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Green Future-AutoMagazine

O novo portal que leva até si artigos de opinião, crónicas, novidades e estreias do mundo da mobilidade sustentável

Comentário do mês

Desafios multifacetados ameaçam a indústria automobilística

A revolução da mobilidade em andamento é o resultado de uma combinação de múltiplos fatores. A tecnologia é certamente um fator central, em particular a eletrificação, ADAS e direção autônoma, bem como a IA. No entanto, essa revolução também é fortemente impulsionada por fatores externos, como a necessidade de mobilidade limpa, preferências mais regionalizadas do consumidor, mercados automotivos flutuantes entre as regiões e, mais recentemente, tarifas. Além disso, ambientes regulatórios, geopolítica e dissociação econômica global adicionam outro conjunto de camadas que influenciam a indústria em geral. Este artigo complementa Repensando a Indústria Automotiva: Tecnologia, Tarifas e China, que publiquei em abril de 2025.

Geopolítica e a Potência Chinesa

Os mercados automotivos têm sido historicamente bem integrados em todo o mundo. Fabricantes de carros e fornecedores da Europa, EUA, Japão e Coréia construíram pegadas globais ao longo de décadas para atender os mercados locais em todo o mundo. Nos últimos cinco anos, a indústria chinesa acelerou a um ritmo que surpreendeu a maioria dos especialistas do setor. Os OEMs locais empurraram os participantes estrangeiros para fora do que costumava ser um mercado muito lucrativo para este último, cortando recursos financeiros vitais que de outra forma seriam necessários para o avanço da tecnologia. Hoje, as montadoras chinesas controlam cerca de 70% do mercado local.

O que aconteceu? Em 2009, o governo central chinês começou como um piloto chamado “Dez Cidades, Mil Veículos”, promovendo a implantação de veículos híbridos e elétricos. Isso se transformou em uma estratégia destinada a impulsionar não apenas Veículos de Nova Energia (NEVs, ou seja, veículos plug-in), mas também o investimento na capacidade de fabricação doméstica. Os jogadores estrangeiros foram pegos de surpresa sem NEVs competitivos quando as vendas realmente aumentaram — hoje eles representam cerca de 50% do mercado. Naturalmente, o mercado de NEV é massivamente dominado por atores locais. No entanto, eles continuam a jogar no resto do mercado, onde o Grupo VW continua sendo o líder.

O crescimento da capacidade foi outra alavanca-chave dessa estratégia chinesa. Hoje, o país pode produzir 50 milhões de veículos, quase o dobro de suas necessidades locais. Isso não só resulta em uma guerra de preços domésticos (que aperta ainda mais a lucratividade dos participantes estrangeiros), mas também exacerba a necessidade de exportar. Em 2024, seis milhões de unidades foram enviadas para o exterior, o dobro do volume de 2022. Isso coloca pressão adicional sobre os participantes globais à medida que esses veículos fazem seu caminho ao redor do mundo, exceto para os EUA — por enquanto — devido às tarifas. A Europa é um alvo principal, apesar das tarifas sobre BEVs chineses, variando de 17% a 45%, dependendo do OEM. No entanto, as importações de automóveis chinesas atingiram 8% do mercado europeu em setembro de 2025, igualando a penetração de jogadores coreanos, graças em parte a um impulso por versões não-BEV (tributadas a apenas 10%). No Reino Unido, as importações chinesas excederam 12% do mercado de carros novos naquele mês.

Para simplificar as coisas, o governo dos EUA implementou tarifas de importação íngremes no início deste ano, em um esforço para dissociar as economias globais e impulsionar as suas próprias. Enquanto escrevo este artigo, os carros importados da Europa e do Japão são tributados a 15% e os da Coreia a 25%, enquanto as taxas costumavam ser de 0 a 2,5%. Uma tarifa de 102,5% também foi aplicada a todos os veículos chineses pela administração anterior. Além disso, tarifas recém-implementadas sobre peças e matérias-primas importadas também tornarão os veículos fabricados nos EUA mais caros. Isso custará à indústria dezenas de bilhões de dólares por ano, dificultando sua capacidade de enfrentar todos os desafios que está enfrentando.

Para tornar as coisas ainda mais complexas, os esforços de OEMs não chineses para eletrificar seus veículos enfrentam o domínio impressionante da China sobre a cadeia de suprimentos de baterias. As quotas de mercado global do país para os vários componentes e minerais chegam a 70 a 90%. Desenvolver cadeias de suprimentos soberanas em um mundo onde as economias tendem a ser dissociadas é ainda mais difícil.

Aumentando a Regionalização das Expectativas do Cliente

Veículos típicos nos principais mercados de carros costumavam diferir significativamente no passado recente. Essencialmente SUVs e caminhonetes maiores e mais pesados nos EUA, veículos menores, mas mais sofisticados, na Europa e no Japão, e carros mais baratos na China. Todos eram movidos por gás ou diesel.

No entanto, os mercados têm divergido significativamente mais nos últimos cinco anos. A eletrificação é um dos principais fatores dessa regionalização. Hoje, um em cada três veículos vendidos na China é um EV a bateria (BEV), contra um em cada seis na Europa e um em cada 12 nos EUA. E essa lacuna aumentará à medida que a China continuar avançando enquanto o governo dos EUA está fazendo todo o possível para parar o crescimento do BEV, provavelmente com algum sucesso, pelo menos no curto prazo.

As intenções de compra mostram uma melhoria potencial de acordo com uma pesquisa da McKinsey em abril de 2025 (antes que cortes maciços nos incentivos da BEV fossem anunciados). Os BEVs são os próximos veículos preferidos para 45% dos compradores chineses, vs. 23% na Europa e 12% nos EUA. Por outro lado, 18% dos compradores chineses esperavam que seu próximo veículo fosse movido apenas por um motor de combustão interna, contra 49% na Europa e 70% nos EUA. Além disso, 32% dos entrevistados dos EUA até afirmam que nunca comprarão um veículo plug-in. No entanto, isso deixa espaço crescente para opções de trem de força eletrificado, de híbridos básicos a híbridos plug-in e EVs de alcance estendido.

O digital é outro domínio-chave onde a lacuna entre as expectativas regionais dos clientes está aumentando. Na China, jogadores emergentes de NEV, como Xpeng, NIO, Li Auto e, mais recentemente, Xiaomi, ultrapassaram jogadores estabelecidos e estabeleceram um nível muito alto no mercado local. O software desenvolvido internamente combinado com arquiteturas elétricas / eletrônicas avançadas os coloca na vanguarda da tendência de veículos definidos por software (SDV) ao lado da Tesla e da Rivian. Embora as expectativas dos clientes chineses agora sejam fortemente influenciadas por essas cabines digitais altamente integradas, este não é (ainda) o caso nos EUA ou na Europa. No entanto, os OEMs em exercício estão correndo para recuperar o atraso, especialmente se quiserem permanecer relevantes na China.

