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Como instalar um Ponto de Carregamento para Veículo Elétrico em casa ou no Condomínio

Uma das questões mais comuns recebidas pela UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos é “como instalar um Ponto de Carregamento de Veículo Elétrico (PCVE) em casa ou no Condomínio” e como resolver conflitos e esclarecer certos mitos sobre essa instalação.

Desde as instalações mais simples até às wallbox, serve o presente artigo para auxiliar no processo de instalação de um PCVE em casa ou num condomínio.

Quando se trata da instalação de um PCVE numa moradia privada, ou numa garagem que dispõe de uma ligação entre o lugar de garagem e a fração – obrigatório em novas construções para habitação, desde julho de 2010 –, o utilizador deverá garantir que a instalação será realizada por um eletricista certificado e que a instalação cumpre os requisitos de segurança. O técnico que realizar a instalação deverá ter conhecimento e cumprir o Guia Técnico das Instalações Elétricas para a Alimentação de Veículos Elétricos (Edição 3, publicada em 2023 pela DGEG – Direção Geral de Energia e Geologia, ver links úteis). Se existir potência disponível no ramal, pode ainda optar por solicitar um aumento da potência contratada, bastando para isso contactar o seu comercializador de energia. Caso a instalação não necessite de acesso a áreas comuns do prédio, não necessita de informar o condomínio.

Quando se trata de uma instalação de um PCVE, em que este terá de ser ligado ao quadro de serviços comuns do prédio ou a instalação passe por áreas comuns, deverá conhecer a legislação que regula a instalação deste tipo equipamento, em edifícios existentes, que data de 2010 e que foi revista em 2014 (ver links úteis).

Para melhor compreender o que este processo implica, passamos a explicar e o que necessita fazer, em 3 passos:

Informar, por escrito, o Condomínio da sua intenção em instalar um PCVE

Segundo o Artigo n.º 29 do Decreto-Lei n.º 90/2014, que altera o Decreto-Lei n.º 39/2010, o condómino,arrendatário ou ocupante legal deverá informar, por escrito, a administração de condomínio da sua intenção em instalar um PCVE com ligação ao quadro de serviços comuns na garagem do edifício, a realizar por uma entidade certificada.

A UVE dispõe de uma minuta para esta comunicação (ver links úteis) que pode utilizar para informar o condomínio sobre a intenção de instalar um PCVE.

Aguardar 30 dias por uma resposta por parte do Condomínio

A administração de condomínio terá 30 dias – a contar da data de entrega da comunicação por escrito – para negar a instalação (por 2/3 de votos da permilagem do condomínio, e não votos de uma assembleia), mas apenas se a justificação se basear em pelo menos uma das seguintes situações:

  1. Quando, após comunicação da intenção de instalação, o condomínio proceder, no prazo de 90 dias, à instalação de um PCVE para uso partilhado que permita assegurar os mesmos serviços, a mesma tecnologia e as necessidades de todos os seus potenciais utilizadores;
  2. Quando o edifício já dispõe de um PCVE ou tomada elétrica para uso partilhado que permita assegurar os mesmos serviços e a mesma tecnologia;
  3. Quando a instalação do PCVE ou tomada elétrica, proposto pelo condómino, coloque em risco efetivo a segurança de pessoas ou bens ou prejudique a linha arquitetónica do edifício.

Se não receber uma resposta negativa, pode instalar o PCVE

Caso, no prazo de 30 diaso condomínio não apresentar uma justificação – baseada numa das 3 situações suprarreferidas – para que o condómino não possa instalar o seu PCVE, então pode avançar com a instalação proposta na comunicação enviada ao condomínio.

Dicas importantes para apresentar o seu pedido da melhor forma junto da administração de Condomínio:

– Peça uma visita técnica prévia por parte de um eletricista certificado ou de uma empresa de instalação de PCVE

Antes de decidir o que pretende instalar, é importante perceber se pode de facto fazê-lo sem que o Condomínio possa questionar a viabilidade da sua instalação. É muito importante ter o aconselhamento por parte de quem vai efetuar a intervenção no prédio, para evitar que recusem a sua instalação e tenha de recomeçar todo o processo com o Condomínio.

É igualmente importante que o técnico que realize a instalação tenha conhecimento do Guia Técnico das Instalações Elétricas para a Alimentação de Veículos Elétricos (Edição 3, publicada em 2023 pela DGEG – Direção Geral de Energia e Geologia, ver links úteis) para que possa aconselha-lo quanto a instalação que pode efetuar no seu prédio.

– Envie o máximo de detalhe possível sobre a instalação para garantir a compreensão de quem recebe o seu pedido

Nem todos os condóminos e administrações de condomínio estão familiarizados com veículos elétricos e o que significa carregá-los em casa/condomínio a baixa tensão. Infelizmente, existe muita informação errada, criada propositadamente para gerar receio sobre o carregamento de veículos elétricos em casa. É importante garantir que, com uma instalação efetuada corretamente – tal como qualquer instalação elétrica –, esses receios sobre o carregamento de veículos elétricos são completamente infundados.

– Em caso de dúvida, reencaminhe a situação para a UVE

Pode recorrer à UVE, no papel de associado, para esclarecer as suas dúvidas gerais sobre o processo para instalar um PCVE na sua casa ou condomínio. No caso de necessitar de apoio mais aprofundado ou caso o condomínio não aceite o pedido de instalação, a UVE providencia apoio jurídico aos seus Associados para que possa apelar a decisão da administração de condomínio. Os Associados UVE beneficiam também de um conjunto de descontos na instalação de equipamentos de carregamento e cabos para veículos elétricos, conheça a seleção de parceiros (mais de 70) com descontos e todas as vantagens em ser Associado da UVE, aqui.

Links Úteis:

Decreto Lei n.º 90/2014, de 11 de junho (link) que altera o Decreto Lei n.º 39/2010, de 26 de abril (link) | consultar o Artigo n.º 29 “Pontos de carregamento em edifícios existentes”

Minuta para comunicação da intenção de instalação de um PCVE em condomínio (link) | documento criado pela UVE para facilitar a comunicação ao condomínio

Guia Técnico das Instalações Elétricas para a Alimentação de Veículos Elétricos – Versão 3: 2023-09-14, DGEG (link) | documento que deverá ser do conhecimento por parte do técnico que efetuar a instalação do PCVE

A UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, é um organismo sem fins lucrativos e Entidade de Utilidade Pública, com a missão de promover a mobilidade elétrica.
Surgiu a partir da necessidade de representar oficialmente e dar voz a uma já significativa comunidade de proprietários, utilizadores e simpatizantes de veículos 100% elétricos e híbridos plug-in em Portugal.
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EVs e a rede elétrica – Aproveitando as baterias sobre rodas

O mercado dos veículos elétricos a bateria (BEVs) está a crescer a nível mundial. Este aumento permite não só opções de mobilidade muito mais sustentáveis, mas também novas formas de transformar o mercado da energia. Estas “baterias sobre rodas” podem transformar-se em centrais eléctricas virtuais, gerando eletricidade para apoiar a rede (veículo para a rede ou V2G), bem como para alimentar casas (veículo para casa ou V2H) ou as ferramentas de um artesão (veículo para carga ou V2L). Os VEB podem, assim, proporcionar um acesso mais resiliente à eletricidade, criando simultaneamente novos fluxos de receitas.

Em 2022, foram vendidos 7,7 milhões de VEB a nível mundial, prevendo-se que este número ultrapasse os 10 milhões em 2023, ou seja, uma quota de 14% do mercado de veículos ligeiros. No final de 2022, a base instalada global de VEB atingiu 18 milhões de unidades – incluindo 10,7 na China, 4,4 na Europa e 2,1 nos EUA – e aumentará para 28 milhões até ao final do ano. Isto pode representar pouco mais de 2% do mercado até ao final de 2023, mas o rácio está a crescer rapidamente e espera-se que atinja cerca de 18% até 2030 (de acordo com a BloombergNEF).

As baterias instaladas nos actuais VEBs representam uma capacidade energética de cerca de 1 TWh. Em comparação, o consumo residencial de eletricidade ascende a cerca de 25 kWh por agregado familiar e por dia nos EUA. Se pudéssemos utilizar diariamente um terço da capacidade total das baterias dos VEB (por exemplo, alternar o estado de carga de uma bateria entre 50% e 80%), poderíamos alimentar cerca de 15 milhões de casas atualmente. Melhor ainda, poderíamos aliviar os cortes de energia, que estão longe de ser invulgares nos EUA.

É evidente que as energias renováveis, que desempenham um papel central na produção de eletricidade ecológica, estão longe de corresponder à nossa procura de energia. É o caso, nomeadamente, da energia fotovoltaica. A chamada “curva do pato” (abaixo, Califórnia em abril de 2021) mostra as discrepâncias entre a oferta e a procura durante as 24 horas de um dia. Entre as 13h00 e as 15h00, a procura líquida é a mais baixa, enquanto atinge o seu pico entre as 19h00 e a meia-noite.

A utilização das baterias dos veículos eléctricos oferece um benefício significativo em termos de CO2 durante os períodos de pico da procura líquida. Os veículos eléctricos são normalmente estacionados numa altura em que os painéis fotovoltaicos não estão operacionais – o sol está baixo! Normalmente, os serviços de utilidade pública respondem a este pico de procura de energia ligando as centrais eléctricas alimentadas a gás geradoras de CO2. Os VEs podem fornecer energia em vez destas centrais eléctricas, recarregar durante o período de menor procura de energia, ou seja, entre a meia-noite e as 6 da manhã, e estar prontos para a sua viagem diária.

Eis mais uma prova de que esta solução está a resolver um problema real. No nordeste dos EUA, o operador de serviços públicos de Vermont solicitou recentemente aos reguladores estatais autorização para comprar baterias que irá instalar nas casas dos clientes, a fim de atenuar os cortes de energia. A razão é simples: trata-se de uma alternativa económica à modernização da rede. O conjunto de baterias dos veículos eléctricos pode certamente desempenhar parte desse papel, especialmente porque esta capacidade energética está cada vez mais disponível.

