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Opinião

Artigo de Opinião de Marc Amblard

Construtores reforçam aposta nos VE numa altura em que o mercado atinge um ponto crítico

Opinião de Marc Amblard

2020 será recordado como o ponto de inflexão para os veículos elétricos (VE). A Europa viu as vendas de VE triplicarem para 8-10%. A China está a regressar a uma trajetória de crescimento, e espera-se que os EUA revertam a tendência negativa. Iniciado fundamentalmente pelas regulamentações de CO2, este impulso é sustentado por mais VE, melhores e mais baratos, lançados pelos construtores tradicionais ou por novos fabricantes, e pelo aumento da apetência dos consumidores.

Este ano, as regulamentações de CO2 e a crise atual provocaram a aceleração da penetração de veículos elétricos. É particularmente o caso da Europa, onde os VE deverão representar 8-10% de todos os automóveis ligeiros vendidos em 2020, contra 3,1% no ano passado. Os valores atingiram 9,9% no terceiro trimestre de 2020, quando a quota dos diesel caiu de 50% para 28% no final de 2015 (gráfico abaixo). Graças ao Velho Continente, as vendas de VE deverão atingir 2,5 milhões de unidades globalmente, mais do que os 2,1 milhões de 2019. Estamos a entrar no segmento vertical da curva em S – pelo menos na Europa –, o que está a despoletar um ciclo virtuoso, impulsionado por investimentos incrementais e pela visibilidade do produto.

Aceleração dos VE na Europa mostra clara inflexão

Na Europa, o lançamento de novos veículos elétricos, a maior sensibilidade para o impacto da mobilidade baseada em combustíveis fósseis na qualidade do ar e um conjunto de fortes incentivos resultaram num crescimento drástico dos VE, que teve início no primeiro trimestre de 2020 e tem vindo a ganhar impulso. Na Alemanha, a quota de VE atingiu 17,4% em outubro, e 11% no acumulado do ano. A França registou 14,3% em novembro, e 10,3% nos primeiros onze meses do ano. Em toda a Europa, a percentagem de VE na venda de veículos ligeiros mais do que triplicou no terceiro trimestre, relativamente ao período homólogo, aproximando-se dos 10%.

Na China, o mercado de VE ganhou força na segunda metade de 2020, depois de uma penetração mais lenta nos primeiros seis meses do ano. A quota de mercado de veículos elétricos situou-se nos 5% em 2019, e deverá ser marginalmente mais elevada em 2020, antes de ganhar impulso para os próximos anos. O mercado de VE é liderado pelas grandes empresas, como a SAIC, a BYD e a Tesla, mas fabricantes emergentes estão a fazer incursões significativas no mercado. Falaremos sobre isto mais à frente.

Nos Estados Unidos, foram vendidos 228 mil VE nos primeiros dez meses de 2020, contra 327 mil ao longo de 2019, o que representa uma ligeira quebra na quota de mercado. Felizmente, os veículos elétricos continuam a avançar lentamente na Califórnia, com a quota a aumentar para 7,9% entre as vendas de ligeiros, no acumulado do ano, comparativamente a 7,6% em 2019. É de salientar que, historicamente, este estado tem representado cerca de metade das vendas de VE nos Estados Unidos, apesar de reunir apenas cerca de 11% da população do país. No entanto, este aumento local não é suficiente para produzir um crescimento dos VE a nível nacional.

Pressão regulatória e incentivos impulsionam eletrificação

A partir de 2021, os fabricantes automóveis terão de atingir 95 gramas de CO2 por quilómetro nos seus modelos vendidos na Europa, reduzindo a média de 122 g/km em 2019 (dados JATO) – ou pagar 95 euros por cada grama de CO2 superior ao limite, por veículo vendido. A pressão sobre as emissões de CO2 na Europa apenas irá aumentar, com uma meta para 2030 de 60 gramas e, possivelmente, de 47 gramas; e um objetivo de, pelo menos, 30 milhões de automóveis com zero emissões nas estradas europeias até 2030. Os construtores não têm outra opção que não seja eletrificar largamente os seus portfolios.

Na China, em 2019, o governo central decidiu estender os incentivos, que deveriam ter inicialmente expirado há um ano, até ao final de 2021. No passado mês, apresentou um plano integrado para 2021-2035 (também conhecido como ‘Veículos de Nova Energia’). Os VE deverão representar 20% das vendas de automóveis novos em 2025, e o objetivo é significativamente mais agressivo no que diz respeito às frotas públicas.

Nos Estados Unidos, a administração cessante relaxou as regulamentações CAFE (Corporate Average Fuel Economy), de +5% por ano (definido pela administração Obama) para apenas +1,5%, apontando para uma meta de 40,6 milhas por galão (5,8 l/100 km) – ou 137 gramas de CO2 por quilómetro em motores a gasolina – em 2026. Felizmente, a administração Biden tem uma agenda climática clara, que inclui incentivos financeiros mais elevados e a adição de 500 mil pontos de carregamento públicos aos atuais 90 mil, até 2030 – o que é claramente insuficiente, já que a China tem já 600 mil ligações e a União Europeia mais de 200 mil. Simultaneamente, mais fabricantes apoiam agora metas de CO2 mais elevadas, próximas das definidas pela Califórnia. Espera-se que, com isto, se reverta a tendência negativa nos VE observada em 2019 e, muito provavelmente, em 2020.

Construtores apressam-se para trazer mais VE para o mercado, mais depressa

Se todos os construtores automóveis se encontram a desenvolver uma gama de veículos eletrificados, desde os mild hybrid, híbridos plug-in, elétricos puros (BEV) e VE com célula de combustível, alguns estão a adotar estratégias mais agressivas. Os fabricantes estão a reduzir os orçamentos para o desenvolvimento de motores de combustão interna, e muitos anunciaram a sua decisão de não desenvolverem novos motores deste tipo, daqui em diante, à semelhança da Daimler. Vamos ver o que alguns dos atores mais ambiciosos estão a fazer para aumentarem as quotas de mercado no acelerado segmento dos VE.

A GM aumentou o seu orçamento para a eletrificação e condução autónoma em 35%, para 27 mil milhões de dólares (mais de metade das suas despesas de capital e do orçamento para o desenvolvimento de produto). O lançamento de veículos está a ser acelerado: até 2025, serão introduzidos trinta novos veículos elétricos e 40% do seu portfolio nos Estados Unidos será elétrico. Os ciclos de desenvolvimento de alguns modelos estão a ser encurtados e esforços significativos estão a ser levados a cabo no que se refere à tecnologia de baterias – a GM anunciou uma quebra de 60% no custo de baterias até meados da década. A rapidez é absolutamente necessária.

A empresa estão tão empenhada na eletrificação que está dispostos a pagar até 500 mil dólares aos revendedores da Cadillac nos EUA para abandonarem o franchise se não estiverem dispostos a embarcar na viagem dos VE, que implica investimentos à cabeça (carregadores, ferramentas específicas, formação) estimados em 200 mil dólares e receitas menores com manutenção, no futuro.

O Grupo Volkswagen anunciou um investimento de 73 mil milhões de euros na eletrificação e tecnologia digital durante os próximos cinco anos, igual a 50% do orçamento de I&D e despesas de capital, que deverá resultar no lançamento de aproximadamente setenta BEV até 2030. Um aspeto crítico da mudança para a eletrificação é a conversão dos ativos existentes. A fábrica de Zwickau, na Alemanha, foi totalmente reconvertida, de uma produção 100% voltada para veículos de combustão interna (outrotra produziu o Trabant com motor a dois tempos) para uma produção 100% orientada para BEV, começando com o ID.3 e o ID.4.

O construtor germânico teve um excelente arranque com o ID.3, apesar de alguns problemas iniciais de software. O hatchback de dimensões similares às do Golf tomou a dianteira no mercado europeu, com 10 745 unidades vendidas em outubro, ligeiramente à frente do Renault Zoe, o anterior líder do mercado dos VE durante oito anos. O Grupo espera que a marca Volkswagen venda 1 milhão de VE em 2023, e 1,5 milhões em 2025.

