fbpx

Green Future-AutoMagazine

O novo portal que leva até si artigos de opinião, crónicas, novidades e estreias do mundo da mobilidade sustentável

Opinião

CES 2023: tendências e novidades na mobilidade

Opinião de Marc Amblard

O CES está de volta! A minha sexta visita desde 2017 foi a que mais apreciei. O número de expositores e participantes do CES 2023 subiu consideravelmente, relativamente a 2022, apesar de ser ainda mais baixo do que em 2020 – em 2021, o evento foi virtual. De facto, estiveram presentes cerca de 3.200 expositores e 115.000 participantes, este ano, contra 2.400 e 40.000 em 2022, e 4.000 e 170.000 em 2020. O meio termo atingido em 2023 provou ser um bom equilíbrio entre exposição a tecnologias, oportunidades de networking, a possibilidade de interagir com expositores e vaguear livremente pelos corredores.

As empresas ligadas à mobilidade preencheram aproximadamente 20%, ou 190.000 m2, do espaço do CES. Enquanto as empresas ‘tradicionais’ e as startups mais maduras estavam concentradas no enorme pavilhão ocidental, inaugurado em 2022, as startups emergentes instalaram-se com os seus pares, como de costume, no Eureka Park. E tenho de dar os parabéns à delegação francesa, que reuniu cerca de 120 startups neste espaço.

Fabricantes tradicionais

Estas empresas tiveram uma presença limitada, à exceção de Stellantis, BMW e Mercedes-Benz, cada uma com grandes espaços. A GM e o Grupo VW apresentaram-se em espaços muito pequenos, apesar da CARIAD – a divisão de software do Grupo VW – ter tido uma interessante e significativa presença no pavilhão ocidental, com a missão clara de atrair talento, ao mesmo tempo que exibiu alguns dos produtos do Grupo.

A Stellantis utilizou o CES para introduzir dois conceitos de veículos. Apresentou o concept RAM 1500 BEV, uma pick-up que aparenta estar pronta para entrar em produção e que, de forma pioneira no segmento, apresenta uma terceira fila de assentos (rebatíveis), uma função follow-me destinada às operações de trabalho, bem como um bot, construído pela EFI Automotive, que ‘rasteja’ sob o veículo para o carregar por indução – apesar de existir ainda um cabo de ligação. A Peugeot introduziu o Inception, um elegante coupé elétrico. A sua presença no CES leva-nos a questionar o interesse da marca no mercado norte-americano. A Stellantis também apresentou a sua futura plataforma STLA SmartCockpit, no interior de uma maquete de um Chrysler. A solução será incluída num veículo de produção em 2025.

A BMW introduziu a sua plataforma de nova geração Neue Klasse, sob o ‘disfarce’ do DEE (Digital Emotional Experience), um concept em que tudo é digital. Inclui um grande head-up display de pilar a pilar, que a BMW acredita poder eventualmente substituir a (cada vez maior) área de displays físicos no cockpit. A marca havia introduzido, no CES 2022, uma película baseada em e-ink [tinta eletrónica], que permite que a cor da carroçaria mude, de forma dinâmica, entre o branco e o preto. Este ano, o OEM subiu um patamar, apresentando uma paleta de cores na mesma carroçaria, novamente utilizando a e-ink.

A Volkswagen mostrou o seu novo sedan elétrico de grandes dimensões, o ID.7, que é esperado com uma autonomia WLTP de 700 km. Será lançado na Europa em 2023.

O CES tornou-se definitivamente a opção preferida para muitos OEM introduzirem novos produtos e conceitos, em detrimento dos salões automóveis tradicionais que, um pouco por todo o mundo, se deparam com dificuldades para encontrarem um novo posicionamento e manterem níveis de participação viáveis.

OEMs emergentes e fornecedores de serviços de mobilidade

A Sony surpreendeu-nos no CES 2020 com um conceito para um sedan e com rumores de que a empresa de tecnologia poderia ter interesse no mercado automóvel. Estes rumores foram confirmados no CES 2022, quando a Sony anunciou uma joint venture com a Honda para formar a Sony Honda Mobility, com o objetivo de “explorar o lançamento comercial de veículos elétricos”. Este ano foi dado mais um passo, com um concept sedan mais maduro e a introdução da marca que resulta da joint venture: a Afeela. O veículos será lançado em 2026.