OEMs mostram interesse em desempenhar um papel fundamental
Em 2015, a BMW e a empresa de eletricidade da área da Baía de São Francisco, Pacific Gas & Electric (PG&E), iniciaram um projeto conjunto para avaliar os potenciais benefícios da otimização dos horários de carregamento dos veículos elétricos com base na carga da rede e no preço por kWh. Os proprietários de veículos foram pagos para adaptarem os seus padrões de carregamento. Durante um ano, foi transferida energia equivalente a 19 MWh e a carga da rede foi reduzida em até 100 MW. Em maio último, a colaboração foi prolongada até 2026. De acordo com o comunicado de imprensa, “a BMW irá desenvolver uma frota de teste de veículos eléctricos que será utilizada nas operações diárias e servirá como recurso da rede para ajudar a integrar as energias renováveis e equilibrar a rede”.

De forma semelhante, a Ford e a PG&E anunciaram um projeto conjunto em 2022 para avaliar a potencial utilização da tecnologia de energia bidirecional na sua pick-up Lightening para fornecer aos utilizadores até 10 dias de energia às suas casas durante uma falha de energia. Tendo em conta a fiabilidade relativamente fraca da rede eléctrica nos EUA, esta mensagem terá eco na maioria dos proprietários de casas. Ainda no ano passado, a GM também iniciou um projeto com a PG&E para explorar o potencial do carregamento bidirecional. Porquê a PG&E, pode perguntar-se? Porque cerca de 20% de todos os VEs a bateria vendidos nos EUA estão na área da baía de SF.

Vários OEM importantes estão agora a manifestar um forte interesse em aproveitar a grande capacidade de energia associada à sua frota de veículos eléctricos para gerar novos fluxos de valor. No mês passado, a BMW, a Ford e a Honda anunciaram a criação da ChargeScape, uma empresa centrada na tecnologia V2G. Esta empresa estabelecerá uma plataforma para ligar de forma transparente os serviços de eletricidade, os OEM e os clientes de veículos eléctricos para gerir a utilização de energia. Permitirá que os clientes de veículos eléctricos obtenham benefícios financeiros através de uma variedade de serviços de gestão de carregamento e de partilha de energia. Prevê-se que as operações nos EUA e no Canadá comecem em 2024.

E a Tesla? O líder dos veículos elétricos produziu mais de 5 milhões de veículos desde 2012, a maioria dos quais ainda está a funcionar. Isto equivale a aproximadamente 350 GWh. A Tesla está na melhor posição para liderar o caminho, especialmente porque, segundo sei, a sua eletrónica de potência é capaz de transferir energia bidireccionalmente. No entanto, é provável que o líder dos veículos eléctricos não active esta funcionalidade até que exista um forte argumento comercial, uma vez que irá canibalizar o seu negócio Powerwall (mais de 500.000 instalados até à data).

Permitir a transferência bidirecional de energia
A transferência bidirecional de energia está disponível com a norma CHAdeMO específica dos OEM japoneses, ou seja, veículos Nissan e Mitsubishi, desde o primeiro dia. Esta funcionalidade foi introduzida nos veículos equipados com CCS nos últimos dois anos. Atualmente, inclui a pick-up Ford Lightening, alguns modelos Hyundai e o ID.Buzz da VW. Recentemente, a GM anunciou que irá implementar a capacidade de transferência bidirecional de energia em todos os seus veículos eléctricos a partir do modelo do ano 2026.

Todos os OEMs acabarão por oferecer esta funcionalidade. Não esqueçamos que os veículos eléctricos podem oferecer uma capacidade energética muito significativa, em especial nos EUA. Por exemplo, as opções de bateria vão até 224 kWh no Hummer EV da GM (e em breve no Silverado) e 180 kWh no R1T e R1S da Rivian. As capacidades energéticas dos VE tendem a ser mais pequenas na Europa e na China, onde os veículos são mais leves e os compradores se satisfazem com gamas mais curtas. No entanto, todos os VE oferecem algum potencial de produção de energia.

Para maximizar os benefícios das nossas “baterias sobre rodas”, os utilizadores de veículos terão de garantir que os seus carros estão ligados o mais frequentemente possível e aceitar um risco marginal no estado de carga dos seus veículos. O primeiro ponto pode ser resolvido com o carregamento automático, ou seja, o VE liga-se à rede elétrica em casa (ou no escritório). Por exemplo, a start-up francesa Gulplug oferece uma solução de carregamento condutivo e mãos-livres que faz exatamente isso.

Falando de carregadores, a Nissan e a Fermata Energy anunciaram em 2022 que o OEM aprovou o carregador bidirecional desta última para o Nissan Leaf nos EUA. É importante notar que a Nissan afirma que a sua utilização não afectará a garantia da bateria do Leaf. Outras empresas oferecem carregadores domésticos com capacidade V2H/V2G, como a Wallbox ou a Kaluza.

O que foi dito acima não é isento de desafios
Com que rapidez e qualidade evoluirão os serviços de utilidade pública para permitir as opções aqui apresentadas? Os modelos operacionais e os modelos de negócio devem ser adaptados para além do que tem sido feito para lidar com a energia gerada por painéis fotovoltaicos no telhado – por exemplo, medição líquida. Os VEs trarão uma escala diferente e muito mais flexibilidade do que a energia solar. Exigirão também uma gestão rigorosa do ciclo de carga/descarga, incluindo a compreensão da utilização previsível de cada VE para evitar que o seu utilizador fique preso a uma bateria insuficientemente carregada quando o VE é necessário.

Qual será o impacto a longo prazo das baterias em ciclo com o objetivo de gerar energia? Quem assumirá a responsabilidade pela perda potencialmente acelerada da capacidade líquida e, por conseguinte, do seu valor? Suspeito que o carregamento/descarregamento lento (por exemplo, 7 kW) e os ciclos pouco intensos (por exemplo, entre 30 e 70% da capacidade das baterias de iões de lítio) atenuariam este risco. Além disso, os OEM assumirão esta potencial responsabilidade por veículos alugados que gerarão receitas para eles próprios e para os seus utilizadores. O compromisso da Nissan de manter a sua garantia, como acima referido, é prometedor, uma vez que o OEM tem 12 anos de experiência na venda de VEB.

Estou convencido de que estes desafios serão ultrapassados com soluções adequadas ao longo do tempo e que os VEB acabarão por desempenhar um papel fundamental no sector da energia.

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a startups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

Serão os minicarros económicos o futuro da mobilidade urbana?

A mobilidade urbana tem vindo a sofrer uma grande transformação nos últimos anos, com o desenvolvimento do transporte de passageiros e da micromobilidade, uma mudança emergente da propriedade para o transporte de passageiros, bem como a eletrificação em todos os modos. Em 2022, os veículos elétricos a bateria (BEV) representavam cerca de 5% das vendas de veículos novos nos EUA, 12% na Europa e 22% na China. No entanto, a indústria parece tentar reproduzir com os VEB algumas das características dos veículos atuais, em particular o seu formato e a sua autonomia, apesar do que isso significa para as cadeias de abastecimento de baterias e para o peso dos veículos.

Na Europa, na China e, em menor grau, nos EUA, surgiu recentemente uma nova categoria de veículos concebidos para utilização urbana – a categoria mais próxima no Japão é a dos “kei cars”. Normalmente, oferecem lugares para duas pessoas, uma autonomia de 100-150 km e uma área de ocupação muito pequena (menos de 3 m de comprimento, o que ajuda no congestionamento e no estacionamento) com um custo de 5-15 mil dólares. Porque é que estes minicarros frugais fazem sentido e podem tornar-se populares?

A oferta de VEB diverge em termos de dimensão e capacidade da bateria

Os EUA e a China oferecem mercados de VEB muito diferentes. O primeiro é o lar do absurdo Hummer EV da GM. O seu pack de 210 kWh proporciona ao SUV de mais de 4 toneladas (das quais cerca de 1,3 toneladas só para a bateria) uma autonomia estimada de 480 km ou 300 milhas EPA. Da mesma forma, o SUV da Rivian oferece um conjunto de baterias de 135 kWh com uma autonomia de 505 km (316 milhas EPA) – está a ser preparado um conjunto de 180 kWh.

No extremo oposto, o mercado chinês de VEB é dominado pelo minúsculo Wuling Mini EV produzido pela SAIC-GM-Wuling (sim, uma parceria de 44% com a GM) que se insere na categoria local A00. Em 2022, foram vendidas 554 mil unidades deste minicarro de 5 mil dólares. Estão equipados com um pack de 9 ou 14 kWh, 170 km de autonomia máxima e capacidade para 2+2 lugares – um verdadeiro automóvel urbano.

Apesar destes extremos, a maioria dos veículos vendidos em ambos os mercados e na Europa está equipada com baterias que variam essencialmente entre 40 e 80 kWh, resultando numa autonomia EPA de 250 a 500 km. Os veículos de grandes dimensões (por exemplo, Tesla Model S, Mercedes EQS) têm baterias de 100-110 kWh, que permitem uma autonomia de até 800 km.

Alguns esforços para adequar o tamanho do veículo às necessidades reais

As gamas anteriormente descritas excedem o que uma utilização regular exige, partindo do princípio que se pode carregar em casa, no trabalho ou enquanto se faz compras – isto é particularmente verdade em ambientes urbanos. De facto, 46% de todas as viagens efectuadas nos EUA são inferiores a 5 km e 77% inferiores a 16 km. Faz sentido carregar constantemente uma bateria pesada para os 5% de todas as viagens que excedem os 50 km?

Há espaço para veículos mais económicos que são mais leves graças a um formato mais compacto e a uma bateria muito mais pequena. A Noruega, com uma penetração de 71% de VEB em 2022, parece estar a impulsionar o seu próprio mercado nesta direção com um novo regime fiscal. A partir de janeiro de 2023, os VEB serão tributados em 12,5 NOK (1,15 euros) por cada quilograma acima dos 500 kg de peso do veículo. Para um VW ID.4, por exemplo, isto traduz-se num imposto de 1 700 euros para a versão de 52 kWh contra 1 900 euros para a de 77 kWh. Para além disso, é agora aplicado um IVA de 25% à parte do preço de um VEB superior a 500k NOK (45k€).

