Foram vendidos cerca de 4,9 milhões de veículos elétricos a bateria (BEV) em 2021, ou 6% do mercado global de veículos ligeiros, partindo de 2,2 milhões ou 3% em 2020. E 2022 começou com uma tendência semelhante, que o Boston Consulting Group espera que conduzam a uma quota de 20% em 2025 e 39% em 2030. Contudo, nem todas as regiões têm o mesmo desempenho. A China liderou o pelotão em 2021, com uma penetração de BEV de 11% (2,7 milhões de unidades), seguida pela Europa com 9% (1,2 milhões) e depois os EUA com 3% (0,5 milhões) – apesar de a Califórnia se ter situado nos 12%. Apesar de as vendas na Coreia do Sul estejam a ganhar impulso, com 5,5% nos primeiros nove meses de 2021, mantêm-se surpreendentemente marginais no Japão.
Não há dúvida de que a Tesla acelerou o impulso da eletrificação que estamos atualmente a viver. Fundada em 2003, a empresa vendeu 936.000 unidades em 2021, sobretudo os modelos Y e 3. A Tesla representou 19% de todos os BEV vendidos globalmente, no último ano, baixando de 24% em 2019 e 23% em 2020. Mostra que nenhum dos Fabricantes de Equipamento Original (OEM – Original Equipment Manufacturer) tradicionais ou emergentes foram capazes de diluir massivamente a quota da Tesla neste florescente mercado, apesar do grande número de novos produtos que introduziram.
O crescimento de 126% nas vendas de BEV registados em 2021 conduziram a um aumento de 62% da frota de BEV ligeiros, para 11,2 milhões de veículos no final do ano passado – quase quatro vezes o volume atingido três anos antes. Contudo, isto representa ainda menos de um porcento da frota global.
Desde a sua fundação, a Tesla vendeu 2,4 milhões de veículos, ou 21% da frota atual (assumindo que a maior parte dos veículos ainda estão na estrada). Por comparação, os mais maduros OEM de BEV que estão a emergir na nova vaga, Xpeng e Nio, atingiram cerca de 1/10 das vendas da Tesla em 2021, i.e. cerca de 100.000 e 200.000 unidades até à data, respetivamente. O equilíbrio da frota global de BEV carrega frequentemente o símbolo de marcas chinesas estabelecidas, como a Wuling (joint-venture entre a GM e a SAIC) ou a BYD, com 55% de todos os BEV a operarem nas estradas chinesas.
No entanto, os fabricantes europeus, americanos, coreanos – e, mais recentemente, os japoneses – não estão parados. O Grupo Volkswagen, Hyundai Motor Group, Renault, Stellantis, Ford, GM, Mercedes, BYD e Geely contam-se entre os OEM mais agressivos. Estes fabricantes introduziram produtos convencionais como o VW ID.4, o Hyundai Ioniq 5, o Peugeot e-208, o Renault Mégane E-Tech, o GM Bolt ou o BYD Dolphin. Contudo, a Tesla mantém-se um líder distante, tomando até a dianteira do mercado geral na Europa, com o Modelo 3, em março de 2022 e dois outros meses em 2021.
Um grupo de aspirantes a Tesla começaram a emergir em 2015. Os mais avançados, i.e. Nio e Xpeng, lançaram os seus primeiros BEV no m mercado chinês em 2018. De forma similar, a Rivian e a Lucid começaram a entregar os seus primeiros produtos aos clientes dos EUA no início deste ano. Outros, como a Byton, apresentaram produtos mas não conseguiram fazê-los ver a luz do dia. Depois de alguns anos, é tempo agora de reavaliar como estão hoje estas empresas.
China: fabricantes estrangeiros perdem terreno para os OEM locais; start-ups ganham força
Os fabricantes estrangeiros estão a perder terreno à medida que o mercado muda rapidamente para BEVs com interiores e características ‘smart’. A sua penetração no mercado dos VE plug-in é significativamente mais baixa do que no histórico mercado dos veículos com motores de combustão interna, atingindo agora apenas 20%. Isto é ainda mais crítico à medida que o mercado dos VE continua a crescer rapidamente, mais do que duplicando nos quatro primeiros meses de 2022, ao passo que em 2021 o mercado total decresceu. O Grupo Volkswagen e a GM são quem mais está a perder nesta transição.
