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Opinião

O que procuram realmente os chineses com as suas fábricas na Hungria? Estratégia, geografia e influência

A Hungria tornou-se a “porta de entrada” preferida da indústria chinesa do carro elétrico na União Europeia. Ali concentram-se gigafábricas de baterias (CATL, EVE), projetos de automóvel (BYD) e equipamentos como as estações de troca de baterias da NIO. Porquê esse país e não outro? Por três motivos simples: acesso ao mercado da UE sem a tarifa de importação, proximidade dos grandes fabricantes alemães e sintonia político-económica com Pequim.

1) A lógica do “feito na UE”

Os direitos compensatórios da UE aplicam-se aos BEV (veículos elétricos a bateria) importados da China. Se o carro é fabricado dentro do mercado único, o “país de origem China” desaparece e a tarifa não se aplica. É a primeira razão de peso para montar fábricas em território comunitário. (As tarifas definitivas vigoram desde 30/10/2024).

2) Onde estão a colocar as peças

CATL (Debrecen): investimento anunciado de ≈ 7.300 M€ e 100 GWh de capacidade planeada para células e módulos.

EVE Power (Debrecen): fábrica de 28 GWh, “porta com porta” com a BMW para a nova geração elétrica.

BYD (Szeged): primeira fábrica europeia de automóveis da marca; SOP (início de produção em série) ajustado para 2026, segundo a Reuters.

NIO Power (Biatorbágy, Budapeste): unidade europeia de battery swap (troca de baterias) para as suas estações.

E, mesmo ao lado, os clientes: a BMW arranca a produção em Debrecen (final de outubro de 2025) e a Audi fabrica motores elétricos em Győr para a plataforma PPE. Esta vizinhança reduz logística e tempos.

3) Geografia, fiscalidade e infraestrutura

A Hungria está em pleno “cinturão” centro-europeu do automóvel (Alemanha–Chéquia–Eslováquia–Hungria) e oferece um imposto sobre sociedades de 9 % (o mais baixo da UE), com regimes de apoio a grandes projetos. Além disso, integra o corredor da BRI (Belt and Road Initiative, a “Nova Rota da Seda”) com a modernização da linha Budapeste–Belgrado, financiada em grande parte pelo China Eximbank.

4) Política: relação bilateral “para todos os tempos”

Em maio de 2024, China e Hungria elevaram a relação a “parceria estratégica integral para todos os tempos”. A mensagem é clara: Budapeste é o parceiro mais aberto ao investimento chinês dentro do mercado único, o que acrescenta previsibilidade regulatória aos investidores.

5) O que ganha a China ao fabricar na Hungria?

Previsibilidade comercial: montar carros na UE evita a tarifa aplicável aos veículos importados da China.

Custo total competitivo: menos fricção logística (clientes “porta com porta”), acesso a talento industrial e uma fiscalidade corporativa baixa.

Influência na cadeia: não é só montagem; também célula–módulo–equipamento (troca de baterias da NIO), o que fixa fornecedores e conhecimento na região.

6) O que ganha a Hungria?

Investimento e emprego em torno de um ecossistema elétrico (bateria, automóvel, componentes).

Posicionamento como hub do carro elétrico na Europa Central, com projetos “tractor” de BMW, BYD e CATL.

7) Os contrapesos: regulação e aceitação social

FSR (Foreign Subsidies Regulation): a UE pode investigar e impor remédios a empresas ativas na UE se houver subsídios extra-UE que distorçam o mercado (atinge M&A e contratação pública). É o novo “radar” para grandes investimentos.

Regulamento das Baterias (UE) 2023/1542: exige pegada de CO, passaporte de bateria e diligência devida em matérias-primas (aplicação faseada desde 2025). Produzir na UE facilita auditorias e rastreabilidade.

Calendários realistas: os arranques podem derrapar (como BYD Szeged 2026). Importa distinguir sempre entre anúncio e produção efetiva.

Em duas linhas: a aposta e o que acompanhar

A aposta: para os grupos chineses, a Hungria é a forma mais eficiente de estar “dentro” do mercado único e ao lado dos grandes clientes; para a Hungria, é uma estratégia de país para liderar a mobilidade elétrica na Europa Central.

COCKTAIL MOLOTOV

O Polestar 4 dual motor é um atestado de beleza, quer ao nível exterior, quer ao nível interior. Trata-se de um carro com umas linhas únicas e, sem sombras para dúvidas, um dos elétricos mais bonitos no mercado! Só a Polestar podia oferecer-nos uma frente com um design tão irreverente, com vincos no capot, uma seleção óptica bipartida e umas entradas de ar pronunciadas, que são verdadeiras. Na traseira, encontra-se a secção mais polémica deste 4, pois deixamos de ter o vidro traseiro e passamos a ter uma “tampa” da cor da carroçaria. Então, como conseguimos ver o que está na retaguarda? A resposta é simples: câmeras de ótima qualidade! Mesmo à noite, as câmeras têm uma qualidade imperial. Quando mudamos a direção, notamos as transições da câmera. Houve uma crítica generalizada sobre esta solução de eliminar o vidro traseiro, mas o que é certo é que nos dias que estive com o carro não tive qualquer dificuldade em me adaptar. 

Dentro da mala, a capacidade é de cerca de 526 litros, mais 31 litros no sub piso da mala. Há um frunk, mas este só tem 15 litros. E aqui está o primeiro hiato do 4, nem precisamos de ir à concorrência, basta ir ao seu irmão mais pequeno, o 2. O modelo de entrada da Polestar tem um frunk muito maior que este 4. E é no mínimo estranho, pois o 4 é maior em todos os aspetos. Com efeito, os 15 litros são escassos, durante o ensaio só deu para colocar uns sacos de roupa e de compras para uns dias. O frunk tem uma tampa em plástico, que é um toque do brio da marca sueca. A abertura da mala é elétrica, como seria de esperar, e no interior da porta da mala, no lugar do vidro, temos um símbolo imponente da Polestar. A parte de trás do 4 é arrojada, com uma barra led que liga a traseira de uma ponta à outra. Este Polestar tem uma silhueta de coupé e isso nota-se na traseira, que tem uns vincos que lhe dão um volume extra. Sendo um Polestar dual motor, temos algumas diferenças, quando comparado com o single motor. Para começar, as pinças do travão são amarelas, bem como os cintos, uma imagem distinta das versões “mais apimentadas” da marca sueca. Não é muito arrojado, no entanto sobressai, seja em qual cor for. Uma das mudanças que não é visível é que este 4 é um tração integral, daí ter o nome dual motor, enquanto o single motor é tração traseira. Quanto à potência, esta também muda e para o dobro: se no single motor a “cavalagem” é de 200 kW (272 cavalos), neste dual motor, temos 400 kW (544 cavalos). Quanto à bateria, esta é igual para ambas as versões, tanto para o single motor como para o dual motor, 100 kHw/h dos quais 94 são úteis. Já no que toca às velocidades de carregamento, em AC, temos 11 kW, em DC 200 kW. Conseguimos carregar dos 10% aos 80% em 30 minutos, sendo claro que este carregamento tem de ser em DC. Sendo mais pesado que a versão de tração traseira, este 4 tem números impressionantes: 544 cavalos e 683 NM, que são instantâneos, se o modo desempenho estiver ativo. Quando este modo está ativo, é possível fazer dos 0 aos 100 km/h em 3.7 segundos (com o launch control ativo) e, sim, é uma experiência de aceleração, surreal!

Passando para o interior, a palavra é «fabuloso»! Clean, como manda a filosofia sueca, só materiais nobres, tudo em que tocamos é soft-touch, a consola central é um atestado de solidez, pois não mexe um centímetro. Na consola central há elementos de madeira que criam um bom ambiente,  com luzes Led por todo carro. E, sim, pela primeira vez, temos um ecrã vertical de 15.4” polegadas. O sistema usado neste 4 é o Android OS, um sistema fácil de usar, rápido e com uma qualidade de imagem soberba! Pena é que todos os controlos sejam operados por lá: desde ligar o AC, redirecionar o ar nas saídas de ventilação (primeiro Polestar a ter esta solução), abrir o porta luvas, ajustar o volante, sem falar dos restantes ajustes do carro (direção, regeneração e suspensão). A instrumentação do condutor é digital, achei que a sua personalização era um pouco escassa, pois só temos três views: com mapa, sem mapa e um tema do cruise control adaptativo com imagens do que se passa na via (carros e camiões a passar). Falando do cruise control, é dos melhores que já testei no que toca à condução e a sua informação no painel é nítida e clara na representação do que se passa na via. 