Na sua segunda participação, a empresa turca TOGG apresentou o seu primeiro (e muito grande) veículo. O bonito SUV elétrico a bateria começou a ser produzido no último trimestre de 2022, numa fábrica no sul da Turquia com uma capacidade anual de 175.000 unidades.

A neerlandesa Lightyear mostrou o 0, um elegante sedan elétrico com um coeficiente de atrito de 0,175 e quatro motores, um em cada roda. O grande elemento diferenciador são os 5 m2 de painéis solares que cobrem a carroçaria e geram até 1,05 kW de energia. A produção do Lightyear 0 começou na Valmet (Finlândia), mas o volume manter-se-á baixo, tendo em conta o preço de 260.000 euros. Em 2025 deverá entrar em produção o Lightyear 2, com preço inferior a 40.000 euros. A empresa mostrou no CES as primeiras linhas do modelo.

A vietnamita VinFast, também na sua segunda participação, apresentou a sua gama destinada ao mercado norte-americano, apresentada pela primeira vez no CES 2022. Desde então, este ambicioso OEM enviou centenas de veículos para os Estados Unidos, que serão entregues através das suas próprias lojas e, em paralelo, está a explorar o mercado europeu. Os seus primeiros veículos são produzidos numa fábrica no Vietname, mas a empresa anunciou uma segunda unidade de produção nos Estados Unidos, com uma capacidade anual de 150.000 unidades.

Na sua participação no CES, a Zoox mostrou o seu robotáxi, que foi lançado há dois anos. O veículo de quatro lugares é capaz de atingir 120 km/h em qualquer direção. Está equipado com direção às quatro rodas para uma manobrabilidade sem precedentes. A subsidiária da Amazon ainda não revelou quando pretende iniciar as operações do robotáxi e lançar o respetivo serviço comercial, mas as cidades de Las Vegas e São Francisco deverão ser os primeiros mercados.

A Waymo apresentou quatro gerações de veículos: Fir, Chrysler Voyager (implementada em Phoenix sem operador de segurança a bordo), Jaguar i-Pace (usado na frota de São Francisco) e um veículo da próxima geração, de cinco lugares, desenvolvido pela Zeekr, da Geely, para a subsidiária da Alphabet. O veículo não tem volante e as suas portas deslizantes, tipo metropolitano, foram concebidas para acessibilidade máxima. A data de lançamento ainda não foi anunciada.

Empresas emergentes de motas elétricas

No ano passado, a startup norte-americana Damon Motorcycles apresentou os seus produtos. Duas outras empresas similares tiveram os seus espaços de exposição no pavilhão ocidental, este ano, apresentando motas elétricas muito bonitas, com muitas funcionalidades baseadas em software.

A finlandesa Verge Motorcycles e a chinesa Da Vinci Motor apresentaram motas de alto desempenho, com motores que geram, respetivamente, 150 kW e 100 kW e binários entre 850 e 1.000 Nm, e apresentam acelerações dos 0 aos 100 km/h num intervalo de 3 a 4 segundos. Enquanto que a Da Vinci usa um motor elétrico na roda, a Verge desenvolveu um grupo propulsor inovador, em que o motor está integrado na jante traseira e não existe cubo da roda.

As duas empresas oferecem funcionalidades avançadas de software, semelhantes às que observamos na transição dos motores de combustão para os veículos elétricos. A Da Vinci anunciou até uma funcionalidade de auto-equilíbrio para breve, graças a um pioneiro sistema de direção elétrica. Existe claramente uma competição cada vez maior com os líderes de mercado Zero Motrocycles e Energica no segmento das motas elétricas – dinâmica que sigo com grande interesse, uma vez que eu próprio sou o feliz proprietário de uma Zero.