Os OEM chineses – em especial, os emergentes – demonstram uma capacidade superior para digitalizar os seus sistemas de controlo do habitáculo e infotainement replicando o modelo dos smartphones em muitos aspetos. Estas são vertentes aos quais os consumidores chineses são altamente sensíveis, em prejuízo da lealdade à marca. A Tesla é o único OEM estrangeiro com uma quota de mercado significativa. Nos primeiros quatro meses de 2022, a empresa norte-americana liderou este mercado com uma margem significativa, à frente da SAIC e da BYD.
A Xpeng e a Nio são as empresas de Veículos de Nova Energia com mais sucesso a emergir na China. Introduziram os primeiros produtos em 2018 e atingiram vendas de 98.000 e 91.000 unidades, respetivamente, em 2021, com base em três ou quatro modelos. As duas empresas abriram o seu capital e estão atualmente avaliadas em cerca de 25 a 30 mil milhões de dólares depois de terem atingido três vezes mais no pico das suas avaliações. Os rendimentos financeiros destas aberturas de capital permitiram-lhes ser ambiciosas nos seus produtos e desenvolvimentos comerciais.
No ano passado, as duas empresas começaram a vender os seus produtos a Europa, inicialmente na altamente eletrificada Noruega. Estão também a investir em tecnologia. Nos próximos meses, a Xpeng vai introduzir um novo SUV de sete lugares com uma arquitetura de 800 V. A Nio optou por um modelo de troca de baterias e instalou até agora mais de 900 estações de troca – incluindo na Noruega.
Estes dois líderes não estão sozinhos na sua tentativa de se tornarem intervenientes nos BEV. Dezenas de empresas tentaram. Entre aquelas que estão num segundo patamar contam-se a WM Motor e a Leapmotor, que venderam cada uma cerca de 40.000 BEV no último ano. A Always, um pequeno fabricante com dois BEV, começaram até a distribuí-los na Europa em 2021.
Europa: poucas start-ups emulam a Tesla
O Grupo Volkswagen está numa posição de liderança nas vendas de BEV (25% de quota de mercado), seguido pela Stellantis. A Tesla está na terceira posição, enquanto continua a ser a marca de BEV mais vendida, com o BEV mais vendido. A Europa não tem uma variedade de OEM emergentes para desafiarem os fabricantes tradicionais, como acontece na China ou nos Estados Unidos. Contudo, destacam-se algumas empresas, nomeadamente a Arrival, a Sono Motors e a Lightyear.
A Arrival, sediada no Reino Unido, está primeiramente focada numa carrinha comercial ligeira, com 10.000 unidades encomendadas pela UPS. Mas está também a desenvolver um robotáxi em parceria com a Uber, que pretende introduzir em finais de 2023. Agora uma empresa de capital aberto, a Arrival está razoavelmente bem financiada (cerca de mil milhões de dólares) e anunciou a construção de instalações ágeis de produção no Reino Unido e América do Norte.
Sediadas respetivamente na Alemanha e Países Baixos, a Sono Motors e a Lightyear angariaram menos dinheiro do que a Arrival (cerca de 270 milhões de dólares para a Sono e 100 milhões para a Lightyear) mas estão a avançar com os seus próprios veículos. Os seus futuros BEV têm em comum uma cobertura de painéis solares que ocupa uma porção significativa das carroçarias. Contudo, posicionam-se com preços muitos distintos – 28.500 dólares para a minivan compacta da Sono contra os 150.000 dólares do grande sedan da Lightyear. O início da produção está agendado para 2022 para a Lightyear e 2023 para a Sono, os dois modelos na fábrica da Valmet, na Finlândia. As duas empresas necessitarão provavelmente de mais financiamento para ganharem escala.
Curiosamente, existem ainda start-ups em fase inicial que projetam introduzir veículos alimentados por pilha de combustível. Por exemplo, a Hopium, sediada em França, está a desenvolver um grande sedan com autonomia de 1.000 km. Contudo, ganhar força ao longo de todo o ecossistema – especialmente a rede de carregamento – vai ser um desafio para os veículos pessoais.
EUA: Testa lidera confortavelmente; start-ups lutam para ganhar escala
Os Estados Unidos têm sido mais lentos do que a China na adoção de BEV, como anteriormente referido, mas o ritmo está a aumentar, em parte devido à introdução de novos produtos e ao interesse crescente dos consumidores. Contudo, a Tesla controlava ainda 70% do mercado no primeiro trimestre de 2022 – só o Model Y representa um terço de todos os BEV. Na Califórnia, a quota da empresa no mercado dos ligeiros de passageiros excedeu 10% nos últimos dois trimestres.
