emissões: o Corso Buenos Aires, hoje e no futuro.
Fonte: Abitare
Na era moderna, as nossas cidades consistiam em espaços monofuncionais, com zonas separadas para se viver, trabalhar e consumir. Acima de tudo, o automóvel foi epítome de prosperidade, sucesso e estatuto, permitindo ligar facilmente estes espaços – e até mesmo fundi-los – na vida quotidiana. Esta configuração era a ideal na época da industrialização, visto tornar possível a separação entre as áreas de produção, sujas e fétidas, e as áreas de descanso e vida privada.
Hoje em dia, esta separação é obsoleta, já que o trabalho, a vida pessoal, o lazer e o consumo têm lugar diretamente na cidade. Frequentemente, não existe distinção entre o local onde se vive e onde se trabalha. Assim, para definir a mobilidade do amanhã são menos importantes as infraestruturas de betão do que novas oportunidades e acesso a produtos e serviços de mobilidade. Compreender os problemas de mobilidade atuais é a base para resolver os problemas de tráfego no futuro, resultado isto na transformação da mobilidade.
Stefan Carsten, consultor e especialista nas áreas do futuro das cidades e da mobilidade, vive o futuro há mais de vinte anos. É um dos responsáveis pelo início da transição da indústria automóvel de um setor centrado no veículo para um setor centrado na mobilidade. Hoje em dia, vive e trabalha em Berlim.