A Hyundai Motor também está a prosseguir agressivamente uma estratégia de eletrificação. É ambição do fabricante vender 1 milhão de VE em 2025. Planeia introduzir vinte e três BEV até 2025, com base numa plataforma modular recentemente apresentada, que é capaz de autonomias de 500 quilómetros (WLTP). O construtor coreano também investiu na Arrival e na Canoo, entre outras, de forma a mais rapidamente ganhar acesso à tecnologia.

Muitos fabricantes novos estão a emergir com meios massivos

Dezenas de empresas foram estabelecidas nos últimos anos para tentarem a sua sorte no mercado dos VE, procurando replicar o sucesso da Tesla. Contudo, apenas algumas o conseguirão.

Na China, os atores emergentes estão confiantes, devido ao crescimento exponencial do seu valor de mercado. A Nio, a Xpeng ou a Li Auto estão atualmente avaliadas entre 30 e 60 mil milhões de dólares, com crescimentos massivos – ainda que pouco razoáveis, dada a sua dimensão – nos últimos três meses. A Nio e a Xpeng venderam respetivamente 37 e 21 mil BEV entre janeiro e novembro de 2020. São números que continuam marginais, mas revelam um rápido crescimento, i.e. mais 111% no caso da Nio e 87% no caso da Xpeng, comparativamente ao período homólogo. Este acesso mais fácil a capital reforçará seguramente o crescimento, com mais produtos para mais mercados.

Nos Estados Unidos e na Europa, uma série de fabricantes emergentes estão a ultimar a introdução dos seus produtos. Entre estes encontram-se a Rivian, a Lucid, a Canoo e a Lordstown nos EUA, ou a Arrival, na Europa. Alguns estão a cavalgar a moda dos VE para abrirem o seu capital à oferta pública, como a Arrival e a Lordstown, angariando milhões para financiarem o seu crescimento. A Rivian continua privada, mas angariou recentemente 2,5 mil milhões de dólares.

Qual o significado para a Tesla?

Resultará a aceleração dos fabricantes tradicionais e a emergência de novos atores numa diluição massiva da quota de mercado da Tesla? Não o creio. A Tesla não ficou parada a gozar o seu sucesso, tendo continuado a esforçar-se para se manter à frente da concorrência em termos de tecnologia, particularmente no que se refere à tecnologia de baterias. Elon Musk anunciou, há algumas semanas, que a empresa tem um plano para reduzir em cerca de metade o custo por kWh nas baterias dos veículos. Entretanto, está a ser introduzida maior autonomia nos veículos existentes, e.g. em breve, o Model S, com oito anos, terá uma autonomia de 700 quilómetros. Como referência, o Audi eTron oferece apenas 360 quilómetros.

A Tesla está também a expandir a sua gama com uma carrinha pickup, a segunda geração do Roadster e está ainda a planear um hatchback de 25 mil euros orientado o mercado europeu, de forma a aqui ganhar volume. A empresa vendeu 319 mil unidades entre janeiro e setembro de 2020, i.e. cerca de 30% de vendas globais de BEV. Para 2021, o consenso entre os analistas financeiros coloca as vendas da Tesla nas 800 mil unidades – quatro fábricas estarão a operar no final do ano, contra apenas uma no início de 2019.

Se a Volkswagen, a Hyundai e a Tesla progredirem conforme o anunciado, o volume de vendas da última manter-se-á elevado em 2023 e, muito provavelmente, em 2025, ainda que a Tesla veja a sua quota de mercado diluir-se. O que interessa no final é que a penetração global de VE continue a acelerar e a tornar-se rapidamente a norma em todo o mundo.

Vemos-nos aqui no próximo mês. Boas Festas, e um 2021 mais saudável e sereno para todos!

Fotografia de Marc Amblard

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a ‘start-ups’ sobre assuntos relacionados com a transformação profunda do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados. Publica mensalmente uma newsletter relacionada com a revolução da mobilidade.

Artigo de Opinião de Henrique Sánchez

Híbrido plug-in: porta de entrada para a mobilidade elétrica!

Opinião de Henrique Sánchez

A Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E – Transport & Environment) publicou, no passado mês de novembro, um relatório sobre os veículos híbridos plug-in (PHEV – Plug-in Hybrid Electric Vehicle) sob o título ‘Híbridos Plug-in: está a Europa a caminho de um novo desastre?’ (título original: ‘Plug-in Hybrids: is Europe heading for a new dieselgate?’). Este estudo coloca-nos perante um conjunto de questões que devemos analisar.

O estudo foca-se numa utilização generalizada, incorreta e deficiente, do veículo híbrido plug-in que, podendo verificar-se, não é a norma, pois existem muitos exemplos que nos demonstram precisamente o contrário, com o PHEV a ser utilizado da forma para a qual foi concebido: utilização elétrica em meios urbanos para trajetos diários pendulares casa-trabalho e utilização do motor de combustão interna para viagens mais longas de fim de semana ou de férias.

Podemos fazer uma comparação com um veleiro. Um veleiro é também um ‘veículo híbrido’: funciona com a energia do vento utilizando as suas velas e também possui um motor de combustão interna para manobras de entrada e saída dos portos de abrigo, das marinas e para situações de emergência, quando a falta total de vento ou a quebra de um mastro o obrigam a regressar ao porto de abrigo utilizando o motor de combustão interna. 

Imaginemos que o utilizador decide navegar arraiando as velas e navegando apenas usando o motor de combustão. Não está a dar a correta utilização a este veículo/barco; está na mesma situação, descrita no estudo como a mais usual, o que não é fundamentado, de um condutor de um veículo elétrico híbrido plug-in que só conduza com o motor de combustão interna – estará a dar-lhe uma utilização incorreta e ineficiente.

Podemos até caricaturar. É o mesmo que alguém comprasse uma carroça e um burro, colocasse o burro sentado em cima da carroça e começasse ele próprio a puxar pela carroça com o burro sentado na mesma. Será eficiente? 

Lembro-me da frase proferida pelo antigo treinador da seleção nacional de futebol, Scolari: “E o burro sou eu?”.

As notícias recentemente vindas a público, sobre os benefícios e incentivos que se destinam aos veículos elétricos híbridos plug-in, têm gerado alguma controvérsia. Existem dois tipos: Incentivo à Aquisição e Benefícios Fiscais.

O Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões, nome já desatualizado pois atualmente só os veículos 100% elétricos (e as bicicletas convencionais) se podem candidatar a este incentivo do Fundo Ambiental, mais conhecido por todos como Incentivo à Aquisição de um Veículo Elétrico, nome bem mais correto pois deste Incentivo estão excluídos os veículos híbridos plug-in. É o único incentivo direto à aquisição de um veículo elétrico e abrange os veículos ligeiros de passageiros e de mercadorias elétricos, os motociclos e ciclomotores elétricos, as bicicletas e as cargo-bikes elétricas, e as bicicletas convencionais.

Os benefícios fiscais podem ser de vários tipos: isenção ou redução parcial do Imposto sobre Veículos (ISV) e Isenção do Imposto Único de Circulação (IUC), comuns a particulares e às empresas; e a Dedução do IVA e a Poupança em sede de IRC, com valores máximos de aquisição para os híbridos plug-in de 50 000 euros (+ IVA) e para os 100% elétricos de 62 500 euros (+ IVA), exclusivos para as empresas.

Exemplo de poupança conseguida na compra de um veículo 100% elétrico, um veículo híbrido plug-in e um veículo com motor de combustão interna (benefícios fiscais exclusivos para empresas), para uma utilização de quatro anos:

Ao longo deste ano assistimos a um aumento significativo das autonomias dos veículos 100% elétricos e da capilaridade e expansão das Redes de Carregamento para Veículos Elétricos, seja a Rede Pública de Carregamento Normal ou a Rede Pública de Carregamento Rápido, com o aumento da potência de carregamento e consequente diminuição dos tempos de carga. 