Além da Tesla, os EUA provaram ser um terreno fértil para as start-ups de BEV. As empresas mais maduras e bem financiadas são a Rivian, a Lucid e a Fisker. As três empresas abriram o capital nos últimos dois anos e as duas primeiras estão agora avaliadas em cerca de 30 mil milhões de dólares, e a última em 3 mil milhões – todas significativamente longe dos máximos – depois de angariarem cerca de 10 mil milhões, 6 mil milhões e mil milhões, respetivamente.
É de notar que estas empresas não partilham o mesmo modelo operacional. A Fisker subcontratou a maior parte do trabalho de engenharia e vai apoiar-se em contratos com fabricantes (Magna Steyer e depois a FoxxConn), enquanto as outras duas estão a desenvolver estas atividades dentro de portas.
A Rivian e a Lucid introduziram os seus primeiros modelos no mercado dos Estados Unidos no início deste ano, respetivamente uma pick-up robusta e altamente capaz e um sedan de luxo e elevado desempenho. Os veículos têm preços a partir de 67.000 e 87.000 dólares, respetivamente. O primeiro produto da Fisker, um SUV compacto, posiciona-se no coração do mercado com um preço de 37.500 dólares, com as entregas a terem início no final deste ano.
Estes produtos foram bem recebidos. No entanto, a intensificação da produção tem sido um desafio para a Rivian e Lucid. A primeira planeia agora produzir 25.000 veículos em 2022, e a última entre 12.000 e 14.000 unidades. Isto resulta de uma curva de aprendizagem difícil – veja-se o “inferno de produção” da Tesla – combinada com uma escassez de componentes transversal a toda a indústria. Contudo, suspeito que a Fisker terá maior facilidade em intensificar a produção, já que a Magna Steyer é um fabricante de veículos experiente.
O futuro destas empresas depende da sua capacidade para, primeiro, ganhar escala a nível de produção, e depois ganhar força no mercado. Com este propósito, a Rivian está a lançar paralelamente uma carrinha de entregas (a Amazon encomendou 100.000 unidades) e um SUV na mesma plataforma, a Lucid vai introduzir um SUV em 2024 e a Fisker está a preparar um SUV compacto mais barato para 2025.
Outras start-ups de BEV tiveram menos sucesso. A Faraday Future, a Byton, a Bollinger, a Lordstown e a Canoo estão a sofrer, na melhor das hipóteses, ou então estão a fechar, a mudar de foco ou a hesitar enquanto tentam ainda chegar ao mercado. Vão ocorrer consolidações e encerramentos nesta ‘liga’.
Por último, não devemos ignorar a Apple, que tem estado há vários anos a ‘brincar’ com a ideia de desenvolver e lançar o seu próprio BEV. No entanto, têm sido muito escassas as fugas de informação sobre estes planos, que parecem ter evoluído significativamente ao longo do tempo.
Outras empresas de BEV estão a emergir em outras regiões
A Sony decidiu aumentar a parada depois de apresentar o Vision-S, o seu primeiro concept car, na CES 2020. Em março último, assinaram um acordo com a Honda para “aprofundar a discussão e exploração da formação de uma aliança estratégica com vista à criação de uma nova era da mobilidade de serviços de mobilidade”. Parece claro que a questão já não é ‘se’, mas antes ‘como’, uma vez que as duas empresas planeiam começar a vender o seu primeiro BEV em 2025.
Estão a emergir outras empresas fora do triângulo Europa-China-EUA com planos ambiciosos para entrar no mercado dos BEV. Criada em 2017 como parte do vietnamita Vingroup, a VinFast apresentou cinco BEVs distintos na CES 2022 e, mais tarde, anunciou planos para estabelecer uma base de produção nos Estados Unidos. A VinFast vai introduzir o VF8 e o VF9 (SUV de cinco e sete lugares) na Europa e EUA no final de 2022 ou início de 2023. E existem mais players nos BEV, como a TOGG, sediada na Turquia. Este número crescente de empresas não é sustentável. A consolidação e o desgaste são inevitáveis, mas que empresas vão ser as vencedoras?
Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a start-ups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.