Nos bancos de trás, temos uma tela, onde podemos ajustar a temperatura do ar, no lado direito e esquerdo; ativar os bancos aquecidos e, por último, podemos regular a inclinação das costas dos assentos, o que permite fazer viagens com maior conforto. 

Chegou a hora de “meter as unhas” no Polestar. Entramos no 4 e notamos que foi o primeiro Polestar a ter uns puxadores de porta retráteis, mais eficientes, e reparamos que as suas portas são sem moldura, um detalhe estético que lhe assenta bem. Todavia, o isolamento, não foi ao encontro das expectativas, deixando a desejar, sobretudo, em autoestrada. Assim que chegamos aos 110/120 km/h, ouvimos uns ruídos vindos da janela, mas, como é sabido, um eléctrico está mais sujeito a este tipo de ruídos devido ao seu silêncio a bordo. Sem esquecer que as portas deste 4 são sem aro… 

Entramos no 4, ajustamos o banco e o volante, que têm umas boas regulações, e rapidamente encontramos a posição de condução. Nos primeiros metros, nota-se que a suspensão é um bocadinho mais dura, quando o comparamos com o long range  e a sua direção segue o mesmo caminho. A sua suspensão pode ser regulada em três níveis: standard, ágil e firme.  Escrutinando estes três modos, podemos dizer que o primeiro modo (standard) é um pouco mole e deixa o carro muito saltitão; no ágil, o carro fica um pouco mais duro, deixando de ser saltitão e podemos dizer que este ajuste é completo, mas há muitos momentos em que parece um pouco artificial; o firme, como o nome indica, é firme, absorve muito bem as irregularidades do piso, mas há alturas em que o carro chega a ser duro… durante o nosso convívio utilizamos muito o ajuste ágil, pois tinha um compromisso entre conforto e o desempenho. No que toca à direção continua-se com um hat-trik de modos: ligeiro, standard e firme. No primeiro ajuste, o ligeiro, a direção fica muito leve com um feeling demasiado irreal, sendo um pouco elétrica. Contudo, achei esta direção, mesmo no modo ligeiro, um bocadinho mais dura que a do long range. No segundo modo, notamos que a direção ganha um certo peso, mas o seu feedback é ligeiramente artificial. A última “afinação” é o firme, e é neste default que a direção fica mais pesada, transmitindo melhor o que se passa na estrada. Mas não há bela sem senão, houve alturas, durante os dias que passamos com este SUV/COUPÉ, que a direcção se mostrou um pouco elétrica, sobretudo quando introduzíamos o 4 na curva… Se nos Polestars a que tive acesso, os modos de fornecimento de bateria eram muito discretos, pois não havia grande diferença entre eles, neste o caso foi diferente. Nota-se uma diferença abismal! Os ajustes são dois: autonomia e desempenho, e a diferença entre eles é o poder de aceleração. No primeiro, o motor da frente desliga-se para poupar bateria, e ficamos apenas com o traseiro. O motor da frente apenas é acionado se pisarmos a fundo o acelerador. No segundo, temos os 544 cv e 683NM, isto é, toda a potência disponível de imediato, transformando o 4 num verdadeiro desportivo elétrico.

Na parte dinâmica, podemos dizer que este dual motor se agarra bem, muito devido à sua tracção às 4 rodas, mas há alturas em que o carro “foge”. Durante o ensaio, tivemos de tudo, desde fugir de frente a meio de uma curva, a fugir de traseira, quando havia alguma inclinação em curva. Estas situações aconteceram pois esforçamos demasiado o carro e o pedal direito não foi tratado com suavidade, pois em situações normais nada disto acontece. Contudo, o carro foi sempre muito seguro nas suas reações e sempre transmitiu confiança. No requisito autonomia, quando fomos buscar o automóvel, a promessa era de fazer 500km, conseguimos fazer 407.1 km, sem grandes preocupações de quantos km conseguiríamos fazer com uma carga. O circuito para teste foi misto e acreditamos que se tivéssemos uma condução mais contida, conseguiríamos fazer entre 430/470km. As médias foram 22.1 kWh/100km… 

No balanço final, entre esta versão apimentada e a versão de motor único, talvez deva optar pela versão de motor único! Pois perdemos potência, mas ganhamos autonomia… e maior tranquilidade de utilização.

Terras raras e motores elétricos: o que pode fazer Portugal?

As terras raras (os 15 lantanídeos mais escândio e ítrio) são usadas em ímanes permanentes de altíssima potência que permitem motores elétricos compactos e eficientes, embora não façam parte das baterias de iões de lítio.

Hoje, a União Europeia (UE) reconhece que 100% das terras raras usadas em ímanes permanentes são refinadas na China, um ponto de vulnerabilidade que o Regulamento das Matérias-Primas Críticas (Critical Raw Materials Act, CRMA) procura reduzir com metas para 2030 em extração, processamento e reciclagem na Europa.

A China domina as fases mais críticas da cadeia — a separação e a fabricação de ímanes —, o que introduz riscos geopolíticos para a mobilidade elétrica europeia. A boa notícia: existem alternativas tecnológicas sem ímanes e a Europa (Portugal incluído) pode ganhar peso em cartografia, processamento e reciclagem. Este artigo resume o estado da arte com fontes primárias e técnicas.

O que são as terras raras… e porque interessam ao automóvel elétrico

As terras raras são 17 elementos (lantanídeos + escândio + ítrio) com propriedades magnéticas e óticas únicas. O nome é enganador: não são “escassas”, mas são difíceis de concentrar e separar com pureza industrial. No setor automóvel, as mais procuradas são neodímio e praseodímio (Nd/Pr) para ímanes de neodímio-ferro-boro (NdFeB); para alta temperatura adicionam-se pequenas frações de disprósio (Dy) ou térbio (Tb).

Num carro elétrico, as terras raras não estão na bateria de iões de lítio (que depende de lítio, níquel, cobalto/manganês ou fosfato de ferro e lítio — LFP —, e grafite), mas sobretudo no motor de tração (se usar ímanes permanentes) e em motores auxiliares (atuadores, ventiladores, bombas). Cada motor de tração com ímanes costuma requerer ≈ 1–2 kg de íman sinterizado. Existem também outras químicas de bateria como níquel-manganês-cobalto — NMC — ou níquel-cobalto-alumínio — NCA — (sem terras raras).

Do jazigo ao íman: porque é que a China “tem a chave”

O estrangulamento não está apenas na mina: está na separação química e na metalurgia do íman. À escala global, a China concentra ~90% da capacidade de separação e mais de 90% do metal e das ligas para ímanes NdFeB; na UE, 98% dos ímanes de terras raras são importados da China. Além disso, 100% das terras raras usadas em ímanes é hoje refinado na China, segundo a Comissão Europeia.

Esta posição reforça-se com licenças e controlos sobre tecnologia e exportações, que Pequim tem ajustado desde 2023–2025, aumentando a sensibilidade da cadeia a tensões comerciais. A Agência Internacional de Energia (AIE; em inglês, International Energy Agency, IEA) e outras análises confirmam que a concentração do refino de terras raras continua elevada e difícil de diversificar no curto prazo.

São indispensáveis num carro elétrico? (Engenharia sem mitos)

A engenharia oferece saídas: nem todos os elétricos precisam de ímanes com terras raras. Há motores síncronos de rotor bobinadoElectrically/Externally Excited Synchronous Motor, EESM — (sem ímanes) em produção — BMW, quinta geração eDrive — e a Renault reiterou a sua estratégia de rotor bobinado (R5, Mégane, Scénic) e o próximo motor E7A, com zero terras raras. Ou seja: é possível eletrificar sem depender estruturalmente de Nd/Pr, com alguns compromissos de compacidade ou eficiência consoante o caso.