Enquanto a Noruega promove os VEB mais leves e menos dispendiosos, o Congresso dos EUA aprovou no verão passado a Lei de Redução da Inflação, que tende a ir na direção oposta. Embora o IRA amplie claramente os esforços de eletrificação da indústria, considero absurdo que favoreça os veículos maiores e mais pesados. Com efeito, o mesmo incentivo de até 7 500 dólares por veículo será oferecido aos SUV e camiões ligeiros até 80 000 dólares contra 55 000 dólares para os sedans. Isto levará a uma maior utilização de baterias e matérias-primas em geral – e promoverá veículos que são conhecidos por serem mais perigosos para os outros utentes da estrada.

Frugalidade na conceção

A redução das dimensões e da massa de um veículo tem, em geral, um impacto positivo nos seus requisitos globais de conceção. Este processo conduz a um ciclo virtuoso em que um veículo mais leve permite componentes do chassis e do grupo motopropulsor mais pequenos (travões, suspensão, motor, bateria para uma determinada autonomia, etc.), o que, por sua vez, torna o veículo mais leve.

O Dacia Spring do Grupo Renault é um excelente exemplo de um veículo económico. Este pequeno SUV elétrico a bateria (3,73 m de comprimento) tem um peso em vazio de apenas 970 kg. Como resultado, a sua bateria de 27 kWh alimenta um motor de 33 kW ao longo de uma autonomia WLTP de 225 km, com capacidade para 5 pessoas. Este veículo frugal de 20k€ (IVA incluído) prova o potencial de uma solução de engenharia limitada. Ainda não é o veículo urbano ideal.

Os minicarros são o futuro da mobilidade urbana?

Em 2012, a Renault apresentou o Twizy. Muito leve (473 kg), este veículo de 2 lugares dispõe de uma bateria de 6 kWh com capacidade para 120 km de autonomia WLTP e uma velocidade máxima de 80 km/h. Com um preço de 12 300 euros em França, este foi o primeiro automóvel que os adolescentes de 14 a 16 anos – consoante o país europeu – puderam conduzir sem carta (versão de 45 km/h). O futuro sucessor do Twizy é apresentado em cima.

Nos últimos dois anos, surgiu uma série de veículos compactos semelhantes e de baixo preço, também conhecidos como minicarros, que mostram o que poderá vir a ser a solução de facto para responder à maioria das necessidades de mobilidade urbana. Quase todos oferecem apenas dois lugares, em tandem ou lado a lado, e têm um preço entre 8 e 15 mil euros. Apresentam uma autonomia WLTP de 75 a 200 km graças a baterias com capacidades de 6 a 14 kWh.

Introduzido em 2020, o Citroën AMI da Stellantis (ver acima) replicou a mesma abordagem com um VE de dois lugares, lado a lado, com um preço de 7,8 mil euros (IVA incluído). O VE minimalista destina-se a adolescentes e outras pessoas sem carta de condução com um desempenho que satisfaz as necessidades urbanas, ou seja, uma autonomia de 75 km com uma bateria de 5,5 kWh.

A maioria dos veículos deste segmento oferece uma versão que não requer carta de condução na Europa, uma vez que se qualifica para a sua classificação L6e ou “quadriciclo ligeiro”. Isto significa um peso máximo de 425 kg, uma potência inferior a 6 kW e uma velocidade máxima de 45 km/h. Normalmente, também são oferecidas versões certificadas na categoria L7e. Embora exijam uma carta de condução normal, dispensam a maioria dos requisitos dos testes de colisão em troca de uma velocidade máxima limitada a 90 km/h e de uma potência limitada a 15 kW.

Nos EUA, não existe uma classificação equivalente à L6e, mas existe uma para a L7e. Os “veículos de baixa velocidade” têm um limite de velocidade de 40 km/h (25 mph) e um peso bruto máximo do veículo de 1135 kg (2500 lbs). Os veículos desta categoria são normalmente derivados dos carrinhos de golfe, por exemplo, o Polaris GEM e2 que oferece 160 km de autonomia com uma bateria com capacidade até 12 kWh que alimenta um motor de 5 kW.

Enquanto o mercado de veículos sem carta de condução (L6e) é provavelmente impulsionado pelo interesse decrescente da Geração Z em obter uma carta de condução, o mercado de versões mais potentes (L7e) deverá crescer graças à mudança da propriedade do veículo para o transporte de passageiros. Estes veículos serão provavelmente utilizados em grande parte em frotas partilhadas em ambiente urbano. Alguns destes minicarros podem mesmo ser concebidos especificamente para este fim, como o EV da Circle (ver acima), que será utilizado pela primeira vez numa frota partilhada em Paris no final de 2023.

Estes veículos não são VEs baratos. O seu baixo preço é possível graças a características limitadas que são suficientes para a mobilidade urbana pessoal, enquanto o seu design é geralmente agradável. Exemplos dignos de tais veículos são o Microlino (Suíça, ver abaixo), o XEV Yoyo (Itália), o Silence S04 (Espanha), o Eli Zero (EUA), o Triggo (Polónia), o City Transformer (Israel) ou o Nimbus One (EUA).

Quinze mil veículos L6e e L7e foram vendidos na Europa em 2022, de acordo com a estimativa da IDTechX, contra 9 mil em 2021, impulsionados pelas vendas da Citroën AMI. Imagina-se que esses veículos se tornem comuns nos densos centros urbanos da Europa, é menos o caso nos EUA, exceto possivelmente em lugares como Nova York, Los Angeles ou São Francisco. O tempo o dirá.

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a startups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

A indústria portuguesa de componentes para automóveis – números e desafios

A indústria portuguesa de componentes para automóveis tem-se mostrado um setor de atividade económica pujante, com empresas e bons exemplos que se têm consolidado nos últimos anos. 

Estão hoje mais competitivas num quadro de indústria 4.0 e têm demonstrado uma elevada capacidade de resposta aos enormes desafios do mercado automóvel, que, de repente, foi confrontado com as novas variáveis da eletrificação – entre outros desafios que tenho vindo a debater nesta coluna de opinião.

A mudança é sempre boa se for para melhor e é uma constante, embora nem sempre para melhor. A questão decisiva é a velocidade a que se impõe essa mudança/transformação, pois a velocidade obriga a adaptação rápida. E isso não é fácil, seja na indústria ou mesmo em nós e nos nossos comportamentos.

O contributo é, hoje, muito relevante para a economia portuguesa – 5,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2022 –, no contexto da evolução da indústria e da produção de bens transacionáveis, mas também no contributo para o desenvolvimento de tecnologia, conhecimento, profissionalização, capacitação de processos de gestão e criação de emprego.

Entre 2015 e 2021 foram investidos mais de 5 mil milhões de euros, o que representa 17% do investimento de toda a indústria transformadora (produção, tecnologias, conhecimento e processos). Acrescente-se que o setor conta com um significativo investimento estrangeiro em Portugal, a que se junta uma dinâmica exportadora muito significativa.

Note-se que 98% dos carros produzidos na Europa têm pelo menos um componente fabricado em Portugal. E saliento, adicionalmente, a muito relevante indústria dos moldes para injeção de plásticos, que não está retratada aqui nos “componentes”, mas considero complementar e da qual me sinto orgulhosamente próximo. Senão vejamos: 85% dos moldes produzidos são para a indústria automóvel e 90% da produção é para mercados externos – somos, orgulhosamente, os terceiros maiores produtores europeus e os oitavos em termos mundiais.

A indústria de componentes para automóveis é constituída por mais de 350 empresas. É uma indústria transversal a muitos setores – metalúrgico, metalomecânico, elétrico e eletrónico, químico, têxtil, dos plásticos, do vidro, da borracha, dos curtumes, etc. – que emprega diretamente mais de 62 000 pessoas – o que corresponde a 9% do emprego da indústria transformadora – e tem um forte efeito multiplicador.

Se alargarmos para todo o cluster automóvel e não só de componentes, são acima das 1100 empresas, 0,9% das quais trabalham para a indústria automóvel de componentes. Quanto ao número de trabalhadores, ocluster automóvel está próximo dos 90 000 empregados diretos na indústria. 

Apesar destes bons números, a verdade é que os desafios e as mudanças são enormes e o futuro não será fácil, não só para Portugal como para toda a indústria a nível europeu – acima de tudo devido à competitividade com outras geografias como a asiática (principalmente a chinesa). A entrada na Europa de carros elétricos de fabrico chinês promete algumas mossas e muita competição. Note-se que a China absorve 60% das compras de automóveis elétricos no mundo e, nos próximos anos, será muito difícil construí-los sem alguma forma de cooperação com produtores chineses. De facto, como já referi noutros artigos, a China domina os processos de fabrico e a refinação de matérias-primas da transição energética – mais de metade das baterias de carros elétricos em circulação são produzidas por empresas chinesas, assim como dois terços das células de baterias. Estava consciente destes números e deste domínio da cadeia de valor?

O ano de 2023 promete ser um ano-recorde para a produção automóvel nacional. O ano de 2022 já foi o segundo melhor de sempre, ultrapassando a fasquia dos 300 mil veículos produzidos. As duas principais fábricas nacionais, Autoeuropa e Stellantis, produziram mais 30,2% e 28,6% de veículos, respetivamente, nos cinco primeiros meses de 2023.

Nunca é demais relembrar que quase todos os veículos produzidos em Portugal (cerca de 97%) têm como destino o mercado externo. Para perceber a importância da indústria automóvel de componentes nacional, fixe este número: 95% dos automóveis novos fabricados na Europa têm componentes feitos em Portugal.

Outro dado, como curiosidade: em junho de 2023 – neste caso, para exportação – a indústria de componentes automóveis portuguesa cresce pelo décimo terceiro mês consecutivo. Este crescimento é expressivo e na ordem dos 21,9%, quando se compara com o período homólogo de 2022 (o valor está acima de mil milhões de euros no referido mês).

Como a curiosidade é grande e há que captar o interesse, aqui está outra antes de terminar com inteligência: a venda de automóveis elétricos, na Europa, ultrapassou em junho de 2023, pela primeira vez, os de combustão a diesel. A gasolina ainda continua a ser a principal energia dos carros vendidos na União Europeia, com 36,3% no referido mês – um aumento de 11% (ACEA).