Fornecedores de primeira linha

Os fornecedores tradicionais estiverem novamente bem representados, este ano. Os participantes incluíram Bosch, Continental, Hyundai Mobis, Magna, Mando, Marelli, Plastic Omnium (primeira participação), Toyota Boshoku, Valeo, Yazaki e ZF. Todos mostraram as suas tecnologias mais recentes, com foco claro na eletrificação, no veículo definido por software (ou, de forma mais geral, funcionalidades definidas por software), iluminação exterior e interior, habitáculos inovadores, displays, novas arquiteturas eletrónicas e todo o tipo de sensores. O interesse pela autonomia total (Nível 4) parece ter recuado, e o foco está colocado na promoção soluções de apoio à condução de Nível 2 e Nível 3, que têm potencial para gerar dinheiro no imediato.

Adicionalmente, tanto a ZF como a Holon, uma spin-off da Benteler, apresentaram shuttles autónomos similares aos da Navya e EasyMile. A Holon anunciou o início da produção do seu veículo de 22 passageiros em 2025, nos Estados Unidos, com o objetivo de explorar o mercado local em parceria com o fornecedor de serviços de mobilidade Beep.

Startups de mobilidade

Tal como em edições anteriores, o CES foi uma oportunidade para testemunhar um amplo conjunto de tecnologias e soluções inovadores. Não vou falar de empresas individuais, mas descobri algumas novas e aprendi mais sobre outras cujo trabalho já acompanhava.

Em geral, existe um interesse marcado em soluções relacionadas com o veículo definido por software (sistema operativo, gestão de dados a bordo, conectividade, comunicação de dados, automação de funcionalidades, etc.). Fui surpreendido pela quase total ausência de empresas ligadas aos componentes para veículos elétricos: baterias, motores ou sistemas eletrónicos.

Na área dos sistemas de apoio à condução e condução autónoma, estiveram novamente presentes várias startups de radar, este ano com foco crescente nos sensores para mapeamento 4D. Ainda existe claramente um grande número de startups de Lidar, apesar das suas dificuldades financeiras – um enorme espaço da Aeva, e dois espaços distintos da Ouster e Velodyne, que estão em processo de fusão. A consolidação nesta área específica vai continuar.

Outros domínios nos quais trabalham algumas startups interessantes que visitei incluem a interface homem-máquina, monitorização de condutor e habitáculo, sistemas de gestão de baterias, carregamento de veículos elétricos, limpeza de sensores, integração e fusão de sensores, perceção, visão computadorizada e pilhas de combustível, entre outros.

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a startups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

Como aumentar as suas ‘skills’ em vendas de automóveis…mesmo não sendo VENDEDOR!

Opinião de José Carlos Pereira

Todos sem exceção, em algum momento da nossa vida e carreira profissional, tivemos de fazer uma venda, ou vamos ter de a fazer. Seja uma ideia, uma proposta, um projeto, ou nós mesmos como pessoa. Ou melhor, alguém nos comprou alguma coisa. E para existir uma venda alguém teve de comprar!

E outro dado relevante é que as skills em vendas automóveis são todas passiveis de serem desenvolvidas com treino. E só vai a jogo quem treina. E treinando muito com uma boa direção podemos nos tornar especialistas em vendas.

Deixo o exemplo de um empresário (dono de um concessionário ou marca) que tem de fazer todos os dias 3 vendas – para a sua equipa, para o mercado (clientes) e para ele próprio. Julgo que a grande questão é ter ficado, infelizmente, enraizado ao longo do tempo na cabeça das pessoas, que quem vende está a obrigar alguém a comprar algo que não precisa. E essa é uma falsa questão. Isto quando a venda é integra, honesta e está a ajudar alguém a tomar uma melhor decisão, mais acertada e ajustada às suas necessidades. Um vendedor de automóveis é um consultor de compras que ajuda no processo de decisão de quem tem uma necessidade. E por incrível que pareça todas as várias interações que temos num dia envolvem de alguma forma uma venda.

Como faz parte do meu modelo de abordagem, aqui na revista Green Future e para arrumar melhor as ideias, vou separar alguns temas em 7 ‘gavetas’.