O que as partes interessadas podem fazer?

A velocidade de mudança e a diversidade de insumos estratégicos na indústria automotiva aceleraram claramente nos últimos anos. Esse ambiente sem precedentes torna extremamente difícil para as equipes de gerenciamento operarem de forma eficaz, pois o número de frentes nas quais as partes interessadas devem revisitar suas estratégias com frequência aumentou.

Para ter sucesso, os fabricantes de carros e fornecedores devem permanecer na corrida tecnológica (por exemplo, EV, software, SDV, ADAS) e aumentar sua eficiência geral para alcançar os participantes chineses (por exemplo, tempo de lançamento no mercado do produto). Dada a velocidade da mudança, é fundamental que eles gerenciem com agilidade em todas as frentes. Eles também devem desenvolver estratégias e portfólios de produtos mais diferenciados em todas as regiões para se adaptar às expectativas locais e reduzir os pontos de equilíbrio regionais para lidar com volumes flutuantes.

Isso exigirá confiar mais na experiência regional e nas cadeias de suprimentos. Parcerias em todo o ecossistema (por exemplo, desenvolver um sistema operacional de código aberto), bem como com líderes de tecnologia, também devem ser perseguidas — como o Grupo VW fez com a Rivian e a Xpeng na frente de software / SDV. Além disso, acredito que a UE está certa em considerar exigir que as empresas chinesas que procuram investir na Europa transfiram tecnologia (por exemplo, para baterias), assim como a China fez no passado em tantos domínios.

Em suma, essas ações têm custos significativos quando a lucratividade das partes interessadas é gravemente prejudicada por tarifas, margens perdidas na China, posições de mercado enfraquecidas e baixas de vendas decepcionantes de EV na Europa e nos EUA. O desafio é significativo.

Mazda 6e: O Elétrico que conjuga a Alma Japonesa com a tecnologia Chinesa

Chegou em Setembro mais um automóvel que promete dar que falar: o Mazda 6e. Uma berlina, coupé, 100% elétrica, que equilibra a tradição japonesa com o avanço tecnológico.

E, depois de um curto test-drive na apresentação nacional, posso afirmar que a Mazda joga forte para conquistar quem pretende conjugar a eletrificação sem abrir mão do prazer de conduzir.

Com um preço a partir de 40.000 €, o 6e não é apenas o herdeiro elétrico do clássico Mazda6, mas sim uma proposta que mantém a filosofia Jinba Ittai – onde automóvel e condutor são um só – para a era dos elétricos, “embrulhada” num design Kodo que continua a fazer mover as cabeças. 

O 6e surge com um desenho coupé, elegante e desportiva com a praticidade de um hatchback de cinco portas. E, sim, é tão bonito ao vivo quanto as fotos o apresentam.

Confesso que, quando soube que o 6e era fabricado na China, fruto de uma parceria 50/50 com a Changan, baseado no Deepal L03, quis perceber melhor, pois as indicações que tinha do ensaio do Changan foram muito positivas – uma marca que pertence às quatro grandes do mercado chinês e que aposta em qualidade e IA nos seus modelos.

A Mazda garante que o ADN está intacto e foi isso que quis comprovar. 

Logo à partida, o interior de grande qualidade, com muitos plásticos moles e uma qualidade de construção e de detalhe…. premium. Percebe-se que as equipas Mazda de Hiroshima e Oberursel trabalharam as afinações do chassis, suspensão e até a forma como o volante responde. O resultado é um tração traseira, com uma distribuição de peso perfeita – 50:50 -que, segundo os engenheiros, é “tão divertido como um Mazda6 turbo dos velhos tempos”. E, no pouco tempo que passei ao volante, senti essa energia: o carro responde com uma vivacidade invulgar.

Luis Morais, o diretor da Mazda Portugal, estava visivelmente orgulhoso do produto que apresenta, ao mencionar que a transição para os elétricos é uma realidade na marca e o 6e a resposta, para quem pretende mobilidade sustentável, sem perder o prazer de conduzir, acrescentando ser este um elétrico com alma, que não esquece quem está ao volante.

O que realmente me impressionou foi o modo como a Mazda usou a tecnologia para tornar a condução mais natural. O Sistema de “Inclinação Inteligente” da suspensão EPA1 é um desses exemplos (recorda-me a F1). “Basicamente”, o 6e inclina-se ligeiramente (2º a 3º) para o interior nas curvas, acima dos 60 km/h, para garantir uma estabilidade extra – segundo a Mazda melhora 15%.

Pois é. É aqui que também entra a IA a gerir o sistema com 27 sensores, alguns da Huawei, que usam inteligência artificial para “ler” a estrada e prever as curvas. No ensaio, senti o carro mais “agarrado e confortável”.

Outra surpresa foi o spoiler traseiro retrátil, que sobe automaticamente a 90 km/h (ou a 80 km/h nas curvas) para melhorar a aerodinâmica ….em 8%. É o tipo de detalhe que não notamos até comprovarmos que o 6e fica colado à estrada.

A Mazda lançou duas versões: uma com 258 cv e 479 km de autonomia (WLTP) e outra Long Range, com 245 cv e 552 km. A bateria de 68,8 kWh tem um truque chamado “Reforma Térmica” que reutiliza o calor da travagem regenerativa, poupando até 7% de energia nos dias frios. 

Por dentro, o 6e é um convite à calma. Inspirado no conceito japonês de ma (sim é mesmo esse o nome) – a beleza do espaço vazio. O cockpit surge centrado no condutor, com um ecrã de Realidade Aumentada de 50 polegadas (na estrada) que projeta informações em 3D (a Mazda diz que reduz as distrações em 25%). Os comandos por voz e gestos, com IA que aprende os nossos hábitos, são intuitivos, embora precise de mais tempo para testar a fundo esta solução.

Ficou também na memória o conforto. Os assentos “Zero-Gravidade” com suporte lombar ajustável são muito confortáveis – parece que estamos a flutuar, e a Mazda assegura que diminuem a fadiga em 30%.

Não testei o sistema de som SonyPRO® de 14 altifalantes (estava demasiado ocupado a trocar impressões com outro jornalista), mas a ideia de ele ajustar o som com base nos batimentos cardíacos, detetados pelo banco, é no mínimo intrigante.

No ensaio, usei o modo Normal, mas o 6e tem também os modos Sport e Individual, que te deixam trabalhar com a aceleração, a travagem regenerativa e a resistência do volante. Mesmo no modo mais tranquilo, o carro é ágil, com uma direção precisa e uma suavidade que faz esquecer que estás num elétrico.

Em resumo, o Mazda 6e é mais do que um carro elétrico para a família. É a prova de que a Mazda não está somente a surfar a onda da eletrificação – está a tentar liderá-la com estilo, qualidade e inovação. O modelo combina um design muito bem conseguido, tecnologia que funciona e um conforto que faz querer ficar mais tempo ao volante. Se a alma japonesa e a tecnologia chinesa podem coexistir, o 6e é a prova viva de que é possível.

