Tal como acontece noutros setores (McDonald’s e Burger King, Nike e Adidas…), há dois grandes sistemas por trás dos ecrãs multimédia dos automóveis: Arene vs Android Automotive, duas visões distintas sobre o software do carro conectado.
Em plena revolução da mobilidade conectada, o software tornou-se o verdadeiro centro de comando do veículo. As marcas já não competem apenas por motores, acabamentos ou suspensões, mas também por plataformas digitais capazes de gerir tudo o que acontece dentro do carro: desde o infoentretenimento até à propulsão. É neste contexto que surgem duas grandes estratégias: por um lado, a aposta da Google com o Android Automotive OS; por outro, o desenvolvimento próprio da Toyota com o sistema Arene, criado pela Woven by Toyota.
O que é o Arene: controlo total sobre o software
Arene é uma plataforma informática desenvolvida pela Woven by Toyota, a divisão tecnológica do grupo japonês. Não se trata apenas de um sistema operativo, mas de um ecossistema completo para desenvolver, testar e executar software automóvel. A ideia da Toyota é clara: ter controlo absoluto sobre o código que gere os seus veículos, sem depender de terceiros como a Google, a Apple ou a Amazon.
Ao contrário do Android Automotive, o Arene não foi concebido apenas para gerir o ecrã central ou as aplicações do carro. O seu objetivo é ser o verdadeiro cérebro digital do veículo, controlando desde funções de segurança ativa (ADAS), até à gestão energética, comunicações, cibersegurança e atualizações OTA (over-the-air). Está pensado para facilitar o trabalho dos programadores, com ambientes de simulação altamente realistas onde o software pode ser testado sem necessidade de instalar fisicamente o sistema num carro.
A Toyota pretende implementar gradualmente o Arene em todos os seus modelos a partir da segunda metade desta década. Esta abordagem garante independência tecnológica, total adaptação às exigências regulatórias de cada país e uma evolução contínua do carro através de atualizações remotas.
O que é o Android Automotive: experiência familiar para o utilizador
Android Automotive OS é o sistema operativo nativo da Google para automóveis. Ao contrário do Android Auto (que apenas projeta o conteúdo do telemóvel no ecrã do carro), o Android Automotive é instalado diretamente no sistema de infoentretenimento do veículo e funciona de forma autónoma.
A sua principal vantagem é oferecer uma experiência fluida e familiar. O condutor encontra o Google Maps, o Assistente Google, o YouTube Music, o Spotify ou o Waze tal como os conhece no seu smartphone, sem necessidade de ligações adicionais. A interface é intuitiva, rápida e cada vez mais completa, graças à loja de aplicações dedicada aos automóveis.
O sistema também permite o controlo de funções do veículo, como o ar condicionado ou os modos de condução, se o fabricante decidir integrá-las. E, tal como o Arene, permite atualizações OTA.
Android Automotive já equipa modelos da Renault, Volvo, Polestar, Honda, Ford, GM, BMW e várias marcas do grupo Stellantis (como Peugeot, Opel, Citroën e Fiat). A lista cresce ano após ano, demonstrando a robustez do sistema, especialmente em modelos de gama média e alta.
O que os distingue (e aproxima)
1. Propriedade do sistema:
- Android Automotive é desenvolvido e controlado pela Google. Os fabricantes perdem parte do controlo do ambiente digital, embora ganhem em rapidez de implementação e acesso a serviços já familiares para os utilizadores.
- Arene é uma solução totalmente proprietária. A Toyota decide como se programa, quais as funções, que dados são recolhidos e como o carro é atualizado.
2. Experiência do utilizador:
- Android Automotive oferece uma experiência uniforme e reconhecível. Os utilizadores sentem-se “em casa” se já usam Android nos seus telemóveis.
- Arene depende do desenvolvimento feito pela Toyota. É mais versátil nas funções internas do veículo, mas menos padronizado na interface.
3. Flexibilidade e desenvolvimento:
- Arene oferece um ambiente mais completo para programar desde ajudas à condução até conectividade V2X ou gestão térmica.
- Android Automotive é mais forte no infoentretenimento, mas limitado no controlo de segurança ou chassis. Algumas marcas combinam-no com outros sistemas.
4. Dados e privacidade:
- Com o Arene, é o fabricante que gere todos os dados do veículo e do condutor.
- Com Android Automotive, parte dos dados passa pelos servidores da Google, levantando dúvidas sobre privacidade e soberania tecnológica.
Existem outros sistemas importantes?
Sim. A Mercedes-Benz desenvolve o seu próprio sistema MBUX, fortemente integrado com inteligência artificial. A BMW combina Android com a sua plataforma iDrive, e o grupo Hyundai-Kia usa um software nativo, complementado com Android Auto e Apple CarPlay.
Também existem soluções open source, como o Automotive Grade Linux (AGL), apoiado por marcas como Toyota, Mazda ou Subaru. Embora menos visível, serve de base para muitos desenvolvimentos internos.
Conclusão
Arene e Android Automotive representam dois caminhos distintos para o futuro do automóvel conectado. O primeiro privilegia o controlo total do fabricante; o segundo oferece uma experiência fluida e integrada no ecossistema Google.
Para o cliente, hoje o Android Automotive é mais imediato e familiar. Mas o Arene poderá vir a ser a base de uma nova geração de automóveis Toyota (e Lexus) mais seguros, personalizáveis e sustentáveis a longo prazo.
E para as frotas profissionais, ambos oferecem vantagens, dependendo do perfil do condutor, das necessidades de controlo e da natureza do serviço prestado por cada veículo.