#1 Agir como um vendedor, mas pensar como um cliente: as pessoas compram um carro por duas razões. Ou têm uma necessidade de mobilidade que precisa de ser resolvida, ou têm uma necessidade pessoal que precisa de ser satisfeita (status). A tarefa de quem vende é saber o que está por trás dessa motivação e o que os levará a decidir. Quem se envolver nessa compra e decisão é estudado antes mesmo de preparar uma proposta? Quais as necessidades latentes e escondidas na compra de um carro? Quais são os vários perfis envolvidos na compra (quem compra, decide, paga, influencia, utiliza ou mesmo sabota)? Que perguntas eu posso elaborar para as descobrir? E como posso avaliar aquilo que não é visível, mas vai influir na decisão?

#2 Treinar algumas competências funcionais: quais as pessoas experts em vendas de automóveis que está a seguir como inspiração (outros vendedores)? Que pessoas realmente excelentes em comunicação são referências e que podem ser modeladas a si? Será possível desenvolver competências funcionais, do tipo ir ao ginásio todos os dias com boas práticas, para ganhar músculo em vendas? O treino funcional num ginásio depende de exercícios que imitam as ações em que nos podemos envolver durante o nosso dia-a-dia. Da mesma forma, no treino de vendas podemos procurar atividades nas quais já estamos envolvidos, como sessões práticas, para desenvolver competências em vendas. Já pensou nisto? Será que podemos, então, treinar interação para a relação, empatia para a ‘ligação’, criatividade para encontrar soluções e comunicação para ser mais eficaz? Sim, com um foco intencional e um pouco de planeamento no treino para desenvolver estas skills todos os dias.

#3 Saber esperar por resultados e não procrastinar: mesmo com um bom treino e uma boa direção (aconselhamento, formação e apoio de outros) por vezes os resultados demoram. Por vezes falhamos pois não lemos mais um livro, não visualizamos mais um vídeo ou mais um artigo. A linguagem corporal, por vezes ignorada e com um peso de 60% na nossa comunicação em vendas, é de extrema relevância em todo o processo – vale 4 vezes mais que o conteúdo, as palavras e argumentação. Escutar, mais do que simplesmente ouvir, é uma arte, logo espere pacientemente pela sua vez de entrar em jogo em termos de comunicação num processo de compra. Durante o discurso do comprador estar atento à sua linguagem corporal é muito importante, pois transmite informações para além das palavras. E ter sempre presente que a as palavras podem mentir, mas o corpo não.

#4 Fecho sempre em mente: a venda de um automóvel é um processo de várias etapas, e o fecho é uma delas. O fecho deve ser um processo natural de influência e não uma persuasão bruta. Logo, é uma consequência do processo depois de percorrido um caminho. Interpretar os sinais de compra ajuda a descobrir o momento certo para fechar. Vender é namorar, é flirting entre ambas as partes, e o que melhor dominar as regras à partida vai ter resultados (que devem ser divididos por ambas as partes no processo). A pressão e a força levam ao afastamento e à resistência, e não à aproximação desejada.

#5 Pensar no médio e longo prazo: os números de negócios não fechados será umas 10 vezes superior ao número de negócios realmente conseguidos (10 carros em processo de compra para vender 1, ou menos). A consistência dos resultados é o segredo, mas nem sempre conseguimos estar em cima, para mais quando o enquadramento não nos favorece (caso atual de potencial retração económica e consumo de bens duradouros como os automóveis). A diferença é que vendedores que não conhecem os ciclos facilmente vão abaixo e não têm capacidade de recuperar dos maus resultados emocionalmente, provocando ainda piores performances. Sem confiança não há venda. E estamos em tempos de ‘aguçar’ o engenho. As vendas também obedecem a ciclos, a altos e baixos… o segredo está em ser consistente e tentar estar quase sempre ‘em cima’, pois sempre é utópico.

#6 Mostrar empatia e entender as necessidades: somos energia, e a atitude vale bem mais que as aptidões e o conhecimento. Na compra de um carro as pessoas compram benefícios, sejam eles funcionais, emocionais ou sociais (mais que as características puramente técnicas). Vender é encontrar algo com que as pessoas se importem e beneficiá-las; logo, pense e aja como pessoa – humanize a relação comercial e fale sempre ao coração e às ‘dores’ do seu cliente. Esqueça o que o carro é, e pense mais no que o carro faz (ou que vai fazer pelo cliente…qual será a sua melhor versão, como pessoa, depois de o adquirir?).