Os motores síncronos com ímanes permanentesPermanent Magnet Synchronous Motor, PMSM — baseados em NdFeB oferecem alta densidade de binário e boa eficiência em volume contido (daí a sua popularidade em veículos elétricos e eólica). A própria Comissão Europeia classifica-os como “os dispositivos mais eficientes” no seu domínio. Mas não são a única solução: existem topologias que evitam terras raras.

Motores síncronos de rotor bobinado (EESM): geram o campo do rotor com corrente, sem ímanes. A BMW declara que a 5.ª geração de eDrive não usa terras raras; a Renault utiliza rotor bobinado no Mégane, Scénic e no novo R5 E-Tech, e desenvolve com a Valeo o motor E7A (até 200 kW) sem terras raras.

Indução (assíncronos): também sem ímanes, com compromissos distintos em eficiência/compacidade face aos PMSM.

Alternativas de material: desenhos com ferrites (sem terras raras) ou ímanes de samário-cobalto (SmCo) para aplicações específicas, embora com penalizações de densidade ou custo.

Conclusão técnica: as terras raras não são estritamente imprescindíveis para que um veículo elétrico (VE) funcione, mas permitem motores mais compactos e eficientes; por isso a procura de ímanes crescerá com a eletrificação, mesmo coexistindo com desenhos rare-earth-free.

Portugal: onde estamos e que alavancas temos

Geologia e conhecimento. Portugal conta com ocorrências de minerais portadores de terras raras (monazita, xenótimo) mapeadas pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) através do Sistema de Informação de Ocorrências e Recursos Minerais Portugueses (SIORMINP), embora não existam explorações económicas de elementos de terras raras (ETR; em inglês, rare earth elements, REE) em operação. 

Historicamente, relatórios europeus indicavam ausência de jazigos económicos na Península Ibérica, embora a cartografia e o conhecimento tenham avançado desde então.

Ecossistema e projetos. Grupos como o Centro de Recursos Naturais e Ambiente do Instituto Superior Técnico (CERENA/IST) trabalham na valorização e reciclagem de resíduos tecnológicos com conteúdo em ETR (por exemplo, RecValTR, REESOURCE), em linha com a prioridade do CRMA de recuperar matérias-primas críticas a partir de fluxos de resíduos.

Para lá dos ímanes: os outros materiais do carro elétrico

O cabaz de materiais de um VE vai muito além das terras raras: lítio, níquel, cobalto/manganês ou LFP e grafite em baterias; cobre e alumínio em cabeamento e motores; e silício (e carbeto de silício) em semicondutores de potência. Compreender este cabaz é essencial para a política industrial: estratégias que olham apenas para as terras raras ficam curtas. No reciclaje de ímanes, técnicas como o Hydrogen Processing of Magnetic Scrap (HPMS) permitem recuperar pó NdFeB para re-sinterizar e reduzir a dependência de material virgem.

Os fabricantes chineses: concorrência desleal ou estímulo para o mercado europeu?

A irrupção de uma nova ordem

MG, BYD, NIO, Xpeng… Há apenas cinco anos, eram nomes exóticos para a maioria dos condutores europeus. Hoje, os seus carros elétricos circulam pelas ruas de Lisboa, Berlim ou Paris com números de vendas que começam a preocupar seriamente os fabricantes tradicionais.

Em 2025, a quota de mercado dos fabricantes chineses de automóveis elétricos na Europa já ronda os 6 %, o dobro do ano anterior. O crescimento não é pontual nem anedótico: é estrutural.

Perante este avanço, a União Europeia reagiu. Primeiro com uma investigação formal sobre possíveis subsídios estatais aos fabricantes chineses. Depois, com a aplicação de tarifas provisórias que poderão manter-se durante anos. Mas, para além da resposta política, a questão de fundo permanece: estamos perante uma concorrência desleal que ameaça a indústria europeia ou perante um estímulo que está a obrigar a Europa a acelerar?

Quotas, vendas e presença real: os dados

Em maio de 2025, os fabricantes chineses atingiram uma quota de 5,9 % do mercado europeu de automóveis novos, segundo a JATO Dynamics. Isto representa o dobro do valor registado em 2024. Só a BYD vendeu mais carros elétricos nesse mês do que a Tesla na Europa: 7.231 unidades contra 7.165. No primeiro trimestre do ano, os fabricantes chineses somaram mais de 330.000 unidades vendidas na Europa, segundo a Rho Motion — um crescimento de 36 % em relação ao mesmo período do ano anterior.

Em mercados como o espanhol, modelos como o MG4 ou o BYD Dolphin figuram entre os mais vendidos do ano no canal particular. No Reino Unido e na Alemanha, os números são ainda mais significativos. As projeções apontam para que os fabricantes chineses possam atingir os 10 % de quota europeia já em 2026, caso não sejam impostas novas barreiras.

Os subsídios chineses: prova de concorrência desleal?

A Comissão Europeia iniciou, em outubro de 2023, uma investigação ex officio sobre possíveis subsídios ilegais do governo chinês aos seus fabricantes de automóveis elétricos. Esta ação não exigia uma queixa prévia da indústria, o que revela a gravidade da situação aos olhos de Bruxelas. Em julho de 2024, após nove meses de investigação, a Comissão confirmou a existência de apoios substanciais:

  • Empréstimos bonificados com garantia estatal
  • Cedência de terrenos e zonas industriais em condições vantajosas
  • Benefícios fiscais e isenções
  • Apoio logístico e infraestruturas subvencionadas
  • Subsídios à investigação, desenvolvimento e exportação

Estes apoios, embora não sejam necessariamente ilegais segundo a OMC, podem ser considerados distorcionantes caso causem prejuízo à indústria europeia — como concluiu a Comissão. Por esse motivo, desde outubro de 2024 estão em vigor tarifas compensatórias entre 17 % e 35 %, conforme o fabricante:

  • BYD: 17 %
  • Geely (Zeekr, Polestar, Lynk & Co): ~20 %
  • SAIC (MG): até 35 %
  • Tesla (Xangai): 7,8 %

A duração prevista destas tarifas é de cinco anos, com possibilidade de renovação. Além disso, a UE estuda a extensão das medidas a modelos produzidos em solo europeu por marcas chinesas, caso se prove que beneficiam de apoio estatal indireto.

A indústria europeia: tecnologia sólida, estratégia tardia

A Europa não está tecnologicamente atrás da China. Fabricantes como a Volkswagen, Renault, Stellantis, BMW ou Mercedes dispõem de plataformas modernas, software avançado, padrões de segurança superiores e uma experiência global de produto consolidada.

No entanto, existem diferenças evidentes em alguns pontos:

  • Velocidade de implementação: as marcas chinesas apostaram cedo e de forma direta nos veículos 100 % elétricos. A Europa seguiu uma transição mais gradual (MHEV, HEV, PHEV).
  • Escala e custos industriais: a China produz a custos mais baixos, com forte integração vertical (a BYD fabrica baterias, chips, motores e plataformas), o que reduz prazos e despesas.
  • Software e interface de utilizador: nas gamas médias, as marcas chinesas oferecem experiências digitais mais completas, com atualizações OTA mais frequentes. A Europa está a recuperar terreno, mas com atraso.
  • Dependência de baterias: a China domina 70 % da produção global. A Europa investe na Northvolt, ACC e outras gigafábricas, mas ainda sem escala suficiente.

Em suma: a Europa tem capacidade, mas tardou a ativar uma estratégia integrada. Agora, corre o risco de depender tecnologicamente de terceiros se não acelerar.

O consumidor no centro do tabuleiro

Neste confronto geoeconómico, o comprador europeu é muitas vezes o elemento esquecido. Os modelos chineses chegam com preços competitivos, boa autonomia e equipamento generoso — uma oportunidade real para acelerar a eletrificação a preços acessíveis.

Mas surgem dúvidas legítimas:

  • Haverá pós-venda fiável e com continuidade?
  • Será possível reparar fora dos canais oficiais?
  • As tarifas vão impactar o preço final?

O dilema é evidente: como proteger a indústria europeia sem travar a transição ecológica nem penalizar o consumidor médio?

Conclusão: proteção, concorrência e visão estratégica

Os fabricantes chineses provaram que é possível construir veículos elétricos funcionais, competitivos e rentáveis. A Europa, com a sua tradição industrial, conhecimento técnico e capacidade humana, tem todas as ferramentas para competir. Mas precisa de agilidade, investimento coordenado e uma estratégia continental clara.