E, aqui entre nós, é um automóvel que dá vontade de conduzir, só pelo prazer de o fazer.

BYD Sealion 7: Tecnologia de Ponta e Preço Acessível no Segmento Elétrico

O BYD Sealion 7 é um SUV elétrico do segmento D com a linha estilistica “Ocean”. A marca contínua o seu caminho de liderança com 4,72 milhões de unidades vendidas em 2024. 

E lança-se no mercado com um modelo que quer ser uma resposta ao Tesla Model Y, Kia EV6 e BMW iX1. 

Posicionado acima do Seal U e desenhado pelo ex-designer  da Alfa Romeo combina um design desportivo, desempenho e tecnologia de ponta,  com uma frente marcadamente imponente e desempenho que se prolonga pela lateral e pela traseira

Trata-se de um modelo onde a marca coloca todo o seu know-how na arte de bem construir automóveis elétricos e tecnologicamente avançados.

O Sealion 7está disponível em três variantes, todas baseadas na e-Platform 3.0 Evo que utiliza a tecnologia Cell-to-Body (CTB) e  que integra a bateria Blade LFP na estrutura do veículo para maior rigidez e eficiência. Estas baterias já provaram por variadas ocasiões a sua eficácia, sendo as mesmas já vendidas até à concorrência e ao seu principal rival Tesla

Por uma feliz coincidência, dias antes tinha circulado com o novo modelo Y e, portanto, tinha bem frescas as sensações do mesmo. São viaturas distintas com interpretações similares, seja em termos de desenho, espaço interior e qualidade de construção

Numa das paragens para carregamento do Tesla, um jovem casal abordou-me para saber o que eu achava do modelo, sendo que, no decurso da conversa percebi que tinham 4 Tesla em casa e que referiram ter sido uma decisão difícil a escolha entre o Model Y e o BYD, demonstrativo da proximidade de ambas as propostas.

E o que encontramos de diferente deste modelo face ao Seal U?

Desde logo o fato de ser classe 1 nas portagens, maior autonomia, maior espaço a bordo,  qualidade superior e um nível de detalhe incrementado

Se o exterior combina elegância com desportividade já o interior acolhe-nos com luxo, ergonomia e usabilidade. Desde os bancos elétricos com extensores de pernas, aquecidos e refrigerados, ao eficaz ar condicionado e de purificação do ar, ao “casulo acústico” que a marca proporciona e, onde no banco traseiro, possui espaço mais que suficiente para três grandes adultos, com espaço disponível para colocar as suas pernas num banco que possui três posições para inclinação

Pelo fato de ter mais de 500 cavalos e tração integral o seu comportamento é extremamente eficaz, com uma direção extremamente acutilante e eficaz. Conduzi-lo em toda sua plenitude exige atenção e competência porque são muitos cavalos que rapidamente estão disponíveis com uma rapidez enorme,  sendo que também podemos sempre circular em modo mais familiar, num modelo que, em qualquer circunstância, é sempre confortável, eficaz e preciso.

A marca aponta para uma autonomia próxima dos 600 quilômetros sendo possível fazer em autoestrada 430 a 450 quilómetros (ou seja, sem qualquer regeneração das baterias)

Não é um acaso a BYD apresentar-se como uma das grandes referências mundiais no setor dos elétricos, pelo modo como aliou a tecnologia, inovação – seja nas baterias, no design e na qualidade do produto final – a um comportamento referencial, a par de uma qualidade de construção e dos materiais bastante relevante.

Em termos de preço continua a “dar cartas” começando nos 48.000€ para o modelo com tração traseira e  313cv e dos 52.000€ aos 56.000€ para esta versão com 563 cv e tração total.

Mais Potência, Mais Liberdade: Conheça o Ford Explorer AWD 340 cv

Nos meus tempos de adolescente habituei-me a olhar para a Ford como uma marca que lançava viaturas com bom comportamento, alguma desportividade e bastante competentes. A presença da marca  em provas desportivas também ajudava a essa perceção

Hoje, a marca redefiniu-se e acabou com modelos como o Fiesta, Sierra ou Escort, e teve de se posicionar no mercado elétrico. Lançou para isso o Ford Mustang e faltava um SUV – o Explorer – que foi buscar o seu nome ao mercado americano, do modelo com grandes dimensões e sete lugares. Aqui, o novo Explorer compete no segmento C-SUV e somente possui 5 lugares

 Juntamente com isso a marca resolveu fazer uma parceria com a Volkswagen para a utilização da plataforma e alguns componentes. Nada de mais, numa indústria cada vez mais globalizada e onde a tónica também passa pela poupança de custos e rapidez de presença no mercado.

Desenvolver uma plataforma ou alguns componentes demora tempo e tem custos exagerados; porque não optar por algo já com créditos firmados no mercado?

Esteticamente, o Explorer diverge, em minha opinião, um pouco da tradição. Trata-se de um modelo mais quadrado mas sem ser pesado, e isso é um elogio aos designers da marca que conseguiram estruturar um modelo jovial. A frente é bastante sobreelevada com a grelha completamente fechada e os faróis colocados no topo, numa configuração  “muito feliz”. A zona lateral mais convencional termina com as cavas das rodas traseiras mais pronunciadas que lhe dá um certo ar de desportivo. Já o portão traseiro está também bem conseguido, pois, mesmo sendo muito vertical, a assinatura luminosa quadrada dos extremos da carroçaria tornam o seu desenho muito elegante.

No interior encontramos um modelo bastante tradicional com os bancos envolventes em pele sintética, elétricos, com um tablier bastante convencional mas de onde sobressai uma coluna de som quase a ocupar 3/4 do tablier da Bang & Olufsen. Já o volante segue a tónica habitual- não é circular mas retangular na parte superior e inferior – que curiosamente, é prático. Contém os vários botões não físicos no volante para controle das várias funções o que tem detratores e apaixonados. Já o painel central de grandes dimensões, colocado em posiçã vertical incorpora todas as funções do modelo incluindo o ar condicionado e os vários modos de condução. Não há botões fisicos

A posição de condução é boa, a visibilidade também e ergonomia está num bom patamar. Não é um carro em que é necessário, antes de o conduzir, fazer um pequeno curso. O espaço interior é bom, tanto à frente como atrás e a bagageira é ampla

A Ford sempre foi reconhecida por construir modelos que prevalecem pela eficácia do seu comportamento e não tanto no conforto. Aqui nota-se esse compromisso com as afinações da suspensão a privilegiar a eficácia e o comportamento. E  isso significa que o Explorer com a sua tração total e 340cv não abdicou do seu ADN

Também por ser este modelo uma viatura de tração total a sua eficácia sobressai, não tanto em autoestrada, porque não se consegue percecionar mas quando andamos com ele por curvas  encadeadas e notamos o comportamento mais rigoroso do modelo

Em termos de autonomia ela aponta para perto dos 400 quilômetros no painel de instrumentos (do grupo Volkswagen)

