Um relatório da Gartner prevê que, em 2027, o custo de produção dos carros elétricos será inferior ao dos modelos com motor térmico. Uma mudança de paradigma industrial com implicações complexas para fabricantes, seguradoras e, sobretudo, consumidores.
A mudança já começou
Fabricar um carro elétrico será mais barato do que produzir um modelo a combustão antes do fim desta década. Essa é a previsão da consultoria Gartner, publicada em março de 2025, após analisar a evolução da indústria automotiva e suas novas estratégias de produção. Segundo suas estimativas, o ponto de virada chegará por volta de 2027.
Mas não se trata apenas da redução no preço das baterias. Embora esse fator tenha sido importante nos últimos anos, a mudança real está vindo das linhas de montagem. As novas marcas redesenharam completamente a arquitetura do carro elétrico, adotando plataformas próprias mais eficientes, simplificando componentes e reduzindo o tempo de montagem.
Tecnologias como a fundição de grandes peças em alumínio (gigacastings), a arquitetura eletrônica centralizada e a eliminação de sistemas de transmissão complexos estão ajudando a reduzir significativamente os custos industriais. Isso permite eliminar centenas de peças, etapas intermediárias e horas de trabalho.
As estratégias dos fabricantes diante da redução de custos dos elétricos
Os principais protagonistas dessa transformação não são os fabricantes tradicionais, mas sim marcas emergentes como Tesla, BYD, Nio, Xpeng… Empresas que já nascem com foco exclusivo no carro elétrico, sem carregar legados industriais. E, sobretudo, com agilidade nas decisões.
A Tesla, por exemplo, já utiliza estruturas dianteiras e traseiras moldadas em peça única, reduzindo drasticamente o número de componentes. A BYD produz internamente não só as baterias, mas também os motores, a eletrônica de controle e o software, conseguindo um domínio de custos que os fabricantes tradicionais ainda não alcançam. Essa integração vertical lhes permite oferecer preços mais competitivos mantendo margens de lucro.
Enquanto isso, grupos como Volkswagen, Stellantis e Renault estão iniciando reestruturações para adaptar suas fábricas aos veículos elétricos. Mas essas transformações são caras e nem sempre compatíveis com a manutenção de modelos térmicos. A transição exige equilíbrio entre investimento, amortização e volume de produção.
Um ponto crucial é a escolha entre plataformas específicas para elétricos —mais eficientes, porém mais caras de implementar— ou plataformas modulares que aceitam diferentes tipos de motorização. Essa última opção, adotada por muitos fabricantes europeus, pode encarecer os elétricos e prejudicar sua competitividade frente às marcas que produzem exclusivamente elétricos.
E o consumidor, vai sair ganhando? Nem tanto
Mesmo que o custo de produção caia, isso não significa que o consumidor final vá gastar menos. A Gartner alerta que os custos médios de reparo após acidentes graves com carros elétricos vão aumentar cerca de 30% até 2027. E isso tem consequências diretas para o bolso de quem dirige.
Embora os carros elétricos tenham menos peças móveis e demandem menos manutenção mecânica, as reparações após colisões são mais complexas e caras. Muitos componentes são selados ou integrados e exigem ferramentas específicas e técnicos especializados. Isso sem falar nos protocolos de segurança e nas baterias de alto custo.
Com isso, um acidente moderado pode levar à perda total do veículo, mesmo quando os danos não são extremos. O custo de reparar uma bateria ou uma estrutura de alumínio pode ultrapassar o valor de mercado do carro.
O impacto se estende às seguradoras. Se o conserto de um elétrico é mais caro, o seguro também será. Algumas companhias já estão ajustando seus preços e há sinais de que, no futuro, algumas poderão recusar a cobertura de certos modelos. No Reino Unido e na Alemanha, por exemplo, já há casos de exclusão de modelos elétricos de determinadas apólices.
Dirigir bem: o fator mais econômico
Diante desse cenário, a forma como conduzimos nunca foi tão importante. Se um simples toque pode gerar um prejuízo elevado —ou até resultar na perda total do carro—, evitar acidentes torna-se o investimento mais inteligente.
Conduzir com mais margem, respeitar os limites de velocidade, antecipar o tráfego e cuidar das manobras em espaços apertados não só melhora a segurança viária, como também evita custos cada vez mais altos com manutenção e seguro.
Educação no trânsito, atenção ao volante e conhecimento do próprio veículo serão ainda mais decisivos para preservar tanto a segurança quanto o patrimônio. Em tempos em que o preço real de um carro está também no seu custo de uso, cada decisão ao volante faz diferença.
Rumo a um equilíbrio entre custo e serviço
Para a Gartner, o grande desafio da indústria não é apenas reduzir o custo de produção, mas garantir uma pós-venda sustentável. Se a economia na fábrica se traduzir em prejuízo para o cliente após um acidente, a confiança no carro elétrico será abalada —e com ela, a própria transição energética.
O ideal é que a produção e a manutenção sejam pensadas juntas. Ou seja, projetar o carro com foco não só na montagem, mas também na reparabilidade, no custo de uso e na durabilidade. Algumas marcas já trabalham com plataformas que permitem a troca de módulos ou baterias, e com diagnósticos remotos que evitam desmontagens complexas.
Paralelamente, será essencial que oficinas se modernizem e que as seguradoras desenvolvam modelos de cobertura viáveis para os carros elétricos.
Conclusão? Fabricar elétricos mais baratos não garante, por si só, que usá-los será mais barato. A indústria tem a oportunidade —e o dever— de levar essa revolução além da fábrica. Mas o motorista também tem um papel fundamental: em uma mobilidade mais cara de manter, dirigir bem será tão importante quanto escolher bem o carro.