A investigação sobre os subsídios chineses não é apenas uma reação protecionista: é também um alerta. A Europa tem de decidir se quer continuar a ser um continente produtor de automóveis — ou apenas o mercado consumidor dos veículos dos outros.

A eletrificação não é apenas uma transição tecnológica. É uma batalha industrial, económica e estratégica. E já começou.

Edição 100: Uma Retrospectiva sobre uma Década de Transformação

Ao atingir a marca do meu 100.º artigo, este momento representa tanto uma celebração como uma oportunidade de reflexão sobre a extraordinária transformação que varreu o sector da mobilidade desde que lancei a Mobility Revolution, a minha newsletter mensal, em setembro de 2016. Desde então, o sector foi profundamente abalado por forças tecnológicas, económicas e sociais de grande impacto. Nos 99 artigos anteriores, partilhei a minha análise destes diversos fatores e do seu impacto na mobilidade em geral. Estas reflexões foram alimentadas, em parte, pelos múltiplos projectos de consultoria e prospeção realizados para diversos fabricantes automóveis, fornecedores e outras empresas, bem como pelo meu trabalho de mentor e conselheiro de muitas startups ligadas à mobilidade, provenientes de todo o mundo.

Esta 100.ª edição da Mobility Revolution revisita os principais temas abordados nas edições anteriores, analisando a transformação da indústria desde 2016.


Mobilidade Limpa: Eletrificação e a Busca pela Sustentabilidade

A caminhada rumo à mobilidade limpa definiu grande parte da última década. A eletrificação passou de nicho a corrente dominante, com os veículos elétricos a bateria (BEV) e os híbridos plug-in a ganharem tração significativa nos mercados globais — embora de forma desigual. As vendas globais de veículos plug-in (BEV e PHEV) cresceram de 0,9 milhões de unidades em 2016 para mais de 17 milhões em 2024, incluindo mais de 11 milhões de BEVs. Este crescimento tem sido impulsionado por uma combinação de regulamentações de emissões mais rígidas, incentivos governamentais e a introdução de modelos elétricos mais atrativos.

A China registou um crescimento de 30 vezes nas vendas de veículos plug-in durante este período, atingindo 11 milhões no ano passado — dois terços do volume global atual. A Europa e os EUA cresceram a um ritmo mais modesto, atingindo cerca de 3,2 milhões e 1,5 milhões de unidades em 2024. A tendência foi tudo menos linear, refletindo principalmente alterações nas políticas públicas. O Japão e a Coreia mantiveram-se praticamente à margem, com uma penetração muito baixa de BEVs.

As baterias tornaram-se um tema de importância estratégica à medida que os EVs ganhavam popularidade. O domínio da China na extração e refinação de materiais, bem como na produção de células, levou à mobilização urgente da Europa e dos EUA para localizar a produção e garantir as cadeias de abastecimento. Esta corrida não se prende apenas com oportunidades económicas, mas também com a proteção da soberania nacional numa era de crescentes tensões geopolíticas. A cadeia global de fornecimento de baterias tornou-se um foco estratégico para líderes políticos e empresariais, com a produção local e o desenvolvimento de cadeias de abastecimento independentes vistos agora como imperativos estratégicos.

A eletrificação também levou a uma reavaliação do design automóvel — os BEVs permitem mais flexibilidade de configuração e simplicidade de design — mas são mais pesados. Por outro lado, cresce a pressão por veículos mais leves, pequenos e acessíveis, de forma a tornar a mobilidade limpa verdadeiramente sustentável e ao alcance de todos. A acessibilidade continua a ser um desafio para os EVs, apesar da queda no custo das baterias em três vezes desde 2016.

A eletrificação está a transformar não só os automóveis de passageiros, mas também os veículos comerciais, bicicletas e até a mobilidade aérea. A integração progressiva dos EVs na rede elétrica — usando veículos como recursos energéticos distribuídos, graças à funcionalidade V2G — abriu novas possibilidades para a resiliência e sustentabilidade da rede. Já há vários BEVs capazes de alimentar casas ou ferramentas.


Condução Assistida e Autónoma: Progresso, Recuos e um Futuro Promissor

A evolução dos sistemas avançados de assistência ao condutor (ADAS) até veículos totalmente autónomos tem sido um dos desenvolvimentos mais observados da indústria. Funcionalidades como o controlo de cruzeiro adaptativo, a manutenção na faixa e a travagem automática de emergência tornaram-se comuns, contribuindo para a segurança rodoviária e conveniência do condutor. A ambição de veículos completamente autónomos, no entanto, tem alternado entre progressos notáveis e retrocessos, com dezenas de milhares de milhões de dólares investidos na última década.

Em 2016, o projeto Chauffeur da Google (agora Waymo) tinha acabado de demonstrar o Firefly, um veículo autónomo criado de raiz. Nesse mesmo ano, a GM adquiriu a Cruise, então com dois anos, por cerca de mil milhões de dólares. Um ano depois, a Ford adquiriu o controlo da Argo.ai (com um ano de vida) com um investimento idêntico — o Grupo VW tornou-se mais tarde co-proprietário da startup.

A última década assistiu a uma evolução darwinista no ecossistema da condução autónoma. O número de empresas aumentou rapidamente devido à euforia, mas reduziu-se posteriormente a alguns players fortes. Algumas mudaram para casos de uso menos exigentes, outras saíram completamente do mercado. A Cruise e a Argo.ai fecharam portas após gastar milhares de milhões; já a Waymo prospera. Na China, destacam-se Baidu Apollo, Pony.ai e WeRide.

Em outubro de 2020, a Waymo foi a primeira a operar um serviço de táxis autónomos, sem condutor, aberto ao público. Hoje, robotáxis operam comercialmente em cinco cidades nos EUA e cerca de dez na China. A Waymo e a Baidu Apollo — os líderes nos EUA e China, respetivamente — oferecem atualmente cerca de 250.000 e 100.000 viagens pagas por semana. No entanto, uma implementação comercial em larga escala continua a estar a vários anos de distância.

O transporte de mercadorias surgiu também como um caso de uso promissor. Contudo, nenhuma empresa opera ainda comercialmente em autoestradas sem alguém presente na cabine — por razões técnicas ou regulamentares. A Aurora parece ser a que está mais próxima desse feito.


Software, Veículo Definido por Software (SDV) e Inteligência Artificial: A Transformação Digital

Talvez a mudança mais profunda da última década tenha sido a transformação digital dos veículos e serviços de mobilidade. A ascensão dos veículos definidos por software (SDV) — paradigma inaugurado pela Tesla — redefiniu o design automóvel, a engenharia e os modelos de negócio. A integração profunda de software permite agora atualizações over-the-air, experiências de utilizador melhoradas — impulsionadas sobretudo pela Tesla — e novas fontes de receita recorrente através de funcionalidades sob pedido.

Os fabricantes tradicionais enfrentam decisões estratégicas sobre desenvolver software internamente ou recorrer a parceiros externos. A indústria está a passar de uma mentalidade centrada no hardware para uma centrada no software, com fortes implicações nos ciclos de desenvolvimento, captação de talento, cadeia de fornecimento, estrutura organizacional e cultura empresarial. A conectividade generalizada potenciou ainda mais o crescimento de serviços e funcionalidades digitais, com os fabricantes a esperarem receitas anuais na casa das dezenas de milhar de milhões, com margens elevadas.

Completamente ausente em 2016, a Inteligência Artificial tornou-se omnipresente em todo o ciclo de vida dos veículos. A IA já assiste no design, engenharia, programação, fabrico, testes, conformidade, gestão de cadeias de abastecimento, controlo de qualidade e operações internas. No lado do cliente, alimenta o marketing e retalho, assistentes virtuais, experiências personalizadas, bem como manutenção preditiva, assistência e gestão de sinistros. No entanto, a sua adoção levanta preocupações sobre a substituição de empregos, tornando essencial o re-/upskilling.