O Explorer possui vários modos de condução, desde o eco ao sport, mas mesmo no modo Sport noto a direção algo leve e pouco comunicativa. Nada de relevante, mas pessoalmente prefiro uma direção mais pesada quando conduzo em modo Sport

No cômputo geral, o Explorer tem todos os elementos necessários para ser mais um produto interessante no extenso mercado de viaturas elétricas. Os pontos a favor são muitos e os pontos a melhorar não são extraordinariamente relevantes

Trata-se do modelo que prima pelo seu desenho algo fora do habitual o que joga a seu favor, possui um interior interessante, bem desenhado e construído com vários plásticos moles. Mesmo com a parceria com a VW mantém muitos dos atributos que fizeram da marca Ford um caso de sucesso no passado, na sua habilidade para construir viaturas com bom comportamento dinâmico e mesmo desportivas

Nesta versão topo de gama os preços começam nos €48.000 até perto dos €52.000

Circuito das Beiras 2024: Olhar para o passado para compreender o presente

Começar um artigo de uma revista ligada a automóveis, ainda por cima elétricos, a falar sobre turismo, pode parecer estranho, mas não é. Muito se fala de sermos um País acolhedor, que vivemos essencialmente de serviços, nomeadamente o turismo. Tem sido ele a alavanca do emprego em Portugal.

Ouvimos falar de um País a duas velocidades, da escassez de oferta de emprego e industria  no interior do mesmo, de territórios  de baixa densidade e, o quão importante é criar as condições para termos uma indústria forte que permita atrair pessoas e talentos.

E o Circuito das Beiras by Bridgestone e Clube Escape Livre é um bom exemplo, diria mais, um extraordinário exemplo.

Há mais de 100 anos, Tavares de Mello que vivia no Casteleiro, um território “perdido” entre a Covilhã e Belmonte, de famílias nobres, resolveu participar numa prova entre a Figueira da Foz e Lisboa, tendo sido desclassificado da mesma. Decide, por isso, levar o seu Darraq (do qual era o importador), juntamente com o seu mecânico (e condutor) – sim, porque a “sua senhora” não apreciava –  a fazer uma prova que mostrasse a zona das Beiras. E, se bem o pensou, assim o fez, criando a primeira prova em Portugal por etapas, com vários participantes, onde permitiu conciliar o automóvel, a visita aos vários territórios e à gastronomia muito rica e desconhecida das regiões. 

Tavares de Mello acaba por ficar para história,  não só por idealizar o circuito por etapas, mas também por criar a primeira concessão de marcas de automóveis Darraq, por fundar a sua própria marca de automóveis – Tavares – sendo que, posteriormente, começou a fabricar veículos comerciais — os autocarros Tavares – que serviram Coimbra como uma carreira de transporte de passageiros.

E voltando então ao tema dos automóveis. O que tem de especial este Circuito das Beiras?

O Clube Escape Livre e Bridgestone resolveram, mais de 120 depois, lançar aquela que já é a 2ª edição do Circuito que, no ano passado começou em Coimbra, este ano na Guarda, e no próximo ano, será em Castelo Branco.

E o mindset foi recriar a prova com o percurso original, com viaturas da época, com os participantes vestidos com os mesmos trajes dessa altura. Só por isto, já valia a pena marcar presença!

Mas, curiosamente o circuito das Beiras passou a ser internacional, sendo que, nesta edição, contou já com muitos Espanhóis, Ingleses, Australianos e Alemães, onde foi possível ver belas máquinas, excelentemente recuperadas, e outras que, mantêm o seu esplendor original, tal o reduzido número de quilómetros das mesmas e o seu ótimo estado de conservação. 

Estiveram presentes automóveis vindos de vários locais, desde Inglaterra, Bilbau e outros que tinham chegado da prova Paris-Pequim… a rodar. 

E, de facto, vale a pena percorrer cada metro do percurso, pois as paisagens são desconhecidas e belas, mesmo para quem é da região – o que mostra o cuidado de organização com o seu Road-Book – que, também permite, um são convívio entre todos os participantes. Tudo isto ficou demonstrado em cada uma das zonas por onde a grande caravana passou, mas também porque as entidades oficiais participaram ativamente na ativação da marca do seu território. 

Tive o prazer e  privilégio  de percorrer toda a prova e sendo umadas minhas áreas de atuação na universidade –  marketing territorial e relacional- comprovo, com agrado, o cuidado que a organização e as entidades oficiais colocaram para divulgar o seu território, paisagens, cultura, gastronomia, tradições e produtos da região; de tal modo que, não foi só um participante ou dois que compraram produtos da região; foram vários!

A prova não é uma competição, embora exista o espírito competitivo entre alguns concorrentes; é antes uma celebração e espaço de convívio, networking, de entusiastas do automóveis que estão ali com um propósito: conduzir, sem qualquer ostentação, os seus belos automóveis e celebrar cada momento, normalmente em família, com o seu companheiro(a).

Termino, quase como comecei. Conseguimos ter ainda entidades privadas, públicas e oficiais que tudo têm feito para perpetuar a história e a memória do território e do automóvel,  por que só podemos celebrar e encarar o futuro, conhecendo a nossa história e o que nos trouxe aos dias de hoje dos novos automóveis, agora eletrificados. 

Novo Governo, novas políticas?

A transição para a mobilidade elétrica trouxe ao setor automóvel toda uma adaptação e reconversão. A pandemia trouxe também mudanças no modo como pretendemos viver nas próximas décadas. Exigimos, enquanto consumidores, marcas com propósito, com responsabilidade social e alinhadas com esta nova realidade.

Assim, estas investiram fortemente em desenvolver viaturas elétricas, criaram modelos de negócio distintos, algumas criaram até novas marcas; adotaram modelos comerciais diferentes, ao mesmo tempo que foram desinvestindo nos motores a combustão, nalguns casos, sem ainda ter o ROI desse investimento de décadas.

Cada Governo criou planos de mobilidade para esta transição. Não fomos exceção mas fomos tímidos demais. Em Portugal assistimos a uma adesão à eletrificação e, porventura ficamos com a ilusão que todos os Portugueses estão ali representados, mas a realidade é bem diferente.  

Portugal não é o País Europeu que oferece mais incentivos à aquisição de um elétrico (olhe-se para Espanha); não oferece o melhor preço de carregamento, não tem das melhores redes de carregamento, as habitações ainda não estão preparadas para os postos de carregamento e, mesmo assim, as vendas foram sempre subindo de forma sustentada, sendo que, aos dias de hoje, começaram a decair  com os híbridos e híbridos plug-in a crescer.

Verificamos que o primeiro trimestre continua a mostrar sinais de aumento de viaturas eletrificadas, com a Tesla neste primeiro trimestre a ser líder do mercado de veículos ligeiros de passageiros 100% elétricos, seguido pela BMW, Mercedes-Benz, Citroen e Volvo.