Para sorrir, faz sentido terminar com inteligência, a tal chamada de artificial: experimente perguntar ao ChatGPT “qual é o melhor carro elétrico para comprar atualmente”. Ele, pelo menos para mim, e sugerindo alguns modelos limitando a uma análise até ao final de 2021, respondeu assim no final: “[…] para obter informações atualizadas sobre os melhores carros elétricos disponíveis no mercado atualmente, recomendo consultar sites especializados em automóveis e notícias sobre veículos elétricos. Além disso, considere as suas necessidades pessoais, como alcance, preço, recursos, tamanho e preferências de marca ao escolher o carro elétrico mais adequado para si”.

E não sendo eu “Inteligência Artificial”, sabe o que lhe recomendo? Que esteja atento e confie nos conteúdos da revista GreenFuture, pois por aqui são especialistas – sabem o que dizem e como o dizem, alicerçados em factos e não apenas em opiniões.

José Carlos Pereira é engenheiro do ambiente, com MBA Executivo em Gestão Empresarial. É business expert, consultor, formador e speaker na área comercial e de negócios internacionais.

Dados de mobilidade para uma mobilidade ecológica

Opinião de Stefan Carsten

Onde é que o tráfego automóvel está a fluir na cidade neste momento e onde é que está bloqueado? Onde é que existe exatamente uma ameaça de gelo negro? Qual a lotação dos autocarros e comboios? Ou qual é a forma mais rápida de chegar ao escritório quando o comboio suburbano não está a funcionar? Os dados de mobilidade podem dar resposta a estas questões, como os dados das empresas de transportes ou os dados de localização dos passageiros através dos seus smartphones. Um inquérito representativo procurou agora obter respostas para as seguintes questões:

  • Em que condições estaria disposto a que os seus dados pessoais de mobilidade, tais como dados sobre engarrafamentos ou sobre o meio de transporte que utiliza, fossem disponibilizados automaticamente de forma anónima?
  • Já existem muitos dados sobre a situação do tráfego em vários locais, como as horas de partida, os atrasos dos comboios ou os engarrafamentos nas estradas. Deverão estes dados ser disponibilizados ao público, por exemplo, para melhor interligar as ofertas de mobilidade existentes e para que empresas como as startups possam desenvolver novas ofertas?

Uma grande maioria (91%) dos cidadãos (na Alemanha) estaria disposta a partilhar os seus dados pessoais de forma anónima sob determinadas condições. Ao mesmo tempo, 8 em cada 10 acreditam que os dados de mobilidade existentes de instituições públicas (79%) ou de empresas privadas (84%) devem poder ser utilizados por todos, para que outras empresas, como as startups, por exemplo, possam desenvolver mais facilmente novas ofertas de mobilidade. Os dados sobre a mobilidade são a chave para os transportes sustentáveis, respeitadores do clima e, ao mesmo tempo, seguros do futuro. As pessoas querem ir de A a B rapidamente, em segurança e com uma boa consciência ambiental e, para isso, estão dispostas a partilhar dados. Dados em vez de gasóleo e bits e bytes em vez de gasolina – esta é a fórmula para a mobilidade do futuro.

Apenas 6% não disponibilizariam definitivamente os seus próprios dados de mobilidade, 3% não têm a certeza ou não especificaram. 6 em cada 10 forneceriam os seus dados se isso melhorasse o fluxo de tráfego no seu próprio percurso (61%) ou optimizasse as ofertas de mobilidade existentes (57%). Metade (50%) gostaria de ter acesso a infografias, estatísticas ou outras informações dos dados em troca. Cerca de um quarto (28%) divulgaria os seus dados se estes apoiassem a investigação pública. 13% associam a partilha de dados aos seus próprios benefícios financeiros e 15% estariam dispostos a fazê-lo sem qualquer contrapartida. O inquérito mostra que devem existir três vertentes de ação para que os dados sejam utilizados na transição para a mobilidade:

  • Dados ativos: Os dados não são importantes para iluminar o passado, mas para moldar e melhorar ativamente os serviços. Numa altura em que o acesso à mobilidade está a tornar-se cada vez mais importante e o produto próprio cada vez menos importante, é necessária uma conceção sustentável do sistema de transportes. Isto também inclui proporcionar aos utilizadores transparência sobre os seus dados de tráfego: Que meios de transporte utilizo e com que frequência, quando é que recorro a que opções e em que circunstâncias externas. Atualmente, todos conhecem os seus hábitos financeiros. Regra geral, quase nada sabemos sobre os nossos próprios hábitos de mobilidade, incluindo eu próprio. Este facto é ainda mais importante quando se trata de elaborar e oferecer pacotes de mobilidade individualizados. 
  • Dados autónomos: A mobilidade autónoma chegou e com ela uma nova perspetiva sobre a utilização de dados. Porque é que o calendário de cada um ainda não está ligado à aplicação de mobilidade, o perfil de movimento ainda não foi pensado em conjunto com a plataforma de mobilidade. Só então as ofertas autónomas estarão disponíveis quando eu realmente precisar delas. Isto é especialmente verdade nas zonas rurais e suburbanas, onde os serviços de transportes públicos estão geralmente sub-representados. Tanto a conceção de novas paragens virtuais como a conceção de um serviço de boleias a pedido só poderão fazer a melhor utilização possível dos dados.
  • Dados sustentáveis: O ESG proporcionará uma transparência sem precedentes no que respeita ao desempenho ambiental e social das empresas. Para o efeito, os dados necessários estão agora a ser freneticamente recolhidos, processados e disponibilizados ao público. Isto irá finalmente transformar o greenwashing em greenmarketing. Atualmente, muitas empresas estão a ser julgadas nos tribunais europeus por terem praticado concorrência desleal ao fazerem promessas ecológicas que nunca foram acompanhadas de medidas. Isso já acabou. A KLM, a H&M e a Total são apenas alguns exemplos. Ao mesmo tempo, está a começar um novo jogo de mobilidade: Os dados sobre a mobilidade podem ser utilizados numa abordagem inovadora para identificar os melhores ciclistas das empresas ou o colega mais multimodal. As cidades provam o seu respeito pelo ambiente num jogo entre si. E até os desafios podem proporcionar uma breve distração da mobilidade quotidiana: por favor, percorra 50 quilómetros de transportes públicos esta semana. Desta forma, a poluição do tráfego transforma-se num jogo de mobilidade para o desenvolvimento sustentável.

A reformulação das prioridades dos fabricantes de automóveis: uma análise

Opinião de Marc Amblard

Os Fabricantes de Equipamentos Originais (Original Equipment Manufacturers, OEM) do setor automóvel alteraram significativamente as suas prioridades e a alocação dos seus recursos, nos últimos anos, para responderem a mudanças radicais no mercado, aos competidores emergentes, a novos regulamentos, aos desafios geopolíticos e a oportunidades tecnológicas. Alguns domínios beneficiam de muito mais recursos, enquanto outros passaram para segundo plano. Esta reformulação implica grandes decisões entre ‘fazer’ ou ‘comprar’, o desenvolvimento acelerado de capacidades internas, a eliminação de atividades não estratégicas, uma quantidade crescente de inovação aberta, e muito mais. Uma transformação muito profunda que não está, de todo, completa.

Que domínios estratégicos são afetados por esta reestruturação? A eletrificação já avançou claramente além do ponto de inflexão, com os veículos elétricos a bateria a excederem 10% do mercado em 2022, conduzindo a investimentos massivos e a uma crescente integração vertical. Tudo aquilo que está relacionado com software e serviços conectados continua a ganhar impulso e tornou-se uma prioridade de topo, com crescimentos significativos a nível de pessoal e metas de vendas ambiciosas. No domínio da condução assistida e autónoma, as expetativas de médio prazo relacionadas com a segunda foram drasticamente reduzidas, com o foco a mudar para os sistemas de apoio à condução (Nível 2 ou 3), que oferecem objetivos de receitas exequíveis.

A mudança para a Mobilidade Sustentável

Os veículos elétricos a bateria (BEV) ganharam um impulso significativo, excedendo 21% das vendas de novos veículos na China, 12% na Europa e 5% nos Estados Unidos, atingindo um total de 7,8 milhões de unidades vendidas globalmente em 2022 (um crescimento de 60% relativamente ao ano anterior). Este é o resultado de uma oferta de produtos mais abrangente, incentivos significativos e maior aceitação do público.

Os regulamentos vão continuar a impulsionar a penetração de BEV. O Parlamento Europeu aprovou recentemente a norma que obriga os OEM a atingirem zero emissões de CO2 nos automóveis novos vendidos a partir de 2035 – apesar de Alemanha e Itália terem conseguido que Bruxelas aliviasse os constrangimentos. A Califórnia definiu o mesmo prazo e vários outros estados norte-americanos estão a seguir-lhe o exemplo.

O governo federal dos Estados Unidos proclamou a ambição de que os veículos de zero emissões atinjam 50% das vendas até 2030. Em agosto de 2022, aprovou a Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act, IRA), que oferece fortes incentivos a cadeias de fornecimento completamente locais, da extração mineral e refinamento até à montagem dos veículos. Esta agenda que prioriza os interesses americanos irá provavelmente desencadear políticas de reciprocidade, por parte da União Europeia. No final, isto irá traduzir-se em investimentos massivos ao longo de toda a cadeia de fornecimento, da extração mineral à reciclagem, assim como num impulso à procura de BEV. Acima de tudo, é fundamental para Estados Unidos e Europa tornarem-se independentes do domínio chinês da cadeia de fornecimento de baterias.

Em 2020, os OEM começaram a firmar contratos com empresas de mineração de lítio, cobalto, níquel e manganésio, produtores de baterias e empresas de reciclagem, mas o ritmo destes investimentos acelerou realmente em 2022. Os objetivos passam por assegurar capacidade e preços futuros, produção onshore (ou, pelo menos, em localizações ‘amigáveis’) sempre que possível, bem como aumentar a transparência e a resiliência das cadeias de fornecimento. Estas são movimentações que muito poucos teriam imaginado há apenas alguns anos.

Os OEM e os seus fornecedores estão também a correr para aumentar a eficiência e reduzir o custo dos BEV. O leque de atividades é vasto, incluindo químicas de baterias, sistemas de gestão de baterias (Battery Management Systems, BMS), motores elétricos, eletrónica, aerodinâmica, etc. Tendo em conta o número de domínios em que os OEM – e, em menor grau, os fornecedores diretos (Tier 1) – têm competências limitadas ou nulas, parcerias e investimentos em startups são essenciais.