Começam a dissipar-se as preocupações de quem adquiria um veículo 100% elétrico, quer fosse a autonomia ou a rapidez de carregamento na Rede Pública de Carregamento, razão pela qual a UVE defende que os benefícios fiscais sejam gradualmente transferidos dos híbridos convencionais e dos veículos híbridos plug-in para os veículos 100% elétricos, favorecendo e acelerando cada vez mais a eletrificação do parque automóvel em Portugal. Esta transformação deve ser um processo gradual e ter sempre presente a aceleração da eletrificação dos transportes, seja individual ou coletivo, público ou privado, da mobilidade dos humanos potenciando a transição energética da nossa economia. Esta transição dos benefícios que defendemos, enquanto Associação de Utilizadores, contribuirá naturalmente para que os veículos híbridos plug-in tenham menos propensão a ser adquiridos por razões de índole mera ou exclusivamente fiscal, o que inequivocamente também levará a um uso mais correto e eficiente dos mesmos.

A proposta, recentemente aprovada no âmbito da discussão na especialidade do Orçamento de Estado 2021, sobre a Taxa de ISV a aplicar aos híbridos convencionais e aos híbridos plug-in, assim como sobre a Taxa de Tributação Autónoma a aplicar em sede de IRC, são medidas com as quais a UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos concorda, pois, nos caso dos híbridos convencionais (não considerados veículos elétricos por não possuírem a capacidade de carregamento através de uma tomada) obriga-os a terem uma autonomia mínima de 50 quilómetros em modo elétrico e umas emissões máximas de 50 gCO2/km, limites que não existem na legislação em vigor; e, no caso dos veículos elétricos híbridos plug-in, aumenta o mínimo de autonomia dos 25 quilómteros para os 50 quilómetros e introduz pela primeira vez um máximo de emissões de 50 gCO2/km.

Em relação às Taxas de Tributação Autónoma em sede de IRC é também introduzido pela primeira vez mínimos de autonomia e máximos de emissões. 

A simples extinção de qualquer incentivo ou benefício aos veículos elétricos híbridos plug-in ou 100% elétricos é uma mensagem errada que se transmite, contracorrente, pois ainda estamos longe da eletrificação do parque automóvel, sendo que os híbridos plug-in têm um papel a desempenhar nesta mudança, como veremos de seguida.

Veículo híbrido plug-in: “o pior de dois mundos” ou a porta de entrada para a mobilidade elétrica?

Os veículos elétricos híbridos plug-in, se por um lado representam “o pior de dois mundos”, pois acumulam o pior do motor de combustão interna (ineficiência, mais custos de utilização, mais despesas de manutenção, etc.) e o pior do modo elétrico (a pouca autonomia da bateria, especialmente nos híbridos plug-in), também têm sido a porta de entrada para muitas famílias que não encontram uma alternativa 100% elétrica adaptada às suas necessidades, quer em termos de espaço interior, número de ocupantes, capacidade de carga ou autonomia disponível, iniciando a sua eletrificação com a aquisição de um híbrido plug-in. 

Através da sua correta utilização, usando o modo elétrico nas suas viagens pendulares casa-trabalho durante a semana e recorrendo ao motor a combustão para as viagens de férias ou de fim de semana, puderam confirmar, pela prática e pela sua própria experiência, as grandes vantagens da condução em modo elétrico em detrimento da utilização com o motor de combustão interna, muito mais agradável, suave, simples e eficiente, além dos menores custos de utilização e manutenção em oficina e peças.

Esta transição energética e a inerente eletrificação da mobilidade dos humanos deve exigir um esforço de todos os intervenientes: 

  • Os Construtores, que devem produzir veículos elétricos híbridos plug-in com baterias com maior capacidade e, portanto, que permitam mais autonomia em modo elétrico em detrimento da cilindrada dos motores de combustão interna;
  • As Empresas, que devem promover o uso das suas viaturas em modo elétrico, quer premiando a quilometragem percorrida em modo elétrico em detrimento dos quilómetros percorridos com o uso do motor de combustão interna, assim como devem fornecer aos seus colaboradores cartões CEME (Comercializador de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica), tal como já o fazem para os cartões frota de combustíveis fósseis, devendo também disponibilizar a possibilidade de carregamento nas suas próprias instalações;
  • Os Utilizadores, que devem fazer um uso correto dos respetivos veículos elétricos híbridos plug-in, usando o modo elétrico sempre que seja aconselhado e possível.
  • O Estado, que deve manter os Incentivos e os Benefícios Fiscais aos veículos elétricos híbridos plug-in, podendo, de uma forma gradual, ir transitando parte desses incentivos/benefícios para os veículos 100% elétricos, mas nunca suspender ou diminuir os mesmos, pois seria uma mensagem errada dada a todos nós e ao mercado em geral.

A utilização correta dos veículos elétricos híbridos plug-in permite aos seus utilizadores e respetivas famílias, após a constatação dos enormes benefícios da condução em modo elétrico, a transição do veículo elétrico híbrido plug-in para o veículo 100% elétrico. É só uma questão de fazer as contas, mas também de ter em atenção as preocupações ambientais para que todos nós estamos, felizmente, muito mais despertos nesta fase de pandemia da COVID-19.

Os veículos elétricos híbridos plug-in são um passo importante e uma porta de entrada para a mobilidade elétrica, para um número cada vez maior de utilizadores, sempre e quando lhe seja dada a utilização para a qual foi concebido. 

Tudo o resto, alterações de valores de emissões, informação incorreta, imprecisa ou negligente, poderão ser casos de polícia e como tal devem ser tratados. 

Um desastre ambiental é o naufrágio de um petroleiro ou a explosão de uma plataforma de exploração petrolífera offshore, com impactos nefastos na natureza e no ambientem e que perduram anos; e não, de todo, o uso por vezes incorreto ou ineficiente de um veículo elétrico híbrido plug-in, como nos tentam fazer crer.

Henrique Sánchez é Presidente do Conselho Diretivo da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos

Vencedores e Perdedores da Mobilidade em tempos de Corona - Opinião de Stefan Carsten

Coronavírus e mobilidade: os vencedores e os perdedores

Opinião de Stefan Carsten

A pandemia do coronavírus tem definido o nosso comportamento a nível de mobilidade desde fevereiro deste ano. Praticamente todas as sociedades se encontram, atualmente, na segunda vaga. Pelo menos todas aquelas sociedades que dizem a verdade… Sentimos os efeitos deste acontecimento global em todas as dimensões: social, económica e ecológica.

Há características positivas e negativas em cada ambiente – para todos aqueles que estão envolvidos nos negócios, na sociedade ou na política. Porém, um facto é óbvio. Mesmo que haja agora uma pequena luz visível no fundo do túnel – uma vacina que em breve fará manchetes – seremos diferentes daqui em diante. O vírus alterou a nossa mobilidade, uma vez que nós fomos modificados pelo vírus. O próximo normal terá sempre de incorporar as experiências que vivenciámos nos últimos meses. Utilizo os transportes públicos? Quão preenchidos estarão os autocarros e comboios? O carro partilhado está realmente livre de vírus? Talvez prefira a bicicleta?

Além disso, todos nós nos questionamos como serão as circunstâncias, em termos concretos, a nível da mobilidade. Irá o automóvel realmente suplantar os transportes públicos? Irá a curva de crescimento da bicicleta continuar a subir de forma acentuada? Será que as nossas cidades terão verdadeiramente uma aparência diferente após a crise, uma vez que as estradas e infraestruturas foram reconstruídas em prol do espaço público, beneficiando, na verdade, cada pessoa? E o que significam estes futuros para a dimensão social da mobilidade?