Mudança Modal: Novos Modelos de Negócio

A convergência da eletrificação, autonomia, conectividade e mobilidade partilhada obrigou todo o ecossistema automóvel a reorganizar-se. Os incumbentes tiveram de forjar novas parcerias, adotar modelos de negócio inovadores e renovar cadeias de fornecimento. A conformidade regulamentar e as tensões geopolíticas — recentemente sobre tarifas e acesso a recursos críticos — adicionaram camadas de complexidade às operações globais.

Uma das mudanças mais significativas da última década foi a transição da posse para o uso do veículo. Modelos como Mobilidade como Serviço (MaaS), ride-hailing, car-sharing, bem como bicicletas e trotinetes partilhadas ganharam tração. A Uber realiza cerca de 200 milhões de viagens por semana, cinco vezes mais do que em 2016.

Uma nova dimensão empolgante está a emergir com a mobilidade aérea avançada. Empresas como a Joby e Archer estão prestes a lançar operações comerciais com as suas aeronaves elétricas de descolagem e aterragem vertical (eVTOL), após investirem milhares de milhões — com apoio da Toyota e Stellantis.


Novos Fabricantes e a Ascensão dos OEMs Chineses

A última década assistiu à ascensão impressionante de novos fabricantes, com destaque para os OEMs chineses. Empresas como BYD, Geely e SAIC expandiram-se rapidamente além do seu mercado doméstico, beneficiando de apoio governamental, vantagens de custo e cadeias de abastecimento robustas, desafiando os grandes players globais.

A BYD, por exemplo, passou de vender 100.000 veículos em 2016 para 4,3 milhões em 2024, tornando-se a maior fabricante de BEVs do mundo com 1,8 milhões. A Geely construiu um império global com marcas chinesas e europeias, um fornecedor focado em SDVs e parcerias estratégicas (Mercedes e Renault). A Xiaomi, gigante de smartphones e eletrónica de consumo, teve sucesso onde a Apple falhou; prevê vender 350.000 veículos em 2025, partindo do zero em 2023.

Os fabricantes chineses não só conquistaram a maior fatia do seu mercado interno, em detrimento dos estrangeiros, como estão a avançar na Europa, Sudeste Asiático e América Latina. Com capacidade de produção excedente, focaram-se nas exportações, posicionando-se como concorrentes formidáveis no cenário automóvel global, com 5,9 milhões de veículos exportados em 2024 vs. 700.000 em 2016. O seu sucesso assenta em cadeias de fornecimento de baterias líderes mundiais, fortes competências digitais e uma capacidade de inovação a alta velocidade. Os fabricantes tradicionais estão agora a correr para recuperar o atraso.

Inspirados pelo sucesso da Tesla, uma nova geração de startups lançou BEVs inovadores, embora com dificuldades. Nos EUA, a Rivian e a Lucid continuam a expandir a sua oferta, apoiadas por forte financiamento — a Volkswagen está a investir milhares de milhões para aceder à tecnologia SDV da Rivian. Já a Fisker e outras falharam. A própria Tesla estabeleceu um novo padrão de desempenho operacional e financeiro, passando de 76.000 veículos vendidos em 2016 para 1,8 milhões em 2024. No entanto, a antiga líder dos BEVs tem vindo a perder vantagem recentemente.


Olhando para o Futuro

Ao refletir sobre os 99 artigos anteriores, é evidente que o sector da mobilidade atravessou uma era de mudança sem precedentes. As várias tendências aqui destacadas remodelaram profundamente o panorama. Olhando em frente, o ritmo da inovação e disrupção continuará intenso, levando a mais consolidação e parcerias. As lições e perceções da última década serão valiosas para uma indústria que continuará a evoluir, adaptar-se e redefinir o futuro da mobilidade — rumo a um futuro mais brilhante.

Carregamento Autónomo: Impulsionando o Futuro dos Veículos Elétricos

Com a eletrificação e automatização do transporte, a forma como os veículos interagem com a infraestrutura energética está a passar por uma mudança de paradigma. O carregamento autónomo, especialmente o carregamento indutivo sem fios, está a surgir como uma tecnologia transformadora, permitindo que os veículos elétricos (VEs) carreguem de forma fácil, enquanto estão estacionados ou até mesmo em movimento. Isto abre possibilidades para operações mais eficientes no transporte público, frotas logísticas e muito mais.

Como Funciona o Carregamento Indutivo

O carregamento indutivo (sem fios) utiliza bobinas eletromagnéticas embutidas na superfície da estrada ou em lugares de estacionamento. Uma bobina receptora, sob o veículo, capta a energia sem fios, eliminando a necessidade de cabos ou estações de carregamento. Este método suporta dois modos:
• Carregamento estático: Os veículos carregam enquanto estão estacionados, o que é ideal em terminais ou depósitos operacionais.
• Carregamento dinâmico: Os veículos carregam enquanto circulam sobre as bobinas embutidas, o que reduz o tamanho das baterias e a ansiedade de autonomia.

Três Projetos Europeus de Referência

  1. A10 Electric Highway, França
    Está em curso um piloto na autoestrada A10, em França, perto de Saint-Arnoult-en-Yvelines. As bobinas magnéticas sob o pavimento fornecerão até 200 kW de carregamento dinâmico a velocidade de autoestrada. Financiado pela BP França e liderado pela Vinci Autoroutes, juntamente com a Electreon e parceiros (Hutchinson, Universidade Gustave Eiffel), o projeto visa demonstrar a viabilidade do carregamento indutivo em corredores comerciais numa rota de 1,5 km de extensão.
  2. Rosh HaAyin, Israel – Depósito Electra Afikim
    Em Israel, a Electreon instalou o primeiro terminal comercial de carregamento sem fios para autocarros no depósito Electra Afikim em Rosh Ha’Ayin. Esta configuração indutiva estática carrega os autocarros durante o dia e a noite, sem necessidade de manuseamento de cabos. A solução chave na mão inclui infraestrutura, software e suporte contínuo, sendo apoiada pelo governo israelita.
  3. Gotland, Suécia – Piloto ERoad
    Na ilha sueca de Gotland, as bobinas indutivas da Electreon foram incorporadas nas estradas públicas para apoiar tanto camiões como autocarros. Os testes iniciais, utilizando veículos pesados, demonstraram a transferência de energia e a interação com a rede elétrica, marcando o verdadeiro carregamento dinâmico sem fios em condições do dia a dia.

O carregamento indutivo oferece uma série de vantagens essenciais para o futuro da mobilidade elétrica e autónoma. Uma das suas principais forças reside na integração operacional sem interrupções: os veículos podem carregar oportunisticamente enquanto carregam ou descarregam mercadorias, aguardam nas paragens de autocarro ou ficam parados entre turnos, maximizando o tempo de operação e minimizando as interrupções. O carregamento contínuo e sem contacto também permite a redução do tamanho das baterias, o que, por sua vez, diminui os custos do veículo, reduz o peso e prolonga a vida útil das baterias, especialmente valioso para frotas de longa distância e pesadas.

Para os veículos autónomos, em particular, o carregamento sem fios é um divisor de águas. Sem condutores para ligar os cabos de carregamento, os sistemas automatizados tornam-se essenciais para manter as operações sem intervenção humana. Do ponto de vista da infraestrutura, os sistemas indutivos são altamente escaláveis e adaptáveis. Podem ser embutidos em estradas, depósitos ou áreas terminais, permitindo que as cidades e operadores expandam as capacidades de carregamento gradualmente e com o mínimo de interrupção física. No geral, o carregamento indutivo não só apoia a inovação tecnológica, mas também estabelece as bases para um ecossistema de mobilidade mais resiliente, amigável à automação e sustentável.