Mas estes números não espelham a realidade das vendas. A maioria é vendida para o segmento empresarial (devido aos incentivos que possui do Estado) dado que, o particular, só residualmente consegue comprar estas viaturas; não sendo de estranhar que o Dacia Spring seja dos mais vendidos. 

E isto acontece porque não existe uma verdadeira política de transição para a eletrificação, seja ao nível do preço das viaturas, seja no incentivo à instalação de postos de carregamento, a incentivos para o abate de viaturas  – temos dos parques automóveis mais envelhecidos da Europa, superior a 13 anos, o que configura muitos carros com idades próximas dos 20 anos. A disparidade de preços nos postos de carregamento começa a aproximar-se e, já nalguns casos a superar valores de um motor a combustão.

E Portugal até é um País que está muito predisposto para as novas tecnologias, além de que somos um País pequeno que nem deve sofrer da “ansiedade da autonomia” dos elétricos, dado que as distâncias que percorremos são quase sempre a rondar os 300kms (a autonomia normal de um elétrico)

Assim, o novo Governo pode/deve, para conseguir cumprir as metas da descarbonização para 2035, atuar, para implementar uma verdadeira estratégia que permita a renovação do parque automóvel e conseguir que um País com baixos salários, baixo poder de compra troque o seu automóvel a combustão – velhinho – por um elétrico ou hibrido, percebendo que essa mudança lhe vai trazer menores custos mensais/anuais (manutenção da viatura por exemplo). 

E, essa mudança de política deve ser equacionada por quem agora assume responsabilidades governativas, dado que, os novos automóveis, com maior segurança ativa e passiva, com dispositivos que evitam/previnem acidentes, permitem que muitos Portugueses não vão parar aos hospitais, não sobrecarreguem o SNS, não coloquem baixas na Seg. Social e, assim contribuam com a sua presença para um aumento da produtividade das empresas felizes e com saúde.

Retrospetiva de 2023 na Mobilidade e Autotecnologia

O ano de 2023 foi definitivamente agitado tanto na mobilidade como na tecnologia automóvel, provando mais uma vez que esta indústria está a passar por uma transformação maciça. Aconteceram muitas coisas, em particular nos espaços dos veículos elétricos e da condução autónoma. Vejamos os acontecimentos mais significativos, tanto bons como maus, que ocorreram ao longo do ano.

Eletrificação

Comecemos pelo mercado dos veículos eléctricos a bateria (BEV). Até ao final de 2023, as vendas globais terão aumentado cerca de 15% em relação a 2022, embora a repartição regional seja muito contrastada. A China registará um aumento marginal do volume em 2023, com uma quota de mercado de VEB a atingir cerca de 25% – continuará a ser o maior mercado de VEB. Na Europa, as vendas aumentarão cerca de 50%, representando cerca de 14% do mercado. Os EUA continuam a registar um atraso nas vendas de VEB, embora venham a crescer cerca de 50%, atingindo uma quota de mercado de 7,5%. Além disso, um VEB – Tesla Model Y – será provavelmente o veículo mais vendido a nível mundial em 2023.

Foram introduzidos novos modelos em mais segmentos de mercado e foram anunciados mais para os próximos anos. No entanto, os operadores históricos sediados nos EUA reduziram a sua ambição, adiando o lançamento de VEB (por exemplo, três para a GM) ou reduzindo a futura capacidade das baterias (por exemplo, a Ford).

A Tesla continua a deter cerca de 60% do mercado de VEB nos EUA, à frente da GM, que ocupa o segundo lugar, com um rácio de 10 para 1. No entanto, está a cair na Europa e a competir com a Stellantis, com cerca de 15% de quota de mercado, pela segunda posição, enquanto o Grupo VW lidera o grupo. No entanto, a Tesla atingirá cerca de 1,8 milhões de unidades a nível mundial em 2023 e manterá a sua liderança global no sector dos VEB.

Os jogadores emergentes de BEV baseados nos EUA terminam 2023 com sucessos mistos. Nos EUA, a Rivian (R1T, R1S e carrinha) aumentou recentemente a sua projeção de produção para 2023 para 54 mil veículos, enquanto a Lucid (Air) e a Fisker (Ocean) reduziram novamente a sua para 8 mil e 10 mil unidades, respetivamente. Na Europa, a Lightyear (Países Baixos) e a Sono Motors (Alemanha) suspenderam os planos de produção de veículos eléctricos e concentram-se agora nos tectos solares para automóveis, e a Hopium (França) encontra-se em processo de liquidação.

Na China, a BYD e a Geely registaram um crescimento significativo graças, em parte, à introdução de veículos novos e competitivos, em particular no espaço BEV/PHEV (também conhecido como New Energy Vehicle). Por outro lado, os operadores históricos europeus e americanos continuam a sofrer e estão a reagir não só organicamente, mas também externamente. A VW investiu 700 milhões de dólares numa participação de 5% no emergente BEV OEM Xpeng e utilizará a plataforma deste último para construir dois BEVs destinados à China. Do mesmo modo, a Stellantis adquiriu uma participação de 20% na Leapmotor por 1,5 mil milhões de euros, com o objetivo de tirar partido da base de baixos custos do OEM chinês para distribuir os seus veículos no estrangeiro.

Os OEM chineses não ganharam apenas quota de mercado a nível nacional. Têm-se dedicado agressivamente aos mercados de exportação, em parte devido a um aumento excessivo da capacidade interna. Um total de 2,6 milhões de veículos de passageiros deixou a China nos primeiros nove meses, um aumento de 70% em relação ao ano anterior. De notar que cerca de 40% das exportações chinesas têm o emblema de marcas ocidentais, sobretudo da Tesla, com os Model 3 enviados para a Europa.

A Europa é, de facto, o principal destino destes veículos. Os automóveis de fabrico chinês atingiram cerca de 6% do mercado europeu de VEB. No entanto, o crescimento das exportações pode diminuir, uma vez que a UE abriu uma investigação em setembro sobre as importações de veículos potencialmente subsidiados da China. Esta investigação resultará provavelmente em tarifas punitivas ou na exclusão de subsídios locais. Por exemplo, a França acaba de rever o seu regime de incentivos aos veículos eléctricos (até 7 mil euros). Agora tem em conta o CO2 emitido durante a produção e o transporte, favorecendo assim os veículos produzidos na Europa em detrimento dos fabricados na China.

Os OEM e os produtores de baterias juntaram forças para iniciar dezenas de milhares de milhões de dólares de novas capacidades de baterias na Europa e nos EUA. Os actores chineses são claramente evitados como parceiros nos EUA, dada a Lei de Redução da Inflação de 2021. De facto, a IRA prejudica fortemente os incentivos aos veículos eléctricos quando estão envolvidas empresas chinesas, que dominam esmagadoramente a atual cadeia de valor global das baterias.