#7 Princípios básicos a ter sempre presente: um dos fatores críticos de sucesso em vendas é a capacidade de recolher e fornecer informações num formato tal que o cliente, em potencial, deseje fazer negócios connosco, porque simplesmente reconhece a nossa autoridade no ecossistema automóvel. A nossa proposta de valor, o preço e os benefícios do que oferecemos são relevantes, mas nada disto importa, a menos que consigamos comunicar e nos façamos ouvir por quem compra (de que serve comunicar quando não atingimos quem queremos atingir?). Logo, temos de estar incrivelmente sintonizados (rapport) com o potencial comprador e entender o que ele quer efetivamente quando nos diz algo, ou quando mesmo nada nos disser (por vezes, ler aquilo que não é dito é relevante)! Precisamos de saber como eles se movimentam no processo de decisão, com o que eles realmente se importam da nossa proposta de valor.

O importante para quem quer vender um automóvel não é ter razão, mas sim atingir um certo objetivo. Estando certo que um ‘não’ nunca é pessoal, mas sim circunstancial. Quando não sabemos o que queremos atingir numa venda ou negociação, qualquer caminho serve. Interessante é concentrar a nossa energia naquilo que queremos que aconteça e não naquilo que não queremos, pois grande maioria das pessoas é hábil em nos apresentar uma grande lista do que não quer. Para isso, e para quem ainda não se sentir vendedor antes de o realmente ser, colocar a si mesmo estas questões pode ajudar: O que é que eu quero? Onde é que estou relativamente ao que quero? Como eu chego lá?

José Carlos Pereira é engenheiro do ambiente, com MBA Executivo em Gestão Empresarial. É business expert, consultor, formador e speaker na área comercial e de negócios internacionais.

Mobilidade Inclusiva

Opinião de Stefan Carsten

As nossas sociedades são diversas e únicas, mas as necessidades de mobilidade daí resultantes ainda não se refletem no planeamento urbano e dos transportes. O resultado: muitas pessoas experimentam restrições à sua mobilidade. Pessoas com deficiência física, mental ou cognitiva têm requisitos especiais no que diz respeito ao acesso a transportes públicos e espaços públicos. Isto também se aplica a migrantes e membros de minorias religiosas e sexuais, que têm necessidades especiais relacionadas com a sua segurança pessoal. As crianças e os idosos precisam que o trânsito seja mais lento, nas cidades, para que se possam movimentar em segurança. As mulheres, que desempenham muito mais o papel de cuidadoras do que os homens e, por conseguinte, estão envolvidas de forma diferente no mundo do trabalho, têm percursos de viagem mais complexos e necessitam de bons transportes públicos e novos conceitos de veículos para garantir a sua qualidade de vida, mesmo fora das clássicas horas de ponta.

A mobilidade inclusiva é um tópico importante mas é recorrentemente esquecido. São necessários exemplos? Milhares de pessoas viajaram para ver o Mundial de Futebol no Catar – de avião. De acordo com as estimativas, cerca de 6.500 pessoas do Nepal, Bangladesh e outros países morreram durante a construção dos estádios construídos para o torneio. A braçadeira One Love revela uma tentativa de mobilização de valores sociais.

34.000 delegados de todo o mundo viajaram até Sharm el Sheik para a conferência das Nações Unidas sobre o clima. Entre outras coisas, discutiram pagamentos compensatórios aos países mais pobres, que são mais afetados pelas consequências catastróficas das alterações climáticas, pelos países que são largamente responsáveis por essas alterações.

Atualmente temos essencialmente uma mobilidade feita para homens em espaços urbanos feitos para homens. As estradas que moldam as nossas vidas foram construídas para levar o trabalhador masculino até à fábrica, de manhã, e conduzi-lo a casa no final do dia. Apesar de praticamente tudo se ter alterado nos últimos 60 anos, as ruas são essencialmente as mesmas. Novas perspectivas sobre mobilidade, sobre sustentabilidade e sobre as necessidades de todos os grupos sociais estão a alterar isto.