Outras grandes movimentações associadas à transição para veículos sem emissões incluem a separação das atividades relacionadas com motores de combustão interna (por exemplo, a Ford Blue e a Horse da Renault) e a implementação de infraestruturas de carregamento proprietárias (a Mercedes vai instalar mais de 10.000 pontos de carregamento até 2030).

O Veículo Definido por Software e Conectividade

Uma vez mais, a Tesla mostrou o caminho a seguir, inaugurando as atualizações remotas (over-the-air, OTA) em 2012. Isto permitiu que os OEM disponibilizem novas características e funcionalidades, e corrijam erros e bugs sem necessidade de chamar os veículos à oficina, evitando assim campanhas dispendiosas. E contudo, a mais recente atualização OTA da Volkswagen ainda requer que os proprietários levem os seus carros às oficinas da marca. A disponibilização de novas soluções de software tem sido mais difícil para os OEM do que o esperado.

O conceito de Veículo Definido por Software (Software-Defined Vehicle, SDV) abrange mais do que atualizações OTA. Está também relacionado com novas arquiteturas eletrónicas simplificadas, conectividade na cloud, possibilidade de instalar funcionalidades ‘à medida’ e subscrições, automatizar funções a bordo do veículo ou fornecer seletivamente dados à cloud.

Os SDV fornecem uma melhor experiência de utilização aos seus proprietários. Por exemplo, a Mercedes disponibiliza maior manobrabilidade (ângulo de viragem superior das rodas traseiras) no Classe S e no EQS por 489 euros por ano. O Full Self-Driving Capability da Tesla está disponível por 199 dólares por mês, e novas funções de conectividade por 10 dólares/mês. Podemos também desbloquear mais 67 cv e 20 Nm no Polestar 2 mediante o pagamento único de 1.195 dólares. Funcionalidades acessíveis através de atualizações, subscrições ou regimes ‘utilizador-pagador’ tornar-se-ão cada vez mais comuns e irão gerar receitas recorrentes, potencialmente até ao fim de vida do veículo.

Os SDV também ajudam os OEM e os fornecedores a desbloquearem fluxos de receitas e eficiências operacionais. A Stellantis e a GM esperam que o software e os serviços relacionados contribuam com 20-25 mil milhões de dólares para os respetivos volumes de negócio, e a Mercedes espera que cresça para 10 mil milhões de dólares até 2030 (versus 1 milhão em 2022). Os SDV também vão ajudar as equipas de engenharia no diagnóstico de problemas e no desenvolvimento de produtos melhores, fornecendo informações vitais sobre o comportamento dos veículos através do envio de dados selecionados à cloud quando ocorrem eventos específicos.

O equilíbrio entre Condução Assistida e Condução Autónoma

A propaganda sobre a condução totalmente autónoma (também conhecida como Nível 4) reduziu-se drasticamente nos passados 12 a 18 meses, quer falemos de robotáxis ou de camiões. Contrariamente, o interesse na automação condicional dos Sistemas Avançados de Assistência ao Condutor (Advanced Driver Assistence Systems, ADAS) de Nível 2 (L2) e Nível 3 (L3) continuou a ganhar ímpeto no círculo dos OEM e fornecedores.

Muitas vezes, os OEM aceleram o desenvolvimento dos sistemas L2 e L3 com a alavancagem de recursos externos, através de aquisições ou parcerias. A Stellantis adquiriu recentemente a aiMotive, uma empresa de desenvolvimento de ADAS, e colabora com a BMW para trazer sistemas L3 para o mercado em 2024. A Volkswagen/Cariad estabeleceu uma parceria com a Bosch para desenvolver soluções L2 e L3.

No domínio do L4, ocorreu já uma grande consolidação, sendo de esperar ainda mais na comunidade de startups. A Volkswagen e a Ford encerraram recentemente a Argo AI (cada uma das empresas detinha 40%) depois de a startup ter angariado 3,6 mil milhões de dólares e empregar mais de 2.000 funcionários. A Navya (shuttles L4) e a Embark (camiões L4), entre outros, estão também a desacelerar. Isto é uma oportunidade para que outros se tornem mais fortes. A Ford formou a Latitude AI, integrando 550 ex-funcionários da Argo com o objetivo de trazer sistemas L3 para o mercado.

No entanto, o CTO da Mercedes afirmou recentemente que o L4 é “factível” nos seus veículos pessoais até ao final da década – este OEM é já um pioneiro do L3. A empresa espera que estas funcionalidades sejam o principal impulsionador das receitas geradas por via do software em 2030. De forma semelhante, o seleto grupo de empresas ligadas à condução autónoma que construíram uma vantagem competitiva forte vão avançar com implementações de pequena escala. Nos Estados Unidos, a Waymo e a Cruise já atingiram o milhão de milhas percorridas em estradas públicas sem operador de segurança. Na China, empresas como AutoX, Baidu e Pony.ai continuam a expandir o seu serviço de robotáxis (com operador) para novas cidades. Esta consolidação é a evolução natural de um setor nascente.

Renovar a distribuição automóvel

A Tesla foi pioneira na venda direta aos consumidores, evitando os tradicionais concessionários automóveis – desde então, Rivian e Lucid seguiram o mesmo caminho. Em resultado, o líder de veículos elétricos tem uma relação exclusiva com os seus consumidores finais, que significa acesso total a dados e a possibilidade de vender novos serviços durante a vida dos veículos (por exemplo, novas funcionalidades, subscrição de serviços ou seguros).

A Tesla também tem controlo total sobre o preço de venda, equilibrando procura e oferta para maximizar os lucros – a empresa ajustou os seus preços nos dois sentidos, nos últimos três anos, para ‘gerir’ a procura. Também absorve a margem dos concessionários (nos EUA, a margem bruta é tipicamente de 8-10% para as marcas generalistas, e 10-15% para as marcas premium). O Autonation, um dos maiores grupos americanos de comércio automóvel, gerou, em média, uma margem bruta de 5.942 dólares nos cerca de 230.000 veículos vendidos em 2022.

Todos os OEM tradicionais estão a tentar imitar o modelo da Tesla, por todas as boas razões apontadas acima. Parte da estratégia requer que estabeleçam uma relação direta (acesso a dados, novas oportunidades de vendas recorrentes, etc.). De forma igualmente importante, o acesso à pool de lucros dos concessionários pode engordar as margens dos OEM, alimentar o investimento em novos produtos ou tornar os veículos elétricos mais baratos.

No entanto, as regulamentações locais na Europa e nos Estados Unidos limitam a capacidade dos OEM venderem diretamente e relacionarem-se com os seus consumidores finais. O modelo de agenciamento é uma opção, apesar dos concessionários rejeitarem a ideia de receberem uma comissão fixa pelos seus serviços. Uma alternativa consiste na criação de novas marcas que possam operar à margem dos contratos de concessão existentes, aproveitando assim as vantagens das opções de venda direta ao consumidor (direct-to-consumer, DTC), tornadas possíveis pelos anteriores conflitos legais da Tesla. Esta é a abordagem que a Geely e a Volvo escolheram para a Polestar, e que o Grupo Volkswagen irá provavelmente adotar para a Scout.

Um outro caminho consiste em encontrar um meio-termo no âmbito do quadro legal existente. Nos Estados Unidos, a GM e a Mercedes vão dar aos concessionários uma comissão sobre os lucros que obtêm durante o ciclo de vida de um veículo distribuído pelos segundos. Irá representar 13% das vendas de 2023 da Mercedes. Este é, de facto, um modelo operacional que os concessionários estão a defender junto de vários órgãos legislativos estaduais.

A reformulação das prioridades dos OEM não se limita aos domínios acima analisados, apesar de acreditar que estes são os mais críticos. Isto irá forçar as empresas a tornarem-se mais ágeis, a transformarem-se mais depressa e a aprenderem rapidamente sobre domínios acerca dos quais nada sabiam até há poucos anos. É uma tarefa muito difícil!

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a startups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

(Livre) Acesso

Opinião de Stefan Carsten

A mobilidade é um requisito fundamental das interações sociais – alguns diriam mesmo que é uma necessidade humana básica. Os serviços de mobilidade que estão disponíveis localmente determinam a forma como podemos organizar o nosso quotidiano. Apesar de estarmos agora familiarizados com eventos, conversas privadas e relacionamentos verdadeiramente digitais, estes apenas podem complementar os encontros físicos. A procura por ofertas de mobilidade sustentáveis e económicas, apoiadas em infraestruturas simples, não é substituída pelas possibilidades das interações digitais. Para alguns, transportes baratos ou até mesmo gratuitos são ainda um sonho; para outros, são já uma visão tangível. Mas acima de tudo, o acesso à mobilidade a preços razoáveis é uma oportunidade para trazer mais qualidade de vida e sustentabilidade à existência social.

Conceitos de mobilidade baratos, digitais e intermodais são controversos. Isto apesar de terem potencial para dar um novo ímpeto à revolução da mobilidade. O ênfase está menos na questão do preço do que no ‘desenho’ da mobilidade. O acesso atrativo e flexível é a chave para transportes públicos sustentáveis, dando liberdade de escolha ao utilizador, todos os dias. No entanto, autocarros e comboios apenas serão um substituto do automóvel privado quando uma experiência simples e confortável se tornar o princípio orientador, que deve ser também colaborativo e orientado para o serviço.

Há já muito tempo que já não é o conceito de propriedade que molda a vida social e o setor da mobilidade, mas antes o acesso aos aspetos relevantes do ‘mundo da vida’. Um vislumbre rápido das mudanças no mercado automóvel ilustra esta mudança: contratos de leasing para automóveis e outros meios de transporte dominam estes símbolos de estatuto, anteriormente caraterizados pela propriedade. O economista norte-americano Jeremy Rifkin já descreveu esta mudança há duas décadas, enfatizando que “a busca pela propriedade [torna-se] uma busca pelo acesso”.

O valor social acrescentado dos serviços de transporte público acessíveis não deve assim ser menosprezado. O acesso, a custo reduzido, às infraestruturas públicas de mobilidade aumenta a atividade social e cria participação social, o que se reflete numa maior qualidade de vida. O acesso a serviços de mobilidade significa também acesso à vida social do quotidiano, por exemplo a instalações de saúde ou educação. Eva Kreienkamp, presidente do conselho de administração da  Berliner Verkehrsbetriebe [empresa pública de transportes de Berlim], descreve-o da seguinte forma: “O caminho para o supermercado não deve ser um obstáculo inultrapassável; o caminho para o jardim de infância não deve ser influenciado pelo preço de um bilhete”.