O carregamento de veículos eléctricos também sofreu alterações. Nos EUA, a Ford e depois a GM anunciaram em maio que utilizariam o conetor de carregamento da Tesla (rebaptizado North American Charging Standard ou NACS) a partir de 2025 e obteriam acesso à sua rede de carregamento em 2024. Isto desencadeou uma reação em cadeia em que uma dúzia de outros OEM anunciaram que iriam fazer o mesmo. Por sua vez, a Sociedade de Engenheiros Automóvel dos EUA (SAE) apressou-se a tornar a NACS numa norma efectiva. A Tesla ganhou a batalha do carregamento graças a soluções de carregamento fiáveis e amplamente implementadas. Isto conduzirá a taxas de utilização mais elevadas e, consequentemente, à rentabilidade.

No entanto, alguns OEM tomaram medidas para evitar que a Tesla ganhasse uma posição hegemónica. A Stellantis, o BMW Group, a GM, a Honda, a Hyundai, a Kia e a Mercedes anunciaram em julho a criação de uma empresa comum. Juntas, pretendem instalar mais de 30 mil estações de alta potência nos EUA e no Canadá.

E quanto aos preços? Os custos de aquisição dos VEB continuam a ser mais elevados do que os dos seus equivalentes com motor de combustão interna, apesar de os incentivos permitirem muitas vezes nivelar as condições de concorrência. Esta diferença de preços mantém-se apesar de uma queda significativa nos últimos 12 meses, que resultou de uma guerra de preços iniciada pela Tesla nas três principais regiões. Nos EUA, por exemplo, o preço médio de transação do BEV (antes de incentivos de $ 5k em média) caiu de $ 65k em seu pico em 2022 para $ 53k em julho de 2023 contra $ 48k para o mercado geral.

Na Europa, onde os OEM chineses vêem uma grande oportunidade, os OEM estão agora a correr para introduzir VEBs na gama dos 20-25 mil euros para se manterem competitivos e chegarem a uma população maior. A Citroën está prestes a começar a vender o C3 a 23300 euros, a Renault lançará o R5 a cerca de 25 mil euros em 2024 e a VW venderá o ID.2 abaixo dos 25 mil euros em 2025. Este esforço para aumentar a acessibilidade económica beneficia da redução do custo das baterias. Ao nível da embalagem, caiu 14% de 2022 para 2023, atingindo 139 dólares por kWh, de acordo com a BloombergNEF.

Por último, os veículos eléctricos alimentados por células de combustível de hidrogénio (FC) estão lentamente a ganhar força para aplicação em veículos comerciais. Por exemplo, a Symbio (JV entre a Forvia, Michelin e Stellantis) inaugurou uma fábrica de FC em França com capacidade inicial para 16.000 unidades por ano e a Bosch iniciou a produção em massa na Alemanha.

Condução autónoma e assistida

Nos EUA, a Waymo tem vindo a operar uma frota comercial de robotáxis sem operadores de segurança em Phoenix desde 2019. Este ano, observámos uma espécie de boom e depois uma quebra parcial. Em julho, a Waymo e a Cruise receberam a autorização final para operar 24 horas por dia, 7 dias por semana, um negócio comercial de robotáxi em São Francisco sem operadores de segurança. Eles iniciaram o serviço com 250-300 veículos cada – embora Cruise tenha começado a operar à noite em 2022. As viagens, que tive a oportunidade de utilizar várias vezes em ambas as plataformas, têm preços competitivos em relação à Uber.

A Cruise estava a preparar-se para implantar o seu serviço numa dúzia de cidades dos Estados Unidos, bem como em Tóquio e no Dubai, e a fazê-lo a um ritmo crescente. Pelo menos era este o plano até que algo de mau aconteceu.

Em outubro, um veículo conduzido por humanos em São Francisco atropelou um peão que voou para a frente do carro da Cruise. Este último parou, voltou a arrancar e passou por cima do peão durante vários metros. Inicialmente, a Cruise omitiu mostrar às autoridades imagens desses últimos metros. Este facto desencadeou a fúria justificada da administração e minou fortemente a confiança que esta depositava na Cruise, cuja autorização de funcionamento foi revogada.

A Cruise acabou por suspender a sua frota nos EUA. A GM, que detém mais de 80% da Cruise, está agora a reconsiderar os mais de 2 mil milhões de dólares que gasta anualmente com a empresa. A gestão de topo da empresa foi remodelada, 25% dos seus 3500 funcionários serão despedidos e foi iniciada uma reavaliação estratégica e cultural aprofundada.

Este ano também foi difícil para outros operadores de mobilidade autónoma. Na Europa, a Navya (vaivéns) entrou em processo de liquidação judicial. No sector dos transportes rodoviários dos EUA, a Embark e a Locomotion encerraram, a Waymo congelou as suas actividades de transporte rodoviário e a TuSimple está a encerrar as suas operações locais para se concentrar na China.

Os serviços comerciais de robotáxi na China parecem ter-se saído melhor do que nos EUA este ano. Os operadores locais receberam autorizações para operar em mais locais (com ou sem operadores de segurança), atingindo cinco cidades contra duas nos EUA. As principais empresas, Baidu, Pony.ai, AutoX ou WeRide, operam atualmente várias centenas de veículos deste tipo.

Quanto aos fabricantes de equipamento original (OEM), estes mudaram, de um modo geral, o seu foco para os ADAS de nível 2 e 3. Em 2023, a Mercedes EQS recebeu a primeira aprovação de sempre para uma solução de condução altamente assistida de Nível 3 (mãos livres, olhos livres) nos EUA, nomeadamente no Nevada e depois na Califórnia. A função pode ser accionada até 64 km/h (40 mph). Note-se que a tecnologia L3 foi aprovada pela primeira vez em 2022 na Alemanha (Mercedes EQS) e no Japão (Honda Legend).

Outras coisas dignas de registo

A enorme onda GenAI começou a impactar o setor automotivo. A Mercedes anunciou o teste beta do ChatGPT da OpenAI no Classe S nos EUA com o objetivo de “tornar o assistente de voz MBUX mais natural e adaptável, permitindo maior variação nas saídas de voz”. Obviamente, a GenAI também está a entrar nos escritórios da indústria para aumentar a eficiência.

Por outro lado, as trotinetes partilhadas sofreram um revés significativo em 2023. Os habitantes de Paris votaram a favor da sua proibição na Cidade das Luzes, que tem sido um mercado importante para esta solução. A utilização de trotinetes privadas continua a ser possível, uma vez que não obstruem os passeios e são provavelmente utilizadas por condutores mais experientes e, por conseguinte, mais seguros.

Algumas empresas em fase de arranque merecem ser mencionadas pela sua tecnologia e tração comercial. A Basemark (AR automóvel, Finlândia) está a ser produzida nos BMW iX e i7. As soluções da Sonatus (SW para acelerar o SDV, EUA) já foram implementadas em mais de 1 milhão de veículos. E a UltraSense (interface tátil, EUA) está a entrar em produção com o Genesis da Hyundai, estando previstas outras.