No futuro, a mobilidade será mais fácil para as pessoas com deficiência, mas o progresso tem sido lento. Estão disponíveis cada vez mais produtos e serviços para estes utilizadores. Pessoas com deficiências motoras terão mais alternativas graças a novos conceitos de bicicletas e de micromobilidade, muitas vezes assistidos eletricamente.

Nos Países Baixos, graças a ciclovias suficientemente largas e a percursos velocipédicos seguros, idosos e pessoas com deficiências motoras podem movimentar-se de forma independente. O governo encoraja a compra de veículos adaptados como triciclos, bicicletas tandem, bicicletas de mão ou bicicletas tipo scooter, muitas vezes com assistência elétrica. Bicicletas como estas fazem parte natural da paisagem urbana dos Países Baixos, o que permite que muitas pessoas, de outra forma dependentes do apoio de terceiros, possam viajar de maneira independente e experimentar o prazer de andar de bicicleta.

Ao mesmo tempo, as barreiras físicas nos transportes públicos estão continuamente a ser desmanteladas – mesmo que esta conversão aconteça muito devagar. Existem cada vez mais plataformas elevatórias e as aplicações móveis podem conduzir o utente diretamente ao seu lugar através de sinais sonoros ou sistemas de navegação especiais.

No entanto, existe muitas vezes falta de espaço para cadeiras de rodas ou para pessoas com deficiência, em comboios e autocarros que estão pouco preparados para as receber. O transporte público, em particular, é mais um meio de transporte de massas do que uma oferta para pessoas com necessidades especiais. O bilhete de 9 euros na Alemanha é um triste exemplo disso: ao mesmo tempo que as multidões estavam felizes e contentes com a nova abordagem à mobilidade e os autocarros e os comboios estavam cheios, pessoas em cadeiras de rodas tiveram de ser excluídas. Simplesmente não havia espaço para elas.

Contudo, no futuro, o mais importante meio de transporte será provavelmente o veículo autónomo. Pessoas que não vêem bem ou que têm perturbações físicas ou psicológicas e que, por isso, não podem conduzir em segurança, estão dependentes de terceiros, numa perspetiva pessoal ou organizacional. Como, por exemplo, a Irene, que vive num condomínio fechado na Flórida. A Irene é dependente do marido para a sua mobilidade diária: se ele não está disponível, ela já não pode executar tarefas, encontrar-se com amigos ou ir ao médico, uma vez que é cega. Mas daqui a alguns anos, a Irene já não precisará do seu ‘motorista pessoal’ porque já existem veículos autónomos que ela pode usar para se movimentar pelas redondezas. Estes veículos estarão disponíveis com frequência cada vez maior, no futuro, ao mesmo tempo que os avanços da Inteligência Artificial asseguram que aprendem a compreender novas formas de interação; comunicam com o seu ambiente e com as pessoas. Desta forma, os veículos e os serviços podem adaptar-se às capacidades e necessidades de cada utilizador individual. 

Os veículos autónomos transformar-se-ão portanto no mais importante meio de transporte inclusivo do futuro. Podem ser reservados e solicitados sempre que necessário. Não existem tarifas nem horários que regulam a sua utilização. Serão em geral mais baratos de usar do que as variantes atuais. Podem ser tudo: transporte público, fornecedor de serviços privados ou até o veículo cooperativo de um grupo ou associação.

Mesmo se a sociedade inclusiva e a mobilidade inclusiva são ainda uma realidade distante, devemos hoje continuar no caminho de melhorar significativamente a participação social das pessoas com deficiência. Vamos olhar para este futuro juntos, porque é mais justo do que o sistema atual.

Stefan Carsten, consultor e especialista na área do Futuro das Cidades e Mobilidade, vive o futuro há mais de vinte anos. É um dos responsáveis pelo início da transição da indústria automóvel de um setor centrado no veículo para um setor centrado na mobilidade. Vive e trabalha em Berlim.

A consolidação da Condução Autónoma intensifica-se

Foram investidos milhares de milhões de dólares na Condução Autónoma (Autonomous Driving – AD) desde o início da década passada – particularmente entre 2016 e 2021 – com a ambição de libertar os seres humanos da tarefa de conduzir e a promessa de aumentar a segurança rodoviária. Empreendedores, capitais de risco e corporações saltaram para um comboio que se tornou uma montanha-russa.