Alguns de nós não foram praticamente afetados com esta crise. Trabalham nas suas áreas de atividade e nos seus projetos e vivem uma mobilidade consciente, que integra uma bicicleta, por vezes um carro, e utilizam esporadicamente a oferta de transportes públicos. Vivem no mundo dos chats e reuniões online, e desfrutam das vantagens do novo ambiente de trabalho, flexível e quase independente. Estes são os vencedores da mobilidade deste tempo.

Por outro lado, há muitos que não têm esta possibilidade. São os trabalhadores dependentes que não têm qualquer escolha. Têm de se deslocar diariamente para o trabalho e dependem dos transportes públicos coletivos. Estes só conhecem as vantagens de trabalhar a partir de casa através daquilo que ouvem de terceiros.

A crise divide assim a população em vencedores e perdedores. Quem pode pagar, quem é privilegiado, não toma contacto com as consequências negativas da pandemia? Esta é, pelo menos, a conclusão de um inquérito apresentado recentemente na Alemanha. O estudo ‘Mobility in Times of Corona’, do Instituto de Investigação Social e do Centro de Ciências de Berlim, foi financiado pelo Ministério Federal da Educação e Investigação e baseia-se num inquérito representativo, com entrevistas e análise de dados obtidos a partir de uma app de mobilidade.

Os problemas gerais dos transportes públicos têm-se mantido num nível semelhante desde o início da crise, embora as atividades escolares na Alemanha tenham voltado à normalidade em setembro. Neste momento, só utilizam os transportes públicos as pessoas que não têm outra alternativa. Portanto, trata-se principalmente daqueles que não podem trabalhar a partir de casa, não têm carta de condução ou veículo e têm um rendimento relativamente baixo.

De acordo com o estudo, a quota do transporte público em todas as distâncias percorridas (repartição modal) é de 15% para pessoas com um rendimento líquido até 1 300 euros. Para as pessoas com rendimentos mensais superiores a 2 200 euros, por seu lado, este valor é de uns meros 3%.

A tendência para as pessoas com menos rendimentos utilizarem os transportes públicos de forma tão desproporcionada não era tão notória antes do coronavírus. A partir de agora e com maior frequência, os antigos utilizadores dos transportes públicos ficam em casa ou trocaram de meio de transporte. Entre aqueles que começaram a trabalhar no seu escritório doméstico, quase metade adotou a bicicleta como o principal meio de transporte para as restantes viagens, e 24% o automóvel. Este desenvolvimento continuará até 2021 ou até se intensificará, caso a segunda vaga de infeções se mantenha nos níveis atuais. Até ao momento, corre tudo como o esperado.

Contudo, os investigadores argumentam agora que isto significa que o transporte público já não é a espinha dorsal da reviravolta nos transportes e o epítome do combate às alterações climáticas. O que pensam vocês, caros leitores? Eu considero esta suposição simultaneamente ingénua e perigosa. Em minha opinião, também contradiz a tendência para, especialmente nas cidades, a multimodalidade se assumir como uma característica das sociedades modernas. A médio prazo, isto voltará a fazer parte da vida quotidiana. Não no curto prazo, mas também não a longo prazo. Até lá, é importante resistir e fazer os investimentos necessários com base em investimentos públicos.

O estudo tráz então boas notícias. Não se registou um aumento da procura de carros na sequência da pandemia da COVID-19. Apenas 1% dos inquiridos referiu, em outubro, que iria comprar um automóvel – ou estariam a consideram adquirir um adicional. Qualquer pessoa que tenha um carro o conduz. Mas ninguém compra um carro novo por causa do coronavírus. E sejamos francos: este vírus irá acompanhar-nos durante bastante tempo.

Artigo de Opinião de Pedro Gil de Vasconcelos - E Agora?

E agora?

Opinião de Pedro Gil de Vasconcelos

Terras raras é um grupo de 17 minerais, que eram verdadeiramente raros, pelo menos no nosso quotidiano, até há umas décadas.

No entanto, nos últimos tempos, essa raridade deixou de o ser. Estão cada vez mais presentes, como aliás todos os minerais, em cada momento dos nossos dias.

Por exemplo, um carro do início deste século teria mais ou menos tanto ouro, quanto neomídio, este sim, uma terra rara. Um automóvel de hoje em dia, principalmente um elétrico, consome terras raras como uma beata consome hóstias.

Vejamos: o cério está presente em vidros, espelhos, ecrãs e nas baterias, que por sua vez ainda necessitam de lantânio. Os motores elétricos, para funcionarem precisam de neomídio, praseodímio, térbio e disprósio, no fundo os mesmos minerais que, por exemplo, um gerador eólico consome às toneladas.

Há trinta ou quarenta anos isto era, na sua maioria, uma lista de 17 coisas com nomes estranhos, quase impronunciáveis, que um homem, de seu nome Deng Xiaoping, que entre outras coisas foi o ‘pai’ do actual modelo económico da China, decidiu monopolizar.

Pelos vistos, na charneira dos anos 80/90 do século passado, Deng Xiaoping terá dito algo do tipo, “o Médio-Oriente tem petróleo e nós temos terras raras”. 

Hoje a China detém praticamente o monopólio mundial de terras raras e ainda por cima, no passado dia 13 de Outubro, anunciou que ia limitar a exportação destes minerais.

Para o Ocidente isto não são boas notícias, pois ou são encontradas e exploradas fontes viáveis de terras raras com quantidade, ou vão todos voltar ao telefone agarrado à parede e tirar das garagens as velharias fumarentas que por lá vamos guardando. 

Colocando de forma simples: ou a torneira volta ser aberta, ou conseguimos encontrar novas fontes fora da China (estima-se que lá existam 97% das reservas), ou voltamos ao mundo de um antigamente próximo.

Os estudos indicam que estes materiais existem com alguma abundância em outros locais fora da Ásia, como na Rússia (e continuam a não ser boa notícias para o Ocidente), na América do Sul, Austrália e Estados Unidos.

Por cá também existirão algumas, mas no imediato mais parece que caminhamos para um novo conflito económico.

A Europa quer descarbonizar e bem, acrescento, mas se o monopólio actual das terras raras não for de alguma forma ‘quebrado’ tudo vai ficar mais difícil e certamente mais caro, para as bolsas e meio-ambiente. 

Será possível conseguir um planeamento de longo prazo, para as democracias ocidentais? Era bom, para não cairmos no “e agora?”.

Por opção do autor, este texto não foi escrito de acordo com as regras do novo Acordo Ortográfico.

Pedro Gil de Vasconcelos é licenciado em Cinema e Audiovisuais, tendo sido jornalista da RTP, onde participou e liderou diversos projetos, muitos deles ligados à mobilidade. Atualmente, lidera a Completa Mente – Comunicação e Eventos Lda.

Artigo de Opinião de Paula Teles

O planeamento da mobilidade como colete salva-vidas da COVID-19

Opinião de Paula Teles, Presidente e Fundadora do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM). 

O mundo nunca mais será o mesmo depois de 2020 e a mobilidade urbana vai ser fundamental nesta nova equação do planeamento das cidades. Sabemos que o planeta nos obrigou a parar para termos a consciência de que tinha atingido o seu limite.

Os dados mostram que o maior número registado de mortes por COVID-19 coincide com as cidades mais poluídas. Há especialistas que referem que vamos ter de viver em permanentes pandemias, de outras origens e formas, cujas frequências terão ciclos de tempo cada vez mais curtos. Por outro lado, também temos registos que evidenciam que mais de um terço do dióxido de carbono libertado para a atmosfera advém dos transportes e mobilidade. Assim, não se pode negligenciar as preocupações com o uso e abuso do automóvel que o tornou o rei das deslocações. Antes da pandemia, havia cidades que estavam engarrafadas todo o dia. E em Portugal, durante décadas as vilas e as cidades foram desenhadas para este modo. Esta situação, veio contribuir de forma inequívoca, para problemas de saúde pública que agora estamos a enfrentar.