Por último, a angariação de fundos para as empresas em fase de arranque tornou-se mais difícil em 2023 do que já era em 2022. Mobilidade e autotech, como muitos outros setores verticais, experimentaram menos negócios e avaliações mais baixas, em particular para startups em estágio posterior. Isto resultou em despedimentos significativos em empresas tecnológicas de maior dimensão. Além disso, em 2023, os investidores continuaram a centrar-se na eficiência do capital (especialmente devido às elevadas taxas de juro), na geração de receitas e num caminho para a rentabilidade. Isto contrasta largamente com a procura de um crescimento puro, como foi o caso até 2021.

Aconteceram muitas outras coisas dignas de notícia no espaço da mobilidade que não posso abordar aqui. Continuarei a abordar algumas delas no meu boletim mensal, tal como tenho feito nos 82 artigos que publiquei até à data.

Gostaria de terminar esta análise de 2023 com uma nota algo otimista da COP28. Os 196 países reunidos no Dubai concordaram recentemente em fazer uma “transição para longe dos combustíveis fósseis”. No entanto, os líderes mundiais deveriam ter concluído em conjunto a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, um passo que os cientistas dizem ser necessário para atingir o objetivo de 1,5°C do Acordo de Paris de 2015.

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a startups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

A democratização do elétrico

Comentário de Jorge Farromba

Estamos em 2023 e o ano que passou foi aquele em que mais se venderam viaturas elétricas; e não é um acaso. Tal advém de duas causas principais: em primeiro, as normas europeias vieram obrigar a que as marcas tivessem de se reposicionar neste mercado dos automóveis elétricos, investindo em tecnologia, software e novas plataformas (além da componente da comunicação, adaptação, …)  para proporcionarem uma oferta alargada de modelos aos clientes; e, em segundo lugar, uma das (poucas) consequências benéficas da pandemia: o consumidor que se preocupa cada vez mais com a sua saúde e o seu bem-estar, e que passou a equacionar a aquisição de viaturas elétricas.

O mercado automóvel teve, por isso, de se adaptar rapidamente a todo este novo modo de vivermos em sociedade; os atores políticos tiveram de reinventar as cidades para aceitarem esta nova mobilidade e, no plano rodoviário, foi necessário dotar as várias estradas das necessárias condições para proporcionar carregamentos elétricos. A própria rede elétrica nacional teve de se adaptar para que exista eletricidade suficiente para todo o novo potencial de automóveis elétricos que vão circular em Portugal.

E, tal como na pandemia, onde nos focámos em ouvir muito mais a ciência, nos automóveis elétricos está acontecer algo similar, dado que estamos atentos ao papel dos investigadores e programadores que nos vão tentando oferecer cada vez melhores soluções na criação e otimização das baterias, no menor impacto ambiental ou numa nova tecnologia que permita oferecer maior autonomia e longevidade às mesmas.

Hoje já sabemos conversar e opinar sobre baterias líquidas, consumos das mesmas, baterias sólidas. E também que existem novos métodos de construção das mesmas, por exemplo, por módulos. Todo um novo mundo a que não estávamos habituados porque na altura utilizávamos gasóleo, gasolina ou GPL.

Mas esta nova mudança traz desafios. Não devemos/podemos dizer que é fácil uma tal mudança sem falhas, pois faz parte faz parte do setor automóvel (como da aviação, da medicina e tantos outros setores). Faz parte da vida! Têm surgido noticias de algumas situações de marcas, sejam avarias de software ou outros temas, alguns até por má utilização do condutor,  mas que, em nenhum momento, têm colocado a segurança em causa.

Sabemos que os nossos automóveis hoje se baseiam maioritariamente em software, criado por humanos, testado quase sempre por humanos, mas também já por máquinas. Tenta-se por isso ao máximo apostar em zero falhas, mas, tenhamos a certeza de que esse erro mínimo existe sempre, até ao momento em que consigam estabilizar o software e a tecnologia. Foi assim nos tempos passados e será assim sempre.

Por isso mesmo também a tecnologia OTA ajuda imenso na forma como é que é uma marca, assim que deteta um problema de software, o corrige e o distribui por todos os modelos sem necessidade de visita à oficina. E isso leva-nos para outro artigo, que é o de pensarmos como as marcas, no dia de hoje, se vão ter de adaptar para o novo mercado automóvel, onde o stand como o conhecemos pode vir a desaparecer, bem como as oficinas com as revisões tradicionais.

Mas sobre o tema deste artigo, fiquemos com a garantia de que os automóveis elétricos são hoje uma opção segura e em expansão, onde, nos vários milhares de quilómetros já percorridos com vários deles, raramente, reforço a palavra, encontrei registo de bugs, e que nunca beliscaram sequer a segurança.

A transição de uma tecnologia para outra é, e será sempre, acompanhada de oportunidades de melhoria, seja qual for o setor onde se inserem. Saibamos aproveitar o que de bom esta tecnologia tem trazido, em termos de disrupção, inovação, tecnologia, preservação do meio ambiente e de novos modos de estar e viver em sociedade.

Jorge Farromba é IT Project Manager na TAP Air Portugal

Comunidades de energia e autoconsumo colectivo. Que impacto na mobilidade elétrica?

Comentário de António Gonçalves Pereira

Captar, partilhar, descentralizar, democratizar. Estas são as primeiras palavras que me ocorrem, e que utilizo na minha actividade diária de sensibilização, quando penso nestas soluções comunitárias de geração e fornecimento de energia. Mas será que terão um impacto positivo considerável também na mobilidade elétrica?

O ‘trilema’ energético

A transição de energias poluentes e finitas para as limpas e renováveis é um dos temas mais na ordem do dia há já alguns anos. Infelizmente, foi necessário a Terra começar a demonstrar-nos, de forma cada vez mais eloquente, que estávamos a comprometer a nossa sobrevivência enquanto espécie para que se começasse a criar um movimento de evolução de mentalidades e de procedimentos. E se, inicialmente, eram vozes dispersas e com pouca visibilidade a alertar-nos, nos últimos tempos parece finalmente ter-se entrado numa fase em que esta necessidade de evolução é inquestionável. E com isto não quero dizer que não exista ainda quem a continue a negar mas sim que essas vozes conservadoras e anacrónicas já estão completamente esvaziadas de argumentos. E, se inicialmente vinham também de detentores de posições de poder e de decisão, hoje em dia já estão praticamente restritas a ‘Velhos do Restelo’ e eternos viciados em teorias da conspiração ou em crendices às quais já nem de religiosas se pode apelidar.

Assim sendo, tem-se vindo a incentivar, ou até mesmo já a exigir, que a energia de que necessitamos para todos os aspectos da nossa vida deixe de vir de combustíveis de origem fóssil e que se passem a aproveitar as várias fontes de energia sustentável que desde sempre nos rodeiam, como o sol, o vento ou as correntes hídricas.

