Opinião de José Carlos Pereira
Imagine-se no ano de 2050; consegue? Nesse mesmo ano – que parece longínquo, mas na prática não é –, os estudos e previsões apontam para que as energias renováveis representem, a nível mundial, metade de toda a produção de eletricidade (BloombergNEF – 09/2018 – “A procura global de eletricidade aumentará 57% até 2050”).
Note-se que a eletricidade, atualmente e em Portugal, representa 26% da energia consumida e, de acordo com o PNAC (Plano Nacional para as Alterações Climáticas), em 2050 será 67%.
Agora, neste filme de “futurologia”, junte que, nas economias europeias, mais de metade da energia elétrica total fornecida às redes será proveniente de energias renováveis variáveis até 2030 (BloombergNEF – New Energy Outlook 2019). Estamos na nossa Europa “leading the way” – seja lá o que isso signifique! –, numa corrida desenfreada à descarbonização do sistema elétrico e, em paralelo, à eletrificação dos transportes.
Para um melhor enquadramento – se o caro leitor me permite –, recomendo ler o meu último artigo de opinião, aqui na Green Future, sobre a viabilidade do famoso “green deal” europeu. Algum espírito contraditório também ajuda a moldar o nosso pensamento!
Os mercados estão mais flexíveis, e vejo isso com muito interesse para os vários atores, principalmente para o consumidor, ou seja, a combinação de uma rede alimentada por mais fontes renováveis e novos formatos, que, para além de consumirem, adicionalmente podem armazenar ou mesmo injetar eletricidade na rede.
O modelo tradicional está a mudar: há agora consumidores e empresas que podem produzir e armazenar a sua própria eletricidade, utilizar o que necessitam e, também, vender o excesso à rede – o que pode ajudar a equilibrar, com flexibilidade, um modelo dependente de fontes renováveis.
O estudo sobre o impacto da eletricidade de origem renovável, realizado pela consultora Deloitte para a APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis), demonstra que as renováveis contribuíram com 18,5 mil milhões de euros para o PIB (Produto Interno Bruto) português no espaço de cinco anos (3,7 mil milhões de euros por ano), representando, desta forma, cerca de 1,9% do PIB. Notável!
Junte-se o resultante do “famoso” Hidrogénio Verde e do aumento da ambição climática (leia-se: o não menos famoso green deal) e este valor pode subir entre 1,9 e 6,7 mil milhões de euros anualmente – estamos, então, a falar de 5% do PIB (2,8 mil milhões de euros) quando o “filme” estiver no ano de 2030.
Adicionalmente, e segundo o mesmo estudo, em termos de poupança de emissões de CO2 (dióxido de carbono) numa ótica ambiental, a eletricidade de fontes renováveis, como substituta de fontes mais poluentes, permitiu evitar a emissão de 19,9 milhões de toneladas equivalentes de CO2 em 2020, a que corresponde uma poupança de 433 milhões de euros em licenças de emissão de CO2.
A análise da Deloitte aponta, ainda, que nos últimos 5 anos (2016 a 2020) a produção de eletricidade de origem renovável permitiu poupar aproximadamente 4,1 mil milhões de euros só em importação de carvão e gás natural.
Para já, parece que a transição energética está a ser delegada, sobretudo, ao mercado (leia-se: investidores privados). Ao Estado cabe – sendo eu um humanista liberal – definir e adaptar o sistema regulatório, fiscal e de incentivos, e deixar o mercado funcionar. Por outro lado, a produção descentralizada e flexível – podemos chamar-lhe “democratização da eletricidade” – tem-se transformado num nicho atrativo para as empresas comercializadoras de eletricidade, que dispõem, crescentemente, de soluções de autoconsumo para os seus clientes.
Por quanto tempo? E como se vai comportar todo o sistema de preços nos próximos 6 meses caso o inverno seja rigoroso? E que impacto pode ter esta oscilação de preços em todo o ecossistema elétrico a médio e longo prazo?
Julgo que tanto os governos como os reguladores deveriam pensar num quadro regulador e de mercado transparente e estável para apoiar o desenvolvimento de mercados flexíveis. A atratividade de uma economia e de um país também se mede pela sua previsibilidade e estabilidade, especialmente no que toca ao retorno sobre investimentos privados.
Assim, consumidores e empresas beneficiariam de novos fluxos de receitas e, talvez, de um retorno mais rápido dos ativos de flexibilidade que possuem – bombas de calor, armazenamento baseado em baterias ou mesmo veículos elétricos ligados à rede, etc.
P.S.: Um agradecimento especial ao António Sá da Costa pelos dados fornecidos.