Como podemos inverter esta tendência? Só vejo uma maneira: planear as cidades. Planear a mobilidade e integrá-la com o planeamento urbano e o ordenamento do território. Evitar que todos nós tenhamos de fazer longas distâncias, todos os dias, para nos deslocarmos para o trabalho ou escola. Evitar ainda, a construção de espaços urbanos monofuncionais. É da multiplicidade funcional que deverão ser construídos os nossos bairros e as nossas cidades. De resto, muito tenho escrito sobre o tema, sublinhando a necessidade de termos espaços nas cidades onde a escala urbana seja mais humana. Onde as nossas crianças possam voltar a brincar e jogar a bola. Onde as gerações mais velhas possam cuidar das mais novas, sentadas num banco de jardim, debaixo da frescura de uma árvore. Ou seja, urgente planear as cidades para resgatar espaço ao automóvel, apostando nos modos suaves, como andar a pé e de bicicleta para as curtas distâncias e nos transportes públicos para as maiores distâncias e integrando esta mobilidade na estrutura ecológica urbana.

Mas, como incentivar os cidadãos a usarem os transportes públicos se, também, os traçados, horários e frequências, na maior parte das vezes, não estão alinhadas com as múltiplas cadeias de deslocação geradas durante as múltiplas tarefas profissionais e familiares que se têm de conciliar? Para já nem falar no desenho do chão das cidades, repletos de barreiras urbanísticas e arquitetónicas que impedem o acesso às pessoas com mobilidade reduzida. De resto, importa referir que 60% das deslocações em automóvel são efetuadas para distâncias menores que 3 quilómetros e que apenas desenhamos as cidades para 40% dos cidadãos.

O que é preciso fazer? Tomar decisões políticas! As medidas técnicas há muito que estão referenciadas. Apontam a necessidade de inverter esta tendência excessiva de andar de automóvel e apostam na mobilidade mais suave, amiga, inclusiva e sustentável.
Se por um lado a mobilidade urbana tem de responder às análises dos padrões de mobilidade verificados, por outro, tem de responder, com urgência, aos desafios que o nosso planeta nos está a lançar em matéria de descarbonização e alterações climáticas.

Neste momento e depois destes meses de confinamento, as cidades terão de se preparar, para o retorno às atividades e, consequentemente, ao espaço público. Serão medidas simples a tomar, aproveitando os diversos canais que eram dedicados aos automóveis, transformando-os em ciclovias, em corredores BUS/BRT ou de emergência e, ainda, ampliando os passeios, segregando- as por pinturas, mobiliário urbano ou simplesmente através de sinalização temporária, como balizadores. Várias ruas já estão a ser de coexistência, pedonais ou partilhadas e os sentidos de circulação automóvel aproveitam esta oportunidade para serem repensados. Desenham-se, ainda, novos lugares de estadia, ampliam-se as praças e os lugares de vivência, desenhando cidades como se fossem as nossas casas, onde os ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, impostos pelas Nações Unidas, estão integrados.

Em síntese, a par de medidas de teletrabalho que reduzem emissões, soluções de mobilidade recorrendo a soluções de acupuntura urbana são implementadas, de acordo com as estratégias definidas nos Planos de Mobilidade Urbana Sustentável, os únicos documentos técnicos de informação política, que poderão integrar, numa visão holística, todos os layers que compõem os desafios de hoje. Para isso, precisamos de políticos fortes, com determinação, que façam o seu trabalho, que não pensem na questão populista dos votos, mas sim na necessidade de aumentar e democratizar o espaço público, na certeza de que este modo de mobilidade suave, é essencial na melhoria da saúde do nosso planeta.

Licenciada em Engenheira Civil, com especialização em Planeamento do Território (FEUP). Mestre em Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano (FEUP/FAUP) e pós-graduada em Estratégias e Metodologias da Gestão Urbanística. Fundadora e CEO da mpt® (2004), empresa de planeamento urbano e gestão urbanística, pioneira em Portugal na área da mobilidade urbana inclusiva.  Consultora autárquica em dezenas de municípios nas áreas dos Transportes, Mobilidade Urbana, Desenho Urbano e acessibilidades e mobilidade para todos.  Professora universitária em várias Universidades portuguesas e europeias, é fundadora e Presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM). É autora e co-autora de um vasto conjunto de publicações em matéria de Acessibilidade e Mobilidade, recentemente lançou a obra “A Cidades das Bicicletas – Gramática para o Desenho de Cidades Cicláveis” (2019). 

 

Opinião Marc Amblard - Concentração na Tecnologia AV acelera

A concentração da tecnologia de Veículos Autónomos está a acelerar

Opinião de Marc Amblard

A crise atual está a criar uma pressão significativa nos orçamentos dos construtores tradicionais do setor automóvel, forçando-os a repensar a alocação estratégica de recursos cada vez mais escassos. A compressão dos orçamentos de I&D, impulsionada pelo mercado, surge num momento em que os fabricantes precisam de gastar montantes significativos para cumprirem as regulamentações relacionadas com o CO2, assim como para se defenderem da Tesla e de outros construtores emergentes. A eletrificação está a crescer de forma rápida e as empresas compreendem que devem estar plenamente a bordo, caso não pretendam ficar para trás.

Em julho, publiquei um artigo denominado ‘A crise baralha as contas nos Veículos Autónomos’, onde analisei a transformação global em curso do ecossistema dos Veículos Autónomos (AV). Tal como a restante indústria, as empresas perceberam que o esforço necessário para trazer a tecnologia AV ao mercado é significativamente maior do que o antecipado, e que a tão esperada massificação tem sido empurrada vários anos para o futuro.

Faz sentido contar com parceiros para desenvolver a tecnologia AV, desde que não se trate apenas de ‘viajar no banco de trás’. Liberta recursos para as empresas se concentrarem no que é mais importante a curto e médio prazo, ou seja, os veículos elétricos, e aproveita a experiência onde quer que ela esteja, neste caso em empresas de tecnologia. No entanto, desistir do desenvolvimento independente dos veículos autónomos tem um custo a longo prazo: os fabricantes irão, provavelmente, renunciar a alguns fluxos de receitas relacionados com a mobilidade e direitos parciais sobre dados de futuros clientes.

Encontrar o equilíbrio certo entre o desenvolvimento interno e o desenvolvimento externo é fundamental. Negociar os termos adequados em parcerias de longo prazo é ainda mais crítico, dado o impacto estratégico envolvido. Isto definirá caminhos de rentabilidade a longo prazo, sendo até possivelmente uma questão de vida ou morte.

Parcerias mais recentes entre construtores e empresas tecnológicas

A Daimler Trucks é o mais recente construtor a entrar nesta ‘onda’. A sua unidade de veículos comerciais acaba de assinar uma ampla parceria estratégica com a Waymo, com vista a implementar a tecnologia AV de nível 4 em camiões pesados. Da mesma forma, a Traton, unidade de camiões do Grupo Volkswagen, e a afiliada Navistar International concordaram em investir – e, presumivelmente, estabelecer uma parceria – na tecnologia autónoma de camiões TuSimple.

Em meados de 2020, a Volvo Cars e a FCA desistiram do desenvolvimento interno de veículos autónomos. Os dois grupos optaram pela Waymo como parceiro estratégico exclusivo para a tecnologia de nível 4. No ano passado, a Renault e a Nissan também assinaram com a unidade Alphabet, embora o âmbito anunciado se limite a explorar serviços de mobilidade sem condutor em França e no Japão.

No início deste ano, o Grupo VW finalizou o negócio, anunciado em 2019, para a compra de 40% da Argo, uma das maiores empresa de desenvolvimento de tecnologia AV, e na qual a Ford detém uma participação similar. O grupo alemão incorporou a sua própria unidade de desenvolvimento AV, denominada AID, na Argo. É interessante realçar que o construtor também criou a Volkswagen Autonomy GmbH, uma entidade dedicada ao desenvolvimento de veículos autónomos que serão provavelmente equipados com a tecnologia da Argo.