Em países e cidades como Luxemburgo e Malta, Talinn ou Dunquerque, os utentes podem já utilizar transportes públicos sem custos. A mobilidade gratuita não tem de permanecer uma visão. Mesmo se os transportes públicos gratuitos não forem sempre acolhidos com aprovação, os residentes podem ser convencidos do contrário. O ministro da Mobilidade do Luxemburgo, François Bausch, refere a discussão controversa e a resistência que o governo encontrou quando comunicou novos modelos de transporte – o objetivo: são as pessoas, e não os veículos, que se devem movimentar. Isto requereu novas transições entre sistemas de transportes individuais. Em 2020, quando da sua introdução, o serviço de transporte público gratuito do Luxemburgo tinha-se desenvolvido ao ponto de as pessoas aceitarem a oferta de mobilidade. Comboios ligeiros, estações espetaculares e plataformas intercambiáveis, e um foco na mobilidade ativa, caracterizam a abordagem holística e integrada do país à mobilidade.

Como resultado de questões logísticas e de recursos, da inflação e da crise energética, o acesso ao transporte local e regional está a tornar-se cada vez mais caro, sem alternativas a longo prazo. Os aumentos de preços estão a forçar os atores públicos e privados do setor da mobilidade a aceitarem compromissos: se o acesso à mobilidade toma novas dimensões de preços, como é que se garante que todos podem continuar a movimentar-se? Crises cumulativas estão a forçar os decisores políticos, mas também nos operadores de transportes públicos, a experimentarem novas formas de reinventar a mobilidade em toda a Europa. O objetivo é fazer com que a mobilidade pública seja tão social quanto possível. Por este motivo, os serviços de mobilidade pública na Irlanda, Reino Unido, Espanha, Itália e Áustria tornaram-se temporariamente mais baratos – para aliviar o fardo dos cidadãos em virtude da crise atual e dos aumentos de preços causados pela guerra na Ucrânia.

  • Na Irlanda, o governo reduziu os preços dos bilhetes 20%, em média, no final de 2022, pelo que um passe de 90 minutos em Dublin custa apenas dois euros.
  • No Reino Unido, todas as tarifas de autocarro foram limitadas a um máximo de duas libras no outono e inverno de 2022.
  • Em Espanha, o transporte local foi mesmo totalmente gratuito no último quadrimestre de 2022. O programa foi financiado pela introdução de um imposto excecional sobre lucros excessivos.
  • Em Itália, as trabalhadoras com rendimentos inferiores a 35.000 euros anuais receberam um bónus de 60 euros para cobrir as viagens de autocarro, comboio e metro. Os vouchers eletrónicos fazem parte de um pacote de 14 mil milhões de euros para tornar os transportes públicos mais atrativos.
  • A oferta austríaca é amiga do ambiente e disponibiliza, em permanência, acesso mais barato ao sistema de transportes públicos do país. Com um custo anual de 1.095 euros, o bilhete foi tão bem recebido que foram vendidos mais de 200.000 durante o primeiro ano. A fasquia de apenas 110.000 bilhetes foi amplamente excedida e 56% dos passageiros usam agora o comboio em percursos que antes percorriam de automóvel. Nos trajetos casa-trabalho, esta quota atinge mesmo 61%. Estas ligações têm um impacto positivo no ambiente.

Muitas cidades estão agora a utilizar modelos de venda digital que conduzem a ofertas de mobilidade com menos impacto e mais atrativas, que possibilitam compras por meio de um simples toque ou até mesmo sem contacto físico. Em Nova Iorque, residentes e visitantes beneficiam de um novo sistema de incentivos para serviços de mobilidade urbana: o acesso ao transporte público local não é já efetuado através de um bilhete, na verdadeira aceção da palavra; ao invés, as distâncias viajadas são somadas automaticamente, havendo um teto de preço semanal: quanto mais se utilizam os transportes, mais barata se torna cada viagem individual.

O acesso ao transporte público a custo reduzido atua como uma válvula de escape social e fortalece a sua posição como elemento significativo de uma mobilidade sustentavelmente organizada. A esmagadora maioria – 88% – dos utilizadores de transportes públicos em todo o mundo refere a sustentabilidade e a proteção ambiental entre as principais razões pelas quais viajam de autocarro, comboio e metro. Que opções de tarifas e de ligações encorajam a utilização de longo prazo de autocarros e comboios? Estas questões devem ser colocadas agora, para implementar sistemas de mobilidade apelativos ‘à prova de futuro’.

  • O transporte público é um importante mecanismo de ajustamento para a transição da mobilidade. No entanto, o potencial de comboios, metros e autocarros apenas pode ser concretizado se o acesso a estes serviços for melhorado. Uma oferta de preços baixos e flexíveis é parte disso, como o é também uma oferta de mobilidade atrativa em áreas urbanas e rurais.
  • Já não se trata apenas do transporte local de passageiros, mas também do transporte público entre regiões. O transporte público gratuito era algo impensável há alguns anos apenas, sendo agora uma ideia mais tangível.
  • Os números impressionantes da utilização do bilhete de nove euros implementado na Alemanha durante o último verão ilustram a importância do acesso de baixo custo aos transportes públicos, e não apenas neste país. 10% das viagens efetuadas com o passe nacional alemão substituíram viagens de automóvel. Muito poucas medidas conseguiram uma tão grande transição modal num espaço de tempo tão curto.
  • O transporte público é de importância vital para a saúde social de uma comunidade. A participação social e a mobilidade são aspetos centrais de uma sociedade democrática inclusiva. Qualquer experiência de concessão no setor do transporte público deve suportar esta componente social.

Stefan Carsten, consultor e especialista na área do Futuro das Cidades e Mobilidade, vive o futuro há mais de vinte anos. É um dos responsáveis pelo início da transição da indústria automóvel de um setor centrado no veículo para um setor centrado na mobilidade. Vive e trabalha em Berlim.

Aviação sustentável – nem sequer estamos lá perto!

Opinião de Stefan Carsten

As viagens aéreas são rápidas e seguras, mas sempre complexas e longas. A cadeia começa bem antes do aeroporto e não termina quando o avião regressa ao terminal. Acrescentam-se bagagens, segurança e medidas de saúde pública no aeroporto, bilhetes, chegadas e partidas, navegação e orientação; e estes são apenas alguns dos desafios que o setor terá de enfrentar no futuro.

As companhias aéreas não estão já a competir, neste sistema, com outras companhias aéreas, mas com todas as marcas na cadeia de transportes e viagens que fornecem experiências especiais aos consumidores. Empresas como a AirBnB, Flixbus e Cruise estão a revolucionar o setor com novos modelos de negócio e com a definição de novos padrões em termos de experiência do cliente.

As companhias aéreas têm também de competir com o impacto económico da pandemia, com novas preferências de consumo, o trabalho remoto ou a ‘vergonha de voar’. Na economia da ‘experiência sustentável’ do século XXI, as pessoas não querem apenas comprar um bilhete de avião para voar de A a B. Querem ter uma experiência sem contrariedades, simples, fácil e personalizada – começando na reserva e check-in, passando pelos controlos de segurança, recolha de bagagens, e muito mais. O futuro da aviação está em constante transformação.

O setor enfrenta enormes desafios, presentes e futuros:

  • A redução drástica de emissões até à neutralidade de carbono significa conceitos de aeronaves e de propulsão novos e alternativos: parafina vs. combustíveis sustentáveis (SAF) vs. hidrogénio. Em que direção é que nos devemos dirigir?
  • O cancelamento de voos tem prejudicado imenso a imagem das companhias aéreas e coloca-as sob pressão política e económica.
  • A perspetiva social sobre o sistema de transportes aéreos ressentiu-se, nos anos mais recentes, do debate sobre a ‘vergonha de voar’, mas também das expansões de aeroportos planeadas.
  • Os clientes estão crescentemente a tomar decisões de compra mais sustentáveis, o que significa que os programas de sustentabilidade das companhias aéreas têm uma influência significativa nas suas estratégias. Investir em sustentabilidade não conduz apenas a viagens aéreas mais ‘verdes’, mas ajuda também a assegurar a longevidade da companhia e a contribuir para vantagens competitivas.
  • Os drones e os eVTOL (aeronaves elétricas que descolam e aterram verticalmente) continuam a receber milhões em apoios, desafiando todas as convenções no contexto da energia, qualidade de vida e segurança.

Apesar de o setor da aviação representar apenas cerca de 4% do total das emissões de gases de efeito de estufa na União Europeia, é um dos setores contribuidores para as alterações climáticas que cresce mais rapidamente. Em 2019, as emissões de gases da aviação internacional tinham aumentado 146%, comparativamente a 1990. Este foi o maior crescimento em todo o setor dos transportes – o único setor em que as emissões cresceram desde 1990. Mais do que qualquer outro, o setor da aviação beneficiou dos  constrangimentos da pandemia de COVID-19, mas só neste sentido – o número de passageiros caiu 73,3% em 2020, relativamente a 2019. Isto significou, naturalmente, que as emissões também caíram significativamente. Contudo, com o levantamento das restrições, os números estão novamente a subir, uma vez que as medidas da legislação ambiental da União Europeia ainda não surtiram efeitos.