Riscos e Limitações

No entanto, o carregamento indutivo, embora promissor e cada vez mais prático, apresenta certos riscos e limitações:

  1. Eficiência Energética e Perdas: Maior perda de energia em comparação com os sistemas de ligação por cabo, especialmente se o alinhamento entre as bobinas (veículo e chão) não for ideal. Embora os sistemas modernos possam alcançar uma eficiência de 90-95%, ainda está ligeiramente abaixo do carregamento condutivo de alto desempenho. Pequenas ineficiências em grandes frotas podem traduzir-se em desperdício de energia significativo e custos operacionais elevados.
  2. Custos de Infraestrutura: Incorporar bobinas nas estradas, depósitos ou estações é dispendioso e muitas vezes exige grandes obras civis. O retorno a longo prazo do investimento depende da densidade de utilização e é menos viável em áreas rurais ou suburbanas com pouca procura. Além disso, a manutenção e os reparos podem ser complexos devido aos componentes subterrâneos.
  3. Interferência e Segurança: Os campos eletromagnéticos (CEMs) podem interferir com eletrónica ou equipamentos sensíveis nas proximidades, caso não sejam devidamente blindados. Embora a maioria dos sistemas cumpra os padrões de segurança, as preocupações públicas e regulamentares persistem, especialmente em áreas de grande tráfego ou densamente povoadas. Também há dados limitados sobre os impactos a longo prazo na saúde, embora os dados atuais sugiram que os níveis de exposição estão dentro dos limites seguros.
  4. Padronização e Interoperabilidade: A falta de padrões universais entre fabricantes e países pode levar a sistemas fragmentados. Os veículos podem não ser compatíveis com toda a infraestrutura de carregamento indutivo, a menos que padrões interoperáveis sejam implementados. Isto aumenta o risco para os primeiros adotantes e complica os investimentos em infraestrutura em larga escala.
  5. Durabilidade Ambiental e da Superfície: A incorporação de infraestrutura nas estradas levanta questões sobre a durabilidade das estradas, especialmente em climas severos. A necessidade de renovação frequente ou de obras rodoviárias pode danificar ou interromper os sistemas indutivos, a menos que sejam implementadas proteções robustas. O impacto ambiental da fabricação e eliminação da eletrónica embutida também requer mais estudos.

Conclusão

O carregamento autónomo indutivo marca um marco na evolução dos VEs e do transporte. Os pilotos europeus – desde as autoestradas francesas aos depósitos israelitas e estradas suecas – estão a estabelecer as bases operacionais, técnicas e económicas. À medida que as frotas de mercadorias, transportes e veículos autónomos se expandem, o carregamento sem fios oferece um caminho sem interrupções, resiliente e sustentável para o futuro. A partir de agora, a escalabilidade dos pilotos é fundamental para compreender melhor e comunicar as possibilidades e limitações da tecnologia.

Estar ligado e continuar a conduzir

Tal como acontece noutros setores (McDonald’s e Burger King, Nike e Adidas…), há dois grandes sistemas por trás dos ecrãs multimédia dos automóveis: Arene vs Android Automotive, duas visões distintas sobre o software do carro conectado.

Em plena revolução da mobilidade conectada, o software tornou-se o verdadeiro centro de comando do veículo. As marcas já não competem apenas por motores, acabamentos ou suspensões, mas também por plataformas digitais capazes de gerir tudo o que acontece dentro do carro: desde o infoentretenimento até à propulsão. É neste contexto que surgem duas grandes estratégias: por um lado, a aposta da Google com o Android Automotive OS; por outro, o desenvolvimento próprio da Toyota com o sistema Arene, criado pela Woven by Toyota.

O que é o Arene: controlo total sobre o software

Arene é uma plataforma informática desenvolvida pela Woven by Toyota, a divisão tecnológica do grupo japonês. Não se trata apenas de um sistema operativo, mas de um ecossistema completo para desenvolver, testar e executar software automóvel. A ideia da Toyota é clara: ter controlo absoluto sobre o código que gere os seus veículos, sem depender de terceiros como a Google, a Apple ou a Amazon.

Ao contrário do Android Automotive, o Arene não foi concebido apenas para gerir o ecrã central ou as aplicações do carro. O seu objetivo é ser o verdadeiro cérebro digital do veículo, controlando desde funções de segurança ativa (ADAS), até à gestão energética, comunicações, cibersegurança e atualizações OTA (over-the-air). Está pensado para facilitar o trabalho dos programadores, com ambientes de simulação altamente realistas onde o software pode ser testado sem necessidade de instalar fisicamente o sistema num carro.

A Toyota pretende implementar gradualmente o Arene em todos os seus modelos a partir da segunda metade desta década. Esta abordagem garante independência tecnológica, total adaptação às exigências regulatórias de cada país e uma evolução contínua do carro através de atualizações remotas.

O que é o Android Automotive: experiência familiar para o utilizador

Android Automotive OS é o sistema operativo nativo da Google para automóveis. Ao contrário do Android Auto (que apenas projeta o conteúdo do telemóvel no ecrã do carro), o Android Automotive é instalado diretamente no sistema de infoentretenimento do veículo e funciona de forma autónoma.

A sua principal vantagem é oferecer uma experiência fluida e familiar. O condutor encontra o Google Maps, o Assistente Google, o YouTube Music, o Spotify ou o Waze tal como os conhece no seu smartphone, sem necessidade de ligações adicionais. A interface é intuitiva, rápida e cada vez mais completa, graças à loja de aplicações dedicada aos automóveis.

O sistema também permite o controlo de funções do veículo, como o ar condicionado ou os modos de condução, se o fabricante decidir integrá-las. E, tal como o Arene, permite atualizações OTA.

Android Automotive já equipa modelos da Renault, Volvo, Polestar, Honda, Ford, GM, BMW e várias marcas do grupo Stellantis (como Peugeot, Opel, Citroën e Fiat). A lista cresce ano após ano, demonstrando a robustez do sistema, especialmente em modelos de gama média e alta.

O que os distingue (e aproxima)

1. Propriedade do sistema:

  • Android Automotive é desenvolvido e controlado pela Google. Os fabricantes perdem parte do controlo do ambiente digital, embora ganhem em rapidez de implementação e acesso a serviços já familiares para os utilizadores.
  • Arene é uma solução totalmente proprietária. A Toyota decide como se programa, quais as funções, que dados são recolhidos e como o carro é atualizado.

2. Experiência do utilizador:

  • Android Automotive oferece uma experiência uniforme e reconhecível. Os utilizadores sentem-se “em casa” se já usam Android nos seus telemóveis.
  • Arene depende do desenvolvimento feito pela Toyota. É mais versátil nas funções internas do veículo, mas menos padronizado na interface.

3. Flexibilidade e desenvolvimento:

  • Arene oferece um ambiente mais completo para programar desde ajudas à condução até conectividade V2X ou gestão térmica.
  • Android Automotive é mais forte no infoentretenimento, mas limitado no controlo de segurança ou chassis. Algumas marcas combinam-no com outros sistemas.

4. Dados e privacidade:

  • Com o Arene, é o fabricante que gere todos os dados do veículo e do condutor.
  • Com Android Automotive, parte dos dados passa pelos servidores da Google, levantando dúvidas sobre privacidade e soberania tecnológica.

Existem outros sistemas importantes?

Sim. A Mercedes-Benz desenvolve o seu próprio sistema MBUX, fortemente integrado com inteligência artificial. A BMW combina Android com a sua plataforma iDrive, e o grupo Hyundai-Kia usa um software nativo, complementado com Android Auto e Apple CarPlay.
Também existem soluções open source, como o Automotive Grade Linux (AGL), apoiado por marcas como Toyota, Mazda ou Subaru. Embora menos visível, serve de base para muitos desenvolvimentos internos.

Conclusão

Arene e Android Automotive representam dois caminhos distintos para o futuro do automóvel conectado. O primeiro privilegia o controlo total do fabricante; o segundo oferece uma experiência fluida e integrada no ecossistema Google.

Para o cliente, hoje o Android Automotive é mais imediato e familiar. Mas o Arene poderá vir a ser a base de uma nova geração de automóveis Toyota (e Lexus) mais seguros, personalizáveis e sustentáveis a longo prazo.
E para as frotas profissionais, ambos oferecem vantagens, dependendo do perfil do condutor, das necessidades de controlo e da natureza do serviço prestado por cada veículo.

Carregamento bidirecional: ganhar duas vezes

O carregamento bidirecional nos veículos elétricos: uma oportunidade energética para a Europa

Durante anos, os veículos elétricos foram vistos apenas como consumidores de eletricidade.

Mas essa visão começa a revelar-se limitada. Graças à tecnologia de carregamento bidirecional, ou vehicle-to-grid (V2G), os automóveis elétricos podem passar a desempenhar um papel ativo no sistema elétrico. Não se limitam a consumir: podem devolver energia à rede e contribuir para o equilíbrio energético de todo um continente.