No início de 2020, a Toyota fez um investimento significativo (400 milhões de dólares) na Pony.ai, tornando a startup sino-americana num parceiro efetivo para o desenvolvimento de tecnologia AV. É de salientar que, no ano passado, a Toyota fez também um investimento considerável na Uber ATG, a divisão da Uber que desenvolve tecnologia para veículos autónomos e que está alegadamente à venda. É muito provável que a Toyota esteja a assegurar múltiplas fontes, especialmente porque a ATG parece estar a progredir de forma lenta.

No ano passado, a Hyundai Motors uniu-se à Aptiv para aproveitar a unidade de desenvolvimento AV deste fornecedor – anteriormente NuTonomy. O fabricante coreano contribuiu com 2 mil milhões de dólares para a nova joint venture, que foi recentemente batizada de Motional. Em 2018, a Honda assinou uma parceria de longo prazo com a Cruise, da General Motors, comprometendo 2,75 mil milhões de dólares durante dez anos. Como resultado, em janeiro a Cruise apresentou um táxi autónomo, desenvolvido no quadro desta parceria.

Se a maioria dos construtores estabeleceu colaborações para co-desenvolver ou adquirir tecnologia AV, alguns permaneceram à margem. É o caso quer da BMW, que terminou sua cooperação com a Daimler há alguns meses, quer da PSA, que parece favorecer a estratégia de fast follower, sem comunicar claramente como.

Impacto significativo no ecossistema das startups

A concentração entre os criadores de tecnologia AV teve um impacto significativo no ecossistema de startups que fornecem tecnologias de suporte (mapeamento, anotação de dados, simulação, Lidar, …), uma vez que significa um menor número de clientes potenciais. As startups mais fortes têm agora acesso a contratos potencialmente maiores. Isto traduz-se na capacidade de atrair uma parcela maior dos fundos de capital de risco disponíveis – por exemplo, os 125 milhões de dólares angariados pela Applied Intuition (simulação) na sua mais recente ronda de investimento. Ao mesmo tempo, outros têm menos oportunidades de negócio, resultando em mais dificuldades na captação de fundos.

Este é, por exemplo, o caso das startups de Lidar. Entre as mais maduras, a Velodyne, a Luminar e a Aeye aderiram recentemente à ‘moda’ e tornaram-se públicas, com avaliações na ordem dos milhares de milhão de dólares. Outras startups também apresentaram avaliações elevadas este ano, como a Waymo (3 mil milhões), Pony.ai (729 milhões) ou a unidade de condução autónoma da Didi (500 milhões).

Os objetivos mais amplos dos construtores: recursos de software

A tecnologia AV não é o único domínio no qual os fabricantes automóveis se renderam. A Google e a Amazon estão a fazer importantes incursões nos domínios do infotainement automóvel e da assistência digital, respetivamente com o Android e o Alexa. Muito em breve, é provável que sejam dominantes e aproveitem o seu poder de mercado para ganharem controlo sobre mais dados.

É igualmente preocupante para os construtores ​​testemunharem a afiliação Google-Waymo, bem como a recente aquisição da Zoox por parte da Amazon. Estas entidades estão progressivamente a ganhar força no que poderia ter sido o terreno destes construtores. De forma a recordar, a Tesla aborda a condução autónoma, o infotainement e o sistema de navegação com soluções proprietárias.

A viragem dos construtores para as empresas de tecnologia deve ser colocada em perspetiva com a generalização da digitalização na indústria automóvel. Se não conseguirem ter sucesso no desenvolvimento de um núcleo de conhecimentos especializados de software para o veículo em geral, o grupo motopropulsor, o chassis ou a experiência do utilizador, os construtores verão a defesa da sua posição tornar-se ainda mais difícil.

Os construtores automóveis e os fornecedores de nível 1 devem enfrentar o desafio estratégico relacionado com o rápido crescimento e o papel crítico do software. Algumas empresas planeiam organizar grandes equipas internas – por exemplo, o Grupo VW com a Car.Software, a Toyota com a Woven Planet, ou a Bosch com a sua divisão de ‘soluções informáticas interdisciplinares’. Não obstante, não será uma tarefa fácil, em parte devido às culturas corporativas, demonstrado, por exemplo, pelo difícil início da Volkswagen.

Fotografia de Marc Amblard

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a ‘start-ups’ sobre assuntos relacionados com a transformação profunda do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados. Publica mensalmente uma newsletter relacionada com a revolução da mobilidade.

Opinião de Francisco Ferreira - Associação ZERO

Automóveis elétricos precisam-se, mas não chegam: é preciso reduzir o uso de transporte privado

Opinião de Francisco Ferreira, Presidente da ZERO

Na União Europeia (UE) os transportes representam cerca de 25% das emissões totais de gases com efeito de estufa, e são a principal causa de mortalidade nas cidades. A poluição atmosférica, muito ligada aos transportes, origina cerca de 400 mil mortes prematuras por ano, sendo o fator de risco ambiental mais importante para a saúde humana. Ficam ainda doentes 6,5 milhões de pessoas todos os anos com doenças atribuíveis à poluição, tais como doenças coronárias ou respiratórias. Isto representa uma fatura pesada na saúde individual e no sistema de saúde pública: por exemplo, em Lisboa os custos sociais da poluição ascendem a 636 milhões de euros por ano (1 159 euros por habitante) e no Porto a 226 milhões de euros por ano (950 euros por habitante).

Infelizmente, nas certidões de óbito a causa da morte nunca é atribuída a ‘poluição atmosférica’, pois a ligação entre a causa da morte e a morte é bastante diferida no tempo, sendo a doença apontada a como causa da morte, e não a causa da doença. Por este motivo tem sido tão difícil resolver o problema da poluição, pois há uma ligação indireta e difusa entre os custos e os benefícios. Historicamente, em geral os governos não aceitam custos económicos e políticos no presente em nome de uma probabilidade menor de os eleitores por motivo de poluição num futuro mais ou menos longínquo morrerem, e o combate à emergência climática enfrenta o mesmo tipo de problema. É por isso que, quer a poluição, quer a emergência climática, não só não se resolvem como se têm agravado.

Além disso, o sector dos transportes é dos mais difíceis de despoluir e descarbonizar, devido a padrões de mobilidade geográfica e temporal muito granulares, a um uso final de energia pouco diversificado, assente em combustíveis derivados do petróleo difíceis de substituir, e ao crescimento contínuo da procura; por isso, apesar de históricos ganhos de eficiência nos motores e a adoção de melhores políticas públicas, as suas emissões continuavam a crescer no passado recente pré-COVID19. 

Não obstante, há esperança. Como resultado dos alertas da comunidade científica, é agora consentâneo e faz abundantemente parte do discurso político internacional e nacional o reconhecimento de que a sociedade tem de adotar padrões de mobilidade sustentável, sendo a década de 2020 fulcral para isso. Com essa finalidade, a tecnologia verde é vista por muitos como uma panaceia, e foco de muitas das políticas públicas atuais. No caso do transporte de passageiros, que se faz maioritariamente em automóvel – em Portugal quase 90% das deslocações de passageiros é feita desta forma –, a grande aposta é nos automóveis elétricos, em princípio muito mais limpos que os convencionais. Mas é realmente o automóvel elétrico a panaceia climática desejada?

Apesar de as vendas destes veículos representarem já uma fatia importante do mercado automóvel – a rondar os 10% na UE e em Portugal –, a verdade é que a sua presença na frota automóvel em circulação ainda é diminuta, tipicamente inferior a 0,5% do total, e parte destes automóveis elétricos são híbridos plug-in com emissões reais altíssimas – os híbridos plug-in de fachada. Uma vez que a longevidade dos automóveis é grande, e a implantação de uma ampla infraestrutura de suporte à mobilidade elétrica é complexa, cara e demorada, o que condiciona as vendas de automóveis elétricos, demorará ainda bastante tempo até estes automóveis começarem a ter um impacto climático positivo apreciável.