A aviação global deve atingir a neutralidade de CO2 em 2050. Até agora, o setor definiu para si próprio o objetivo internacional de cortar as emissões em 50% até 2050, relativamente aos valores de 2005. Contudo, tanto o setor da aviação alemão como as companhias aéreas europeias definiram, há muito, a meta de se tornarem totalmente neutras em CO2 até 2050. Para este fim, estão a ser prosseguidas várias estratégicas de curto e de longo prazo, e em função do tipo de aeronave e de rota:

  • Aeronaves elétricas a bateria: conceitos de voo puramente elétricos estão já a ser aplicados mas, a longo prazo, apenas poderão ser usados em aeronaves pequenas e rotas curtas. Aqui, o foco está voltado para helicópteros convencionais e aplicações de mobilidade aérea urbana.
  • Combustíveis Sustentáveis para a Aviação (SAF): os SAF são um termo genérico para combustíveis sintéticos e biofuels que não provêm de combustíveis fósseis. São a melhor solução de curto prazo para reduzir a pegada de carbono da aviação: as emissões de CO2 dos SAF são 80% menores do que no caso da queima de parafina fóssil. Apesar se estarem longe de serem sustentáveis, podem já ser utilizados para reduzir as emissões dos transportes aéreos regionais, por exemplo através da incorporação nas misturas em quantidades reduzidas. Subsistem, porém, algumas incertezas quanto à possibilidade de operar aeronaves usando exclusivamente SAF. Os principais problemas são, atualmente, os custos elevados, a grande quantidade de energia necessária à produção e a sua disponibilidade para a frota global de aeronaves. Em 2050, espera-se que estejam disponíveis, em todo o mundo, um total de 449 mil milhões de litros de SAF, que cobrirão 65% da procura global de querosene projetada para essa data.
  • Hidrogénio: os sistemas elétricos a pilha de combustível de hidrogénio são única solução livre de emissões para as aeronaves de passageiros. Aqui, estão ainda a ser dados os primeiros passos. A startup britânica ZeroAvia está atualmente a testar um sistema de propulsão a hidrogénio num Dornier 228 de 19 lugares. As esperanças recaem principalmente nos motores de combustão a hidrogénio (para voos de longo curso) com um redução de 50%-75% do impacto ambiental, e nas pilhas de combustível (em transporte regionais), com uma redução de impacto de 75%-90%. O potencial de mercado (otimista) das aeronaves movidas a hidrogénio em 2050 atinge 35%-40%.

As companhias aéreas deveriam levar esta transformação muito a sério, uma vez que os consumidores podem reagir de maneiras drásticas, quando se julgam enganados. A KLM lançou uma nova campanha publicitária em 2019: Fly Responsibly (voar com responsabilidade). As reações dos media e do público foram igualmente positivas: finalmente, um ator relevante do setor da aviação compreendia que tem de haver uma mudança significativa. A KLM foi agora alvo de um processo movido por ativistas ambientais dos Países Baixos, porque a campanha de greenwashing foi uma forma de enganar os consumidores, já que a companhia não fez qualquer esforço para agir de forma responsável e sustentável. O setor não é único em estar cada vez mais exposto ao risco de ser levado a tribunal por greenwashing. A aviação depara-se com um longo e duro caminho, que nem todos conseguirão seguir até ao fim.

Stefan Carsten, consultor e especialista na área do Futuro das Cidades e Mobilidade, vive o futuro há mais de vinte anos. É um dos responsáveis pelo início da transição da indústria automóvel de um setor centrado no veículo para um setor centrado na mobilidade. Vive e trabalha em Berlim.

CES 2023: tendências e novidades na mobilidade

Opinião de Marc Amblard

O CES está de volta! A minha sexta visita desde 2017 foi a que mais apreciei. O número de expositores e participantes do CES 2023 subiu consideravelmente, relativamente a 2022, apesar de ser ainda mais baixo do que em 2020 – em 2021, o evento foi virtual. De facto, estiveram presentes cerca de 3.200 expositores e 115.000 participantes, este ano, contra 2.400 e 40.000 em 2022, e 4.000 e 170.000 em 2020. O meio termo atingido em 2023 provou ser um bom equilíbrio entre exposição a tecnologias, oportunidades de networking, a possibilidade de interagir com expositores e vaguear livremente pelos corredores.

As empresas ligadas à mobilidade preencheram aproximadamente 20%, ou 190.000 m2, do espaço do CES. Enquanto as empresas ‘tradicionais’ e as startups mais maduras estavam concentradas no enorme pavilhão ocidental, inaugurado em 2022, as startups emergentes instalaram-se com os seus pares, como de costume, no Eureka Park. E tenho de dar os parabéns à delegação francesa, que reuniu cerca de 120 startups neste espaço.

Fabricantes tradicionais

Estas empresas tiveram uma presença limitada, à exceção de Stellantis, BMW e Mercedes-Benz, cada uma com grandes espaços. A GM e o Grupo VW apresentaram-se em espaços muito pequenos, apesar da CARIAD – a divisão de software do Grupo VW – ter tido uma interessante e significativa presença no pavilhão ocidental, com a missão clara de atrair talento, ao mesmo tempo que exibiu alguns dos produtos do Grupo.

A Stellantis utilizou o CES para introduzir dois conceitos de veículos. Apresentou o concept RAM 1500 BEV, uma pick-up que aparenta estar pronta para entrar em produção e que, de forma pioneira no segmento, apresenta uma terceira fila de assentos (rebatíveis), uma função follow-me destinada às operações de trabalho, bem como um bot, construído pela EFI Automotive, que ‘rasteja’ sob o veículo para o carregar por indução – apesar de existir ainda um cabo de ligação. A Peugeot introduziu o Inception, um elegante coupé elétrico. A sua presença no CES leva-nos a questionar o interesse da marca no mercado norte-americano. A Stellantis também apresentou a sua futura plataforma STLA SmartCockpit, no interior de uma maquete de um Chrysler. A solução será incluída num veículo de produção em 2025.

A BMW introduziu a sua plataforma de nova geração Neue Klasse, sob o ‘disfarce’ do DEE (Digital Emotional Experience), um concept em que tudo é digital. Inclui um grande head-up display de pilar a pilar, que a BMW acredita poder eventualmente substituir a (cada vez maior) área de displays físicos no cockpit. A marca havia introduzido, no CES 2022, uma película baseada em e-ink [tinta eletrónica], que permite que a cor da carroçaria mude, de forma dinâmica, entre o branco e o preto. Este ano, o OEM subiu um patamar, apresentando uma paleta de cores na mesma carroçaria, novamente utilizando a e-ink.

A Volkswagen mostrou o seu novo sedan elétrico de grandes dimensões, o ID.7, que é esperado com uma autonomia WLTP de 700 km. Será lançado na Europa em 2023.

O CES tornou-se definitivamente a opção preferida para muitos OEM introduzirem novos produtos e conceitos, em detrimento dos salões automóveis tradicionais que, um pouco por todo o mundo, se deparam com dificuldades para encontrarem um novo posicionamento e manterem níveis de participação viáveis.

OEMs emergentes e fornecedores de serviços de mobilidade

A Sony surpreendeu-nos no CES 2020 com um conceito para um sedan e com rumores de que a empresa de tecnologia poderia ter interesse no mercado automóvel. Estes rumores foram confirmados no CES 2022, quando a Sony anunciou uma joint venture com a Honda para formar a Sony Honda Mobility, com o objetivo de “explorar o lançamento comercial de veículos elétricos”. Este ano foi dado mais um passo, com um concept sedan mais maduro e a introdução da marca que resulta da joint venture: a Afeela. O veículos será lançado em 2026.

Na sua segunda participação, a empresa turca TOGG apresentou o seu primeiro (e muito grande) veículo. O bonito SUV elétrico a bateria começou a ser produzido no último trimestre de 2022, numa fábrica no sul da Turquia com uma capacidade anual de 175.000 unidades.

A neerlandesa Lightyear mostrou o 0, um elegante sedan elétrico com um coeficiente de atrito de 0,175 e quatro motores, um em cada roda. O grande elemento diferenciador são os 5 m2 de painéis solares que cobrem a carroçaria e geram até 1,05 kW de energia. A produção do Lightyear 0 começou na Valmet (Finlândia), mas o volume manter-se-á baixo, tendo em conta o preço de 260.000 euros. Em 2025 deverá entrar em produção o Lightyear 2, com preço inferior a 40.000 euros. A empresa mostrou no CES as primeiras linhas do modelo.

A vietnamita VinFast, também na sua segunda participação, apresentou a sua gama destinada ao mercado norte-americano, apresentada pela primeira vez no CES 2022. Desde então, este ambicioso OEM enviou centenas de veículos para os Estados Unidos, que serão entregues através das suas próprias lojas e, em paralelo, está a explorar o mercado europeu. Os seus primeiros veículos são produzidos numa fábrica no Vietname, mas a empresa anunciou uma segunda unidade de produção nos Estados Unidos, com uma capacidade anual de 150.000 unidades.

Na sua participação no CES, a Zoox mostrou o seu robotáxi, que foi lançado há dois anos. O veículo de quatro lugares é capaz de atingir 120 km/h em qualquer direção. Está equipado com direção às quatro rodas para uma manobrabilidade sem precedentes. A subsidiária da Amazon ainda não revelou quando pretende iniciar as operações do robotáxi e lançar o respetivo serviço comercial, mas as cidades de Las Vegas e São Francisco deverão ser os primeiros mercados.

A Waymo apresentou quatro gerações de veículos: Fir, Chrysler Voyager (implementada em Phoenix sem operador de segurança a bordo), Jaguar i-Pace (usado na frota de São Francisco) e um veículo da próxima geração, de cinco lugares, desenvolvido pela Zeekr, da Geely, para a subsidiária da Alphabet. O veículo não tem volante e as suas portas deslizantes, tipo metropolitano, foram concebidas para acessibilidade máxima. A data de lançamento ainda não foi anunciada.

Empresas emergentes de motas elétricas

No ano passado, a startup norte-americana Damon Motorcycles apresentou os seus produtos. Duas outras empresas similares tiveram os seus espaços de exposição no pavilhão ocidental, este ano, apresentando motas elétricas muito bonitas, com muitas funcionalidades baseadas em software.

A finlandesa Verge Motorcycles e a chinesa Da Vinci Motor apresentaram motas de alto desempenho, com motores que geram, respetivamente, 150 kW e 100 kW e binários entre 850 e 1.000 Nm, e apresentam acelerações dos 0 aos 100 km/h num intervalo de 3 a 4 segundos. Enquanto que a Da Vinci usa um motor elétrico na roda, a Verge desenvolveu um grupo propulsor inovador, em que o motor está integrado na jante traseira e não existe cubo da roda.

As duas empresas oferecem funcionalidades avançadas de software, semelhantes às que observamos na transição dos motores de combustão para os veículos elétricos. A Da Vinci anunciou até uma funcionalidade de auto-equilíbrio para breve, graças a um pioneiro sistema de direção elétrica. Existe claramente uma competição cada vez maior com os líderes de mercado Zero Motrocycles e Energica no segmento das motas elétricas – dinâmica que sigo com grande interesse, uma vez que eu próprio sou o feliz proprietário de uma Zero.