Um estudo com números claros

A organização europeia Transport & Environment (T&E) publicou um estudo elaborado pelos institutos Fraunhofer ISI e ISE, duas das mais prestigiadas instituições científicas em investigação aplicada na Europa. As conclusões são inequívocas: se for criado um enquadramento legal comum que promova o carregamento bidirecional, os veículos elétricos poderão gerar poupanças até 100 mil milhões de euros para o sistema elétrico europeu entre 2030 e 2040.

Este cálculo baseia-se no potencial dos VE para estabilizar a rede, reduzir os custos de produção de eletricidade e minimizar a necessidade de baterias estacionárias, atualmente utilizadas para armazenar o excedente de energia renovável.

Como funciona o carregamento bidirecional?

O sistema V2G permite que a bateria do automóvel não apenas receba energia, mas também a devolva à rede quando necessário. Por exemplo, um veículo carregado durante a noite pode injetar energia na rede durante as horas de maior consumo, quando a procura e o preço são mais elevados.

Para tal, é necessária uma infraestrutura compatível: carregadores capazes de operar nos dois sentidos, um sistema inteligente de gestão da carga e, acima de tudo, um enquadramento jurídico claro e harmonizado a nível europeu.

Benefícios energéticos e ambientais

A grande vantagem do V2G reside na sua capacidade de facilitar a integração de energias renováveis na rede. Segundo o estudo, a frota de veículos elétricos em Espanha poderá vir a cobrir até 17% das necessidades elétricas do país em 2040, aproveitando a energia solar ou eólica que, de outra forma, se desperdiçaria.

Além disso, a tecnologia V2G pode reduzir até 92% a necessidade de baterias estacionárias na Europa, simplificando a rede e diminuindo os custos de fabrico e manutenção. Com uma implementação em larga escala, a Europa poderia integrar até mais 40% de capacidade solar fotovoltaica sem sobrecarregar o sistema elétrico. Em termos simples, os automóveis passariam a ser aliados estratégicos de um sistema energético mais limpo e eficiente.

E as baterias? Não se degradam mais?

Uma preocupação comum entre os utilizadores é o eventual desgaste acrescido das baterias devido ao ciclo constante de carga e descarga. No entanto, o estudo indica o contrário: ao manter a bateria dentro de um intervalo ideal de carga durante mais tempo, o uso do V2G pode aumentar a sua vida útil até 9% em comparação com os padrões habituais de carregamento.

Ou seja, longe de prejudicar a bateria, um uso inteligente da carga bidirecional pode até beneficiar a sua durabilidade.

E os condutores? Qual é o incentivo?

Apesar da viabilidade técnica, a adoção generalizada do V2G dependerá também da atratividade económica para o utilizador final. O sucesso estará nos incentivos, nas tarifas dinâmicas, em compensações claras pela energia devolvida e na transparência do sistema de gestão.

Por outro lado, a utilização doméstica da tecnologia, na variante vehicle-to-home (V2H), permitirá usar o automóvel como bateria auxiliar em casa, por exemplo, para evitar o consumo de eletricidade durante as horas de tarifa mais elevada.

Um potencial ainda por explorar

Atualmente, o carregamento bidirecional está disponível em poucos modelos comerciais. Algumas marcas como a Nissan (Leaf) ou a Hyundai (Ioniq 5) já oferecem esta funcionalidade, mas o V2G continua a ser mais uma promessa do que uma realidade generalizada.

Para inverter esta tendência, a T&E defende que seja aprovada legislação europeia que torne obrigatória a compatibilidade com carregamento bidirecional em todos os novos veículos elétricos. Esta medida permitiria acelerar o desenvolvimento da infraestrutura e criar uma base comum para fabricantes, utilizadores e operadores do sistema elétrico.

Conclusão

O carregamento bidirecional não é uma ideia teórica nem uma utopia tecnológica. É uma oportunidade concreta que pode transformar profundamente a relação entre o setor automóvel e o sistema energético europeu.

Para que isso aconteça, é fundamental antecipar a sua implementação: desenvolver a infraestrutura, definir regras claras e garantir que todos os novos veículos estejam preparados para esta tecnologia.

Se tal for alcançado, os veículos elétricos deixarão de ser apenas meios de transporte livres de emissões para se tornarem elementos ativos da rede elétrica do futuro. E isso, sim, poderá representar uma verdadeira mudança de paradigma.

Scooter-GER A ascensão da Geração da Trotinete – Uma mudança de mobilidade com consequências duradouras

Uma revolução silenciosa, mas profunda, na mobilidade está a ganhar forma nas cidades de todo o mundo. No centro desta mudança está uma geração sem precedentes: a Geração da Trotinete. Urbana, fluente no digital e consciente da sustentabilidade, esta juventude não está apenas a transformar a forma como nos movemos – está a reformular a maneira como pensamos o espaço, a propriedade e a sociedade.

Não socializados pelo automóvel, mas sim pela mobilidade

Durante séculos, a posse de um automóvel pessoal foi um pilar central da identidade e independência em muitas culturas. Obter a carta de condução era, em tempos, um rito de passagem para a vida adulta. Mas para a juventude urbana de hoje, esse paradigma já não se aplica. A Geração da Trotinete é o primeiro grupo a crescer não socializado pelo automóvel, mas sim pela mobilidade – uma mudança com consequências profundas.

Os seus anos formativos foram marcados não por pais a entregar chaves de carro, mas por um toque num telemóvel para desbloquear uma trotinete, bicicleta ou carro partilhado. Deslocam-se pelas cidades de forma fluida, combinando vários modos de transporte: trotinete até ao metro, bicicleta até ao comboio, serviço de transporte privado até à partilha de boleias. Não se trata do veículo – trata-se do acesso.

Esta forma de socialização através da mobilidade partilhada altera a forma como se compreendem a liberdade e a responsabilidade. A liberdade já não é definida pela posse ou pela potência, mas pela capacidade de se deslocar de forma independente, acessível e sustentável – muitas vezes sem necessidade de um veículo próprio.

Do comportamento à infraestrutura: uma nova lógica de planeamento

Estudos de comportamento mostram cada vez mais que as experiências de mobilidade na juventude moldam hábitos a longo prazo. A Geração da Trotinete interioriza o pensamento multimodal como algo natural. Têm menor tendência para desejar possuir um carro, maior propensão para questionar a atribuição de espaço ao estacionamento, e valorizam mais comunidades densas, caminháveis e orientadas para os transportes públicos.

Isto representa um desafio para as lógicas tradicionais de planeamento, ainda enraizadas em pressupostos centrados no automóvel. Porque construir parques de estacionamento gigantes quando os jovens preferem trotinetes sem doca? Porque dar prioridade a vias rápidas quando a procura recai sobre ciclovias e zonas de micro-mobilidade? A socialização em mobilidade desta geração torna muitos investimentos em infraestruturas legadas obsoletos mesmo antes de serem construídos.

Para além do transporte: a camada cultural

A mudança da Geração da Trotinete não se limita à forma como se deslocam – estende-se à forma como vivem, consomem e se relacionam. Têm maior tendência para partilhar casas, subscrever serviços, e ver o consumo através de uma lente de sustentabilidade. São a geração do “menos é mais”, com uma mentalidade nativa digital que prioriza a flexibilidade, a experiência e o acesso em detrimento da posse.

Esta mudança de estilo de vida sustenta os alicerces de uma sociedade sustentável baseada no conhecimento. Para esta geração, a mobilidade não é um fardo, mas sim uma ferramenta de inclusão, participação e ação climática. A sua mobilidade é leve, inteligente e partilhada – e as cidades que compreendem esta mudança já estão a adaptar-se, a repensar o espaço junto ao passeio, a realocar infraestruturas viárias e a integrar plataformas de mobilidade como serviço (MaaS), como acontece em Paris.

Um alerta geracional para as políticas e o planeamento

O surgimento da Geração da Trotinete deve ser visto como um alerta. Marca o fim do automóvel como modelo universal para o planeamento da vida. Cidades, urbanistas e decisores políticos devem reconhecer que a mobilidade já não está ligada ao hardware, mas sim a redes, dados e acesso.