Esse tempo poderá ser mais ou menos longo, conforme o desenho das políticas públicas, a evolução da tecnologia e da economia, mas os estudos indicam que mesmo nos cenários em que os carros elétricos penetram muito fortemente nas frotas, as metas sectoriais não são cumpridas; além disso, o número de carros elétricos que é necessário colocar nas estradas é de tal forma alto que colocará muitas dificuldades no seu abastecimento, e uma pressão insustentável nos recursos naturais necessários para produzir estes automóveis, nomeadamente lítio, cobalto e manganês, mesmo admitindo um bom sistema de reciclagem destes materiais. A conclusão de que a mobilidade elétrica não permite cumprir as metas climáticas sectoriais é, pelos mesmos motivos, extensível a outras tecnologias automóveis, como a do hidrogénio ou a dos biocombustíveis.

Portanto, para cumprir os desígnios climáticos é inolvidável recorrer a medidas que façam reduzir o número de carros em circulação e a sua utilização, ou seja, é imprescindível a aplicação de políticas públicas eficazes orientadas para uma mudança comportamental de larga escala. Tal envolve a expansão e melhoria do transporte público, incluindo transporte público on-demand, incentivos ao teletrabalho, e políticas criativas no estacionamento automóvel, na promoção dos modos suaves de mobilidade, na mobilidade partilhada, na fiscalidade dos combustíveis, nos subsídios à utilização do transporte público, e na utilização das vias de rodagem e gestão dos congestionamentos. Por outro lado, não é claro que a mobilidade do tipo ride-hailing, e no futuro em veículos autónomos, seja vantajosa em termos ambientais, pois há estudos que sugerem que fomenta a procura induzida, e portanto apoios a estas tecnologias devem ser ponderados e nunca feitos em detrimento do investimento em transporte público.

Em suma, os automóveis elétricos permitirão reduzir de sobremaneira a poluição urbana. São ainda necessários para reduzir as emissões de CO2, mas não são suficientes para resolver o problema no sector. São sim uma mera peça de um grande puzzle, que deve incluir uma gama abrangente de políticas públicas que conduzam a uma significativa menor utilização do automóvel privado.

Francisco Ferreira é Professor Associado no Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-NOVA) e investigador do CENSE (Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade). É o Presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, uma organização não-governamental de ambiente nacional.

Artigo de Opinião de José Carlos Pereira - A Mobilidade Elétrica já se tornou adulta?

A mobilidade elétrica já se tornou adulta?

Opinião de José Carlos Pereira

A mobilidade elétrica ainda não atingiu a maioridade. É até bastante jovem; não diria que a dar os primeiros passos, mas ainda com muito caminho a percorrer e muito para amadurecer.

Veja-se, como simples exemplo ilustrativo, que o lançamento do Leaf da Nissan tem apenas 10 anos. Desde aí, seja em modelos seja em tecnologias, a inovação e a aceleração foram assinaláveis: tecnologia das baterias, autonomia dos veículos, potência do carregamento, interfaces/softwares, conectividade, modelos de negócio e comunicação, regulação, integração na rede elétrica, carga automática (sem fios) e muitas outras. 

Uma verdadeira revolução… que, estou certo, vai continuar em inovação acelerada nos próximos anos. Podemos até aproveitar, exportando para o mundo tecnologia desenvolvida por cá – já existem casos bem interessantes!

E, assumidamente, Portugal está na tendência, pois em 2019 foi o 6º país do mundo com maior quota de venda de veículos elétricos e híbridos plug-in conjugados (5,67%, embora a Noruega lidere com 55,93%).

E o que nos diz isso? Que estamos a ‘surfar’ essa tendência, mas que necessitamos de ter melhores condições de financiamento e fiscais, regulação e infraestruturas para que façamos, efetivamente, parte da revolução. 

A evolução da mobilidade elétrica tem duas etapas distintas: uma inicial, de arranque, e uma segunda de massificação. Na fase de arranque, o financiamento foi (ainda é) a criação de estímulos e incentivos para o desenvolvimento do mercado e da infraestrutura de mobilidade elétrica. Hoje, a escala e o crescimento já possibilitam o aparecimento de modelos de negócio economicamente interessantes e sustentáveis.

Visto já estarmos no início da fase de massificação, deverá prevalecer a lógica de mercado, enquadrada por uma regulação forte e eficaz. E a iniciativa privada deve, nesta fase, ter um papel primordial no desenvolvimento e financiamento dos projetos, apostando naqueles que poderão satisfazer os objetivos de ROI (Return On Investment) e de VOI (Value On Investment).

Uma vez que tenho uma veia ligada à formação e qualificação, diagnostico uma carência (logo, oportunidade) na formação de recursos humanos altamente qualificados nesta área da ME (Mobilidade Elétrica), e este recurso será extremamente importante para o sucesso do setor em Portugal. Assim, torna-se necessário que o país tenha a capacidade de, nas várias modalidades formativas, efetuar ajustes que permitam capacitar e formar recursos humanos que respondam às atuais exigências. 

É também fundamental que as universidades, assim como os centros tecnológicos, tenham a capacidade de ajustar alguns dos seus conteúdos (cursos, licenciaturas, pós-graduações, …), lecionando conteúdos ligados à ME, seja ao nível dos materiais e tecnologias produtivas, seja da eletrónica e TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação).

Outra oportunidade, já em curso em algumas empresas, está no setor dos componentes para automóveis (polímeros, metalomecânica, metalurgia, têxteis, eletrónica e sistemas) e dos moldes, pois são setores cuja adaptação deverá ser considerada estratégica neste novo paradigma da ME.

Entretanto, não querendo ser demasiadamente pessimista (ou realista) quanto a balanços energéticos, enquanto o preço do petróleo se mantiver baixo, talvez algumas das soluções não façam sentido para substituir os motores de combustão. Isto por questões de matemática e racionalidade, já que, relativamente às metas de descarbonização da economia ou imposições legais, pode ser um caminho – mas tenho dúvidas se será o caminho certo!

Relembro, também, que o crescimento da mobilidade elétrica veio exigir das redes elétricas de distribuição um maior esforço (sobrecargas nos ramos ou quedas de tensão excessivas) para permitir o carregamento das dezenas de milhares de baterias dos veículos elétricos. E onde serão os maiores picos de consumo? E em que sistema de consumo? Carregamento lento ou rápido? O caminho, pelo que vou verificando, vai ser, muito provavelmente, o smart charging, em que há uma gestão controlada dos carregamentos. 

Sugiro, se me permitem, num toque eletrizante final, que, como opção primária, seja a energia elétrica limpa (solar) a alimentar a mobilidade elétrica! Vamos ser coerentes?

A falácia do impacto zero - Opinião de Pedro Gil de Vasconcelos

A falácia do impacto zero

Opinião de Pedro Gil Vasconcelos

A segunda década do século XXI traz-nos, entenda-se para a sociedade, novos desafios, sendo certamente o maior de todos o abandono dos velhos hábitos.

Que 2020 é o ano em que ‘normalidade’ ganha toda uma nova dimensão, com a rapidez de alterações e a volatilidade de verdades que o não são e logo depois passam a ser e, por fim, tornam-se realidade, ninguém o pode negar. Por vezes mais parece que estamos no prólogo de algo, ou no momento em que somos testados e treinados, para essa tal nova ‘normalidade’. 

Os tempos actuais a isso obrigam.

Mas é igualmente certo, que apesar de todas as viroses e maleitas da humanidade, há processos que têm que ser repensados e a descarbonização, algo que parecia utópico há meia dúzia de anos, é hoje uma realidade em marcha, cada vez mais empurrada pela situação actual e, por isso, com um horizonte cada vez mais curto.

“Na mobilidade nota-se bem. Novas formas de a entender e aplicar, novas ferramentas e, sobretudo, novas atitudes perante o facto de todos termos de nos movimentar e transportar coisas, levam-nos a entender as necessidades e os impactos que têm nos presentes e nos futuros de todos.”