Uma das ferramentas para incentivar que esta transição seja efectuada de forma rápida mas justa é o índice de ‘Trilema Energético Mundial’, criado em 2010. Trata-se de uma medição anual dos desempenhos dos sistemas nacionais de energia em cada uma de três dimensões e do equilíbrio entre estas. São elas: 

  • Segurança Energética – mede-se a capacidade de uma nação em atender à demanda de energia actual e futura de forma confiável, de resistir e se recuperar rapidamente de choques no sistema com interrupção mínima do fornecimento. Esta dimensão abrange a eficácia da gestão de fontes de energia domésticas e externas, bem como a confiabilidade e resiliência da infraestrutura energética;
  • Equidade Energética – avalia a capacidade de um país de fornecer acesso universal a energia confiável, acessível e abundante para uso doméstico, comercial e industrial. Esta dimensão analisa o acesso básico à eletricidade e a tecnologias e combustíveis limpo, com níveis de consumo de energia que permitam o conforto e a prosperidade;
  • Sustentabilidade Ambiental dos Sistemas de Energia – representa a transição do sistema de energia de um país para mitigar e evitar possíveis danos ambientais e impactos das mudanças climáticas. Esta dimensão foca-se na produtividade e eficiência da geração, transmissão e distribuição, descarbonização e qualidade do ar;

Como se vê, sendo as 3 vertentes necessárias em conjunto, e não a opção entre eles, deveríamos estar a falar de ‘trifactor’ e não de ‘trilemma’. Mantenhamos isso em mente.

Alternativas à rede

Em Portugal os dados actuais apontam para várias centenas de milhares de cidadãos em situação de pobreza energética, aos quais se juntam mais de um milhão em situação de precariedade no que toca a esta necessidade básica. Simultaneamente, continuamos a assistir ao anúncio frequente da construção de megaprojectos energéticos, tanto eólicos como fotovoltaicos. Não híbridos mas de uma ou outra tecnologia, o que, ao que tudo parece indicar, será menos eficaz. Infraestruturas de grandes dimensões e enormes impactos ambientais, mesmo sendo as fontes sustentáveis, desenhadas para alimentar a rede. Ou seja, energia para ser transportada em alta tensão à outra ponta do país, com os inerentes riscos e desperdícios, e não para consumo de proximidade. 

Entretanto, foi aprovada legislação para que existam reais alternativas à rede, como as Comunidades de Energia, o Autoconsumo Colectivo, a Cogeração. Uma vez que não é previsível que haja a breve trecho uma aposta ao nível municipal ou regional em unidades de captação para consumo de proximidade, com todas as vantagens que daí adviriam nas 3 dimensões do ‘trilema’, estas são as soluções que nos podem dar alguma esperança de que poderemos caminhar para uma energia mais segura, democrática e sustentável.

Acresce ainda que, segundo a Agência Internacional de Energia, mais de metade da necessária redução das emissões de gases de efeito estufa até 2050 está dependente, directa ou indirectamente, de escolhas e atitudes individuais. Isto torna ainda mais relevante a necessidade de acções e projectos de escala local. De vila, de bairro, de quarteirão, de condomínio, de comunidade próxima. Ainda assim, a Comissão Europeia estima, talvez algo optimistamente, que nessa data cerca de metade dos seus cidadãos já estarão a produzir a sua própria energia renovável.

Portugal transpôs a lei europeia de uma forma algo diluída conceptualmente, permitindo que os grandes agentes de mercado possam manter as suas práticas predatórias. Ainda assim, e a acrescentar a soluções cooperativas já existentes, começamos a ver nascer estas comunidades, muitas delas também com uma forte vertente solidária. E vai havendo também um muito considerável crescendo de consultas, de pedidos de informação e de sessões de esclarecimento e sensibilização, um pouco por todo o país, o que deverá resultar naturalmente num aumento exponencial de adopção destas soluções. 

Impacto na mobilidade elétrica

Para não correr o risco de que o que aqui escrevo estivesse demasiado influenciado pela minha postura sensibilizadora, alimentadora de esperanças e positivismo, decidi colocar a questão a um painel de especialistas e agentes de mercado, tanto da área da energia como da mobilidade. Com algumas variações de perspectiva e na rapidez dos resultados, esta consulta permitiu-me concluir que a minha percepção inicial deverá estar correcta.

Curiosamente, constata-se que, já antes do aparecimento legal destas soluções colectivas, em muitos casos foi a mobilidade elétrica que teve impacto na adopção de autoconsumo e não o inverso. Ou seja, muitos que compraram um carro elétrico e tinham essa possibilidade, instalaram painéis fotovoltaicos por isso mesmo, passando assim a circular quase, senão mesmo, a custo zero.

É verdade que, na maioria dos casos, a vertente financeira continua a ser a primeira das razões para se avançar para soluções sustentáveis. Felizmente que, até por economia de escala, estas estão cada vez mais competitivas mesmo no curto prazo. E assim, gerou-se uma bola de neve conjunta entre a mobilidade elétrica e a energia sustentável, uma impulsionando a outra, não havendo sempre uma relação causa-efeito linear.

Da consulta resultou consensual que as comunidades de energia sustentável e as de autoconsumo colectivo terão um impacto positivo na mobilidade elétrica, variando as opiniões somente na importância desse impacto e, sobretudo, na rapidez com que possa acontecer. Deverá manter-se a relação já existente entre ambas o que implicará, com o crescimento de uma, o mesmo acontecerá à outra. Por exemplo, num condomínio, tanto pode acontecer avançar-se para uma destas opções colectivas por já haver vários condóminos a ter ou querer ter um veículo elétrico, como o contrário. Ou seja, a solução energética comunitária surgir por questões financeiras e/ou ambientais e isso resultar depois em aquisições de viaturas elétricas.

Também nos muitos casos em que a razão, ou desculpa, para não avançar para a compra de um carro elétrico é a impossibilidade de carregar em casa, estas soluções colectivas poderão ter um papel crucial, sobretudo se no projecto se incluir também estações de carregamento comunitárias.

Estas soluções são, portanto, uma nítida facilitação e democratização do acesso à energia. Parece-me que o seu impacto no crescimento da mobilidade elétrica será muito considerável, sobretudo quando for acompanhado por uma democratização também do lado desta. Ou seja, quando crescer a oferta de gama média-baixa e, sobretudo, quando houver uma aposta na conversão de veículos a combustão para elétricos.

E se não nos focarmos somente nos automóveis mas alargarmos a análise a motociclos, bicicletas ou trotinetas, o impacto na aceleração da evolução para opções elétricas poderá ser ainda muito mais considerável. Assim não permitamos que os grandes operadores, ou um em particular, consigam atrasar este processo de captação partilhada, descentralização e democratização da energia.

António Gonçalves Pereira é Presidente da Ecomood Portugal e Embaixador do Pacto Europeu para o Clima.

O autor não escreve de acordo com as normas do Acordo Ortográfico de 1990.