Não se trata de uma moda passageira, mas de uma transformação estrutural impulsionada pela socialização, pela tecnologia e pelos valores. E abre caminho a ambientes urbanos mais saudáveis, mais equitativos e mais resilientes.

Se o século XX pertenceu ao automóvel, o século XXI poderá muito bem pertencer à trotinete: silenciosa, elétrica, partilhada e mais inteligente do que nunca (pelo menos, quando bem estacionada).

Deverá a UE aligeirar o mandato de emissões zero até 2035?

Os membros da UE concordaram em 2023 em exigir que todos os novos veículos leves vendidos a partir de 2035 sejam totalmente em emissões. O mandato é neutro em tecnologia, ou seja, requer que todos os veículos sejam elétricos a bateria — EVs de célula de combustível de hidrogênio são uma opção — embora este esteja se tornando o caminho de fato.

Como vimos nos últimos anos, a trajetória de penetração de veículos limpos não é linear. É fortemente influenciado por incentivos que vêm e vão, pela introdução de novos modelos ou pela mudança na narrativa geral. Pode-se dizer que o ponto de dados de 2024 estava fora da trajetória linear em direção à meta de 2035, já que a penetração do BEV se estabilizava em torno de 14%. Isso está causando algumas dúvidas. No entanto, vários veículos de preço mais baixo estão sendo introduzidos que aumentarão a participação de mercado da BEV.

Uma cláusula de revisão incorporada no regulamento oferece uma oportunidade para revisitá-lo. Em 2026, o progresso em direção à meta de 2035 deve ser avaliado e as mudanças no escopo (por exemplo, extensão para veículos de 2 rodas) devem ser consideradas. Vários grupos de partes interessadas insistem que esta revisão deve ser adiada para 2025 — a incerteza é prejudicial à saúde da indústria — e a meta de 2035 deve ser reconsiderada.

A indústria automobilística europeia já está sob estresse significativo, mais do que suas contrapartes chinesas e americanas. Isso se deve em parte aos volumes não terem recuperado totalmente seu nível pré-Covid. A cláusula de revisão de 2026 é certamente uma oportunidade para reduzir esse estresse.

A UE deve confirmar a meta de 2035 para apoiar as metas de sustentabilidade e “forçar” a indústria em geral a fechar a lacuna de competitividade em relação à China? Ou o mandato deve ser relaxado para dar à indústria (e ao mercado) mais tempo para se ajustar, preservando níveis “racionáveis” de lucratividade? Deve ser introduzida alguma flexibilidade ou deve ser fornecida assistência financeira adicional?

O caso para relaxar o mandato da UE

Grupos da indústria, entre outros, estão fazendo lobby por um relaxamento do mandato de 2035. Os argumentos incluem falta de prontidão técnica, condições de mercado (por exemplo, apetite insuficiente dos clientes) e riscos econômicos para a indústria em geral.

Vários argumentos técnicos podem justificar a revisão do mandato. Eles incluem a falta de uma cadeia de fornecimento de baterias soberana (o mundo depende da China), a necessidade de uma extensa rede de carregamento e a preparação para que a rede suporte o carregamento em massa.

A cadeia de suprimentos da bateria não está entrando em fluxo conforme necessário. O requisito de CAPEX é enorme e a Europa carece de habilidades específicas de bateria. A Northvolt, com sede na Suécia, que já foi o principal empreendimento de bateria na Europa, entrou em colapso. A China (por enquanto) mantém seu controle sobre a mineração e refino de minerais, bem como sobre a produção de eletrodos e células. Sua estratégia de permitir que o excesso de capacidade se acumule (atingindo 600% para as células) e o preço de mercado afunda está tornando muito difícil para novos investimentos fora da China mostrar viabilidade econômica.

Além disso, as montadoras e seus fornecedores já investiram dezenas de bilhões de euros para desenvolver plataformas prontas para EV, cadeias de suprimentos de baterias, motores, eletrônicos de potência e infraestrutura de carregamento. No entanto, a lucratividade da BEV continua desafiadora, pois esses veículos não atingiram a paridade de preços em relação ao equivalente ICE que deveriam substituir, apesar da rápida queda dos custos da bateria.

Além disso, o mercado precisa de tempo para converter, pois parte da população está relutante em mudar, devido ao medo de ficar preso com uma bateria esgotada longe de um carregador. Os compradores devem ser educados, o que acontecerá com o tempo

O caso para manter o mandato da UE

Não vou repetir a justificativa de sustentabilidade para manter o mandato em seu estado atual, pois é óbvio para todos os indivíduos de pensamento sólido.

Há argumentos comerciais a serem feitos, e eles têm muito a ver com a China. Os OEMs chineses têm avançado com o apoio de seu governo. Isso levou a economias de escala significativas e sua implantação acelerada nos mercados globais.

Em 2020, a Europa experimentou uma maior penetração de BEV do que a China, impulsionada por uma mudança na meta de CO2 na UE. Em 2024, a participação de mercado da BEV na China era o 2x da Europa. Se a Europa ficar muito para trás, estará em uma posição cada vez mais desafiadora nos mercados globais, que estão sendo progressivamente eletrificados.

Uma opção para enfrentar o desafio da China poderia ser fechar as fronteiras. Esta é a abordagem que os EUA escolheram com tarifas de 102,5% sobre os EVs chineses combinados com o relaxamento dos limites de emissão internamente. É semelhante a se esconder debaixo de uma pedra. As tarifas só podem ser uma solução direcionada de curto prazo para permitir que os jogadores domésticos recuperem a competitividade. Eu vejo as taxas (de até) 45% que a UE cobra nos BEVs chineses como tal solução. No entanto, isso funcionará desde que os OEMs europeus aprendam a competir frente a frente com seus colegas chineses em mercados onde estão em pé de igualdade. Isso será ainda mais possível se os limites de emissão no mercado interno (UE) continuarem a cair.

Não agir como tal levaria a uma perda drástica de competitividade nos mercados globais e, eventualmente, em casa, pois as tarifas podem ser contornadas com a produção regional. Para referência, a BYD está construindo sua segunda fábrica na Europa e procurando um local para sua terceira.

Qual é a situação em outras regiões?

A China não estabeleceu nenhuma meta (oficial) para uma mudança completa para veículos de emissão zero. No entanto, o mercado está eletrificando em um ritmo acelerado, com os EVs de bateria atingindo cerca de 30% do mercado em 2024, quando os EUA estão em 8% — e o Japão em torno de 1%. O forte crescimento da eletrificação da China é o resultado de esforços coordenados por muitos anos para superar outras nações automotivas com trens de força da próxima geração. Parte da estratégia consistia em dominar a cadeia de suprimentos de baterias.

Como resultado, mais de 12 milhões de veículos plug-in foram produzidos na China em 2024, permitindo uma competitividade de alto custo em relação a outras regiões, oferecendo, portanto, um potencial de exportação significativo — veja meu artigo de março de 2025 “Chinese Auto Takeover: Tech, Growth, and Global Expansion” para mais informações.

Nos EUA, a abordagem federal tem consistido até agora em aumentar o requisito de economia média de combustível corporativa (CAFE), forçando um caminho para emissão zero sem estabelecer uma meta de atingir veículos 100% limpos. A nova administração agora está fazendo tudo o que pode para retardar a implantação de EVs e a cadeia de fornecimento de baterias associada.

Em 2022, a Califórnia promulgou um mandato de emissão zero, visando todos os novos veículos leves para serem BEV ou PHEV até 2035. No entanto, o congresso federal e a nova administração, com sua aversão dogmática por veículos limpos, acabaram de rescindir esse mandato — embora isso esteja sendo contestado no tribunal. A participação de mercado BEV+PHEV é de 23% YTD (incl. 19% BEV) vs. uma meta de 35% em 2026, deixando uma lacuna significativa.

A combinação de altas tarifas e baixas exigências domésticas de emissões provavelmente levará a uma perda significativa de competitividade nos mercados globais para OEMs sediados nos EUA.

Uma coisa é certa: uma estrutura clara e estável é necessária para que as partes interessadas do setor estabeleçam estratégias robustas e invistam com os critérios de lucratividade mais claros possíveis. A incerteza normalmente resulta em imobilidade, que é possivelmente a pior coisa que pode acontecer. No final do dia, não temos escolha a não ser ir 100% de emissão zero.