A pandemia veio acelerar o processo. Os confinamentos, a natural desconfiança de transportes públicos em que o distanciamento social não pode e não é respeitado e a necessidade de locomoção, fizeram com que um veículo bem mais antigo do que o automóvel fosse catapultado para um protagonismo que há uma meia dúzia de anos, não era expectável para o cidadão comum.

No entanto, o sector das duas rodas nacional teve a visão para se preparar, para trabalhar no sentido de ir ao encontro do que o mercado iria exigir. Só não foi possível prever que em 2020 seria ‘assim’, mas os meios de produção, as cadeias de distribuição mais curtas e a liderança em termos de tecnologias aplicadas à bicicleta já estavam cá. Só foi preciso entender que o sector ia trabalhar sem a sazonalidade habitual e que a mão de obra ia ser necessária.

Graças a esse entendimento, hoje Portugal é o maior produtor de bicicletas da Europa, o sector é altamente exportador e a necessidade de mão obra especializada faz com que os salários estejam acima da média da indústria. Ou seja, as oportunidades estão, cumpre-nos trazê-las para o nosso terreiro.

Se este é um bom panorama para as ‘duas rodas’ é-o igualmente para o sector extractivo. Descarbonização significa cada vez mais e maiores necessidades de outras matérias-primas como, metais, semi-metais, inertes, terras raras, etc.

Todos nós entendemos que para fazer um carro é necessário aço, alumínio, mas, no entanto, não há a consciência de que é preciso areia… sim, de areia se faz vidro. No entanto, no caso de um carro eléctrico há as necessidades geradas pelas baterias e a pressão em matérias-primas como o lítio, o níquel e o cobalto. Juntam-se as terras raras, fundamentais para os ecrãs, para magnetos e além disso, ainda mais cobre do que num veículo térmico.

Mas estas são também algumas das matérias-primas fundamentais para, por exemplo, a construção de um gerador eólico e aí as contas do peso têm mais dígitos. 

No fundo, a partir do momento em que um macaco desceu da árvore e decidiu partir a primeira pedra, passou a existir uma coisa nova que muitos milénios mais tarde se chamaria ‘impacto ambiental’.

“Qualquer acção que façamos tem impacto no ambiente e como seres pensantes devemos, antes de mais, entender isso e assim poder decidir o futuro que precisamos, mas também o presente que queremos.”

O movimento gerado por uma fábrica, o buraco de uma mina não são agradáveis para quem com eles convive, mas em contrapartida carregar num botão que virtualmente existe num ecrã e falar para o outro lado do mundo, ter comodidade, internet, medicamentos e vacinas, são realidades apenas possíveis de atingir e de manter porque há indústria, porque há matérias primas e gente que pensa e concretiza.

Neste momento estamos numa encruzilhada. Cumpre-nos escolher e aí há duas opções: varrer para debaixo do tapete e assobiar para o lado, ou seguir a via responsável de reduzir os impactos negativos, pois o impacto zero não existe e se as oportunidades estão aí, então o melhor é trazê-las para o nosso terreiro.

Este texto, por opção do autor, não foi escrito de acordo com as regras do novo Acordo Ortográfico.

Pedro Gil de Vasconcelos é licenciado em Cinema e Audiovisuais, tendo sido jornalista da RTP, onde participou e liderou diversos projetos, muitos deles ligados à mobilidade. Atualmente, lidera a Completa Mente – Comunicação e Eventos Lda.

A Mobilidade Sustentável - Paulo Areal

A Mobilidade Sustentável

Por Paulo Areal, Presidente da Associação Nacional de Centros de Inspeção Automóvel (ANCIA)

A mobilidade sustentável é um tema que, face às crescentes preocupações ambientais, tem adquirido elevada preponderância e discussão na nossa sociedade, na verdade, pretende-se que os cidadãos disponham de condições e escolhas de mobilidade que lhes permita circular de uma forma cada vez mais segura, mas com menor impacto ambiental, reforçando, em consequência, a sua qualidade de vida.

Este enquadramento implica, paralelamente, uma nova cultura de mobilidade associada a uma alteração de comportamentos por parte dos cidadãos e a implementação de políticas a favor de uma mobilidade sustentável, com eficiência energética e reduzidos impactos ambientais.

Na verdade, e não obstante os combustíveis derivados do petróleo continuarem dominantes na nossa sociedade, temos assistido nos últimos anos a uma tendência de viragem no que se refere à utilização da eletricidade no transporte rodoviário e a utilização de meios transporte mais adequados e limpos.

Os transportes são, efetivamente, responsáveis por uma grande parte das emissões de gases com efeito de estufa e contribuem significativamente para as alterações climáticas, tendo as emissões um efeito especialmente nefasto na saúde pública, num contexto em que, sendo o setor dos transportes o menos descarbonizado e ainda dependente dos combustíveis fósseis para satisfazer as suas necessidades energéticas, tornando-se urgente inverter esta realidade e reforçar a atuação neste no domínio.

“Existe, apesar dos esforços, ainda um longo caminho a percorrer no que se refere ao objetivo de alcançar zero emissões, sendo necessário que, paralelamente, seja reforçado o controlo das emissões dos veículos em circulação.”

Dado o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050, objetivo este que irá implicar uma transformação do setor dos transportes e uma redução drástica das emissões de gases com efeito de estufa, torna-se necessário promover a oferta de soluções acessíveis e saudáveis aos cidadãos, sendo os veículos elétricos uma opção e um contributo para uma mobilidade sem emissões.

Neste enquadramento, a circulação de veículos com menor impacto ambiental assume uma prioridade cada vez mais crescente na nossa sociedade, assumindo os Centros de Inspeção um papel essencial neste domínio ao controlar as emissões dos veículos a combustão, assim como a conformidade dos veículos híbridos e elétricos aquando da sua apresentação nos Centros de Inspeção para realização da inspeção periódica obrigatória.

Considerando, contudo, a necessidade contínua de reduzir as emissões dos veículos e, consequentemente, reforçar e salvaguardar a saúde pública, os Centros de Inspeção podem dar um contributo adicional neste domínio, designadamente, através da realização de um ensaio específico para controlo das emissões, permitindo, deste modo, acompanhar e controlar anualmente as emissões dos veículos, dando assim resposta às crescentes preocupações ambientais.

O caminho a percorrer é, ainda, longo para atingir a neutralidade carbónica no setor dos transportes, no entanto devemos estar todos envolvidos nesta profunda mudança, tornando-se imperativo uma utilização mais eficiente e sustentável dos recursos, em prol da nossa qualidade de vida e das gerações futuras.

Paulo Manuel Dias Areal é, atualmente, o Presidente da Associação Nacional de Centros de Inspeção Automóvel (ANCIA), associação portuguesa representativa das entidades gestoras de centros de inspeção.
É licenciado em Engenharia Mecânica pelo Instituto de Engenharia do Porto e possui uma Pós-graduação em Engenharia de Segurança.
Integrou os Órgãos Sociais da ANCIA, pela primeira vez, em fevereiro 1995, tendo, desde esta data, desempenhado diversos cargos na associação, designadamente, Vice-Presidente da Direção em 1998, Presidente da Direção em 2001, Presidente da Mesa da Assembleia Geral em 2005, tendo sido eleito Presidente da Direção em 2014 e atual Diretor da Revista da ANCIA.
Para além da sua atividade associativa, desempenhou funções como Administrador da ANIVAP – Agrupamento Nacional de Inspeções e da CITV – Centro Técnico de Inspeções a Veículos S.A., exercendo atualmente o cargo de sócio-gerente em diversas empresas, designadamente, na Dourasil – Inspeções Técnicas de Veículos, Lda.
É ainda formador no âmbito da mecânica automóvel, procedimentos de inspeção e sistema de qualidade dos centros de inspeção e tem participado, como orador, em diversos eventos relacionados com a segurança rodoviária e as inspeções técnicas de veículos a motor.