Fornecedores de primeira linha

Os fornecedores tradicionais estiverem novamente bem representados, este ano. Os participantes incluíram Bosch, Continental, Hyundai Mobis, Magna, Mando, Marelli, Plastic Omnium (primeira participação), Toyota Boshoku, Valeo, Yazaki e ZF. Todos mostraram as suas tecnologias mais recentes, com foco claro na eletrificação, no veículo definido por software (ou, de forma mais geral, funcionalidades definidas por software), iluminação exterior e interior, habitáculos inovadores, displays, novas arquiteturas eletrónicas e todo o tipo de sensores. O interesse pela autonomia total (Nível 4) parece ter recuado, e o foco está colocado na promoção soluções de apoio à condução de Nível 2 e Nível 3, que têm potencial para gerar dinheiro no imediato.

Adicionalmente, tanto a ZF como a Holon, uma spin-off da Benteler, apresentaram shuttles autónomos similares aos da Navya e EasyMile. A Holon anunciou o início da produção do seu veículo de 22 passageiros em 2025, nos Estados Unidos, com o objetivo de explorar o mercado local em parceria com o fornecedor de serviços de mobilidade Beep.

Startups de mobilidade

Tal como em edições anteriores, o CES foi uma oportunidade para testemunhar um amplo conjunto de tecnologias e soluções inovadores. Não vou falar de empresas individuais, mas descobri algumas novas e aprendi mais sobre outras cujo trabalho já acompanhava.

Em geral, existe um interesse marcado em soluções relacionadas com o veículo definido por software (sistema operativo, gestão de dados a bordo, conectividade, comunicação de dados, automação de funcionalidades, etc.). Fui surpreendido pela quase total ausência de empresas ligadas aos componentes para veículos elétricos: baterias, motores ou sistemas eletrónicos.

Na área dos sistemas de apoio à condução e condução autónoma, estiveram novamente presentes várias startups de radar, este ano com foco crescente nos sensores para mapeamento 4D. Ainda existe claramente um grande número de startups de Lidar, apesar das suas dificuldades financeiras – um enorme espaço da Aeva, e dois espaços distintos da Ouster e Velodyne, que estão em processo de fusão. A consolidação nesta área específica vai continuar.

Outros domínios nos quais trabalham algumas startups interessantes que visitei incluem a interface homem-máquina, monitorização de condutor e habitáculo, sistemas de gestão de baterias, carregamento de veículos elétricos, limpeza de sensores, integração e fusão de sensores, perceção, visão computadorizada e pilhas de combustível, entre outros.

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a startups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

Como aumentar as suas ‘skills’ em vendas de automóveis…mesmo não sendo VENDEDOR!

Opinião de José Carlos Pereira

Todos sem exceção, em algum momento da nossa vida e carreira profissional, tivemos de fazer uma venda, ou vamos ter de a fazer. Seja uma ideia, uma proposta, um projeto, ou nós mesmos como pessoa. Ou melhor, alguém nos comprou alguma coisa. E para existir uma venda alguém teve de comprar!

E outro dado relevante é que as skills em vendas automóveis são todas passiveis de serem desenvolvidas com treino. E só vai a jogo quem treina. E treinando muito com uma boa direção podemos nos tornar especialistas em vendas.

Deixo o exemplo de um empresário (dono de um concessionário ou marca) que tem de fazer todos os dias 3 vendas – para a sua equipa, para o mercado (clientes) e para ele próprio. Julgo que a grande questão é ter ficado, infelizmente, enraizado ao longo do tempo na cabeça das pessoas, que quem vende está a obrigar alguém a comprar algo que não precisa. E essa é uma falsa questão. Isto quando a venda é integra, honesta e está a ajudar alguém a tomar uma melhor decisão, mais acertada e ajustada às suas necessidades. Um vendedor de automóveis é um consultor de compras que ajuda no processo de decisão de quem tem uma necessidade. E por incrível que pareça todas as várias interações que temos num dia envolvem de alguma forma uma venda.

Como faz parte do meu modelo de abordagem, aqui na revista Green Future e para arrumar melhor as ideias, vou separar alguns temas em 7 ‘gavetas’.

#1 Agir como um vendedor, mas pensar como um cliente: as pessoas compram um carro por duas razões. Ou têm uma necessidade de mobilidade que precisa de ser resolvida, ou têm uma necessidade pessoal que precisa de ser satisfeita (status). A tarefa de quem vende é saber o que está por trás dessa motivação e o que os levará a decidir. Quem se envolver nessa compra e decisão é estudado antes mesmo de preparar uma proposta? Quais as necessidades latentes e escondidas na compra de um carro? Quais são os vários perfis envolvidos na compra (quem compra, decide, paga, influencia, utiliza ou mesmo sabota)? Que perguntas eu posso elaborar para as descobrir? E como posso avaliar aquilo que não é visível, mas vai influir na decisão?

#2 Treinar algumas competências funcionais: quais as pessoas experts em vendas de automóveis que está a seguir como inspiração (outros vendedores)? Que pessoas realmente excelentes em comunicação são referências e que podem ser modeladas a si? Será possível desenvolver competências funcionais, do tipo ir ao ginásio todos os dias com boas práticas, para ganhar músculo em vendas? O treino funcional num ginásio depende de exercícios que imitam as ações em que nos podemos envolver durante o nosso dia-a-dia. Da mesma forma, no treino de vendas podemos procurar atividades nas quais já estamos envolvidos, como sessões práticas, para desenvolver competências em vendas. Já pensou nisto? Será que podemos, então, treinar interação para a relação, empatia para a ‘ligação’, criatividade para encontrar soluções e comunicação para ser mais eficaz? Sim, com um foco intencional e um pouco de planeamento no treino para desenvolver estas skills todos os dias.

#3 Saber esperar por resultados e não procrastinar: mesmo com um bom treino e uma boa direção (aconselhamento, formação e apoio de outros) por vezes os resultados demoram. Por vezes falhamos pois não lemos mais um livro, não visualizamos mais um vídeo ou mais um artigo. A linguagem corporal, por vezes ignorada e com um peso de 60% na nossa comunicação em vendas, é de extrema relevância em todo o processo – vale 4 vezes mais que o conteúdo, as palavras e argumentação. Escutar, mais do que simplesmente ouvir, é uma arte, logo espere pacientemente pela sua vez de entrar em jogo em termos de comunicação num processo de compra. Durante o discurso do comprador estar atento à sua linguagem corporal é muito importante, pois transmite informações para além das palavras. E ter sempre presente que a as palavras podem mentir, mas o corpo não.

#4 Fecho sempre em mente: a venda de um automóvel é um processo de várias etapas, e o fecho é uma delas. O fecho deve ser um processo natural de influência e não uma persuasão bruta. Logo, é uma consequência do processo depois de percorrido um caminho. Interpretar os sinais de compra ajuda a descobrir o momento certo para fechar. Vender é namorar, é flirting entre ambas as partes, e o que melhor dominar as regras à partida vai ter resultados (que devem ser divididos por ambas as partes no processo). A pressão e a força levam ao afastamento e à resistência, e não à aproximação desejada.

#5 Pensar no médio e longo prazo: os números de negócios não fechados será umas 10 vezes superior ao número de negócios realmente conseguidos (10 carros em processo de compra para vender 1, ou menos). A consistência dos resultados é o segredo, mas nem sempre conseguimos estar em cima, para mais quando o enquadramento não nos favorece (caso atual de potencial retração económica e consumo de bens duradouros como os automóveis). A diferença é que vendedores que não conhecem os ciclos facilmente vão abaixo e não têm capacidade de recuperar dos maus resultados emocionalmente, provocando ainda piores performances. Sem confiança não há venda. E estamos em tempos de ‘aguçar’ o engenho. As vendas também obedecem a ciclos, a altos e baixos… o segredo está em ser consistente e tentar estar quase sempre ‘em cima’, pois sempre é utópico.

#6 Mostrar empatia e entender as necessidades: somos energia, e a atitude vale bem mais que as aptidões e o conhecimento. Na compra de um carro as pessoas compram benefícios, sejam eles funcionais, emocionais ou sociais (mais que as características puramente técnicas). Vender é encontrar algo com que as pessoas se importem e beneficiá-las; logo, pense e aja como pessoa – humanize a relação comercial e fale sempre ao coração e às ‘dores’ do seu cliente. Esqueça o que o carro é, e pense mais no que o carro faz (ou que vai fazer pelo cliente…qual será a sua melhor versão, como pessoa, depois de o adquirir?).

#7 Princípios básicos a ter sempre presente: um dos fatores críticos de sucesso em vendas é a capacidade de recolher e fornecer informações num formato tal que o cliente, em potencial, deseje fazer negócios connosco, porque simplesmente reconhece a nossa autoridade no ecossistema automóvel. A nossa proposta de valor, o preço e os benefícios do que oferecemos são relevantes, mas nada disto importa, a menos que consigamos comunicar e nos façamos ouvir por quem compra (de que serve comunicar quando não atingimos quem queremos atingir?). Logo, temos de estar incrivelmente sintonizados (rapport) com o potencial comprador e entender o que ele quer efetivamente quando nos diz algo, ou quando mesmo nada nos disser (por vezes, ler aquilo que não é dito é relevante)! Precisamos de saber como eles se movimentam no processo de decisão, com o que eles realmente se importam da nossa proposta de valor.

O importante para quem quer vender um automóvel não é ter razão, mas sim atingir um certo objetivo. Estando certo que um ‘não’ nunca é pessoal, mas sim circunstancial. Quando não sabemos o que queremos atingir numa venda ou negociação, qualquer caminho serve. Interessante é concentrar a nossa energia naquilo que queremos que aconteça e não naquilo que não queremos, pois grande maioria das pessoas é hábil em nos apresentar uma grande lista do que não quer. Para isso, e para quem ainda não se sentir vendedor antes de o realmente ser, colocar a si mesmo estas questões pode ajudar: O que é que eu quero? Onde é que estou relativamente ao que quero? Como eu chego lá?

José Carlos Pereira é engenheiro do ambiente, com MBA Executivo em Gestão Empresarial. É business expert, consultor, formador e speaker na área comercial e de negócios internacionais.