As expectativas cresceram até atingirem o ponto máximo por volta de 2017. Quando a maioria dos lançamentos primeiramente anunciados não se concretizaram, por volta de 2020 caímos numa depressão: o problema da AD era muito mais difícil de resolver do que o previsto. Enormes quantidades de dinheiro foram então ‘despejadas’ em startups de software e sensores de AD, quer através de investimentos privados, quer através da introdução no mercado via SPACs (Special Purpose Acquisition Company). Isto deu a impressão errada de que a expansão da tecnologia estava ao nosso alcance.

Apesar do futuro da condução verdadeiramente autónoma parecer novamente ‘negro’, algumas entidades estão a seguir em frente neste caminho. Nesta altura, um punhado de empresas desenvolve algum tipo de atividade comercial (limitada) sem operadores de segurança, ainda dentro de domínios operacionais (i.e. limites geográficos) limitados. Na América do Norte, a Waymo começou as suas operações de ride-hailing em 2021, na cidade de Phoenix. No início de 2022 foi a vez da Cruise, em São Francisco.

As empresas têm agora de expandir, de forma lucrativa, além das operações em somente uma cidade, que se parecem mais com projetos-piloto. A Gatik [especializada em logística de entregas] já opera em várias cidades nos EUA e Canadá, resolvendo um problema mais simples do que os robotáxis. A Waymo está a lançar-se em São Francisco e em Los Angeles. A Cruise anunciou um novo serviço de ride-hailing em Austin e em Phoenix. Quão rápido serão estas empresas – e outras – capazes de abrir novas geografias e expandir as suas frotas de maneira lucrativa é a questão existencial.

Se algumas empresas estão em fase de implementação, as coisas tornaram-se bastante difíceis para muitas outras. O dinheiro tornou-se mais escasso. Muitas empresas que abriram o seu capital perderam uma porção muito grande do seu valor. Isto resulta naturalmente numa consolidação do setor, dinâmica que se aprofundou nos últimos dezoito meses.

Fusões e aquisições entre 2015 e 2020

Uma vaga contínua de fusões e colapsos é inevitável em qualquer setor, à medida que as empresas encontram interesse estratégico na aquisição de startups, enquanto outras falham os objetivos de crescimento. Na área do software para AD, a GM comprou a Cruise em 2016, a Aptive adquiriu a NuTonomy em 2017, a Apple comprou a Drive.AI e a DeepMap em 2019, e a Tesla ‘apanhou’ a DeepScale nesse mesmo ano.

Um movimento similar tem ocorrido na vertente do hardware para AD, particularmente na área dos sensores. Estas operações de fusão & aquisição servem para entidades bem financiadas acelerarem o desenvolvimento das suas soluções de AD, movendo-se essencialmente no sentido de algum nível de integração vertical. Isto foi possível graças aos milhares de milhões de dólares que cada uma das maiores empresas conseguiu angariar nos últimos anos.

Por exemplo, a Cruise adquiriu a Strobe (Lidar) em 2017 e a Astyx (radar) em 2020. A Argo comprou a Princeton Lightwave (Lidar) em 2017. A Aurora adquiriu a Blackmore Sensors (Lidar) em 2019 e a Ours Technologies (Lidar) em 2021. A Oyster comprou a Sense Photonics (Lidar). E esta lista não é exaustiva.

Consolidação acelera a partir de 2020

Em finais de 2020 emergiu uma vaga de consolidações muito mais profunda. As entidades adquiridas não são já startups com algumas dezenas de funcionários, mas antes empresas muito mais maduras, algumas com 2.000 trabalhadores. Foram tomadas grandes decisões de alocação de capital – até certa medida, em virtude da pandemia – que resultaram em grandes operações de fusão & aquisição.

A Uber vendeu a ATG, com os seus cerca de 1.200 trabalhadores da equipa de desenvolvimento de AD, no final de 2020. Em 2021, a Lyft replicou o concorrente e vendeu a Level 5, a sua unidade de AD com uma força de trabalho de cerca de 300 pessoas, à Woven Planet da Toyota. Estas transações tiveram por base avaliações de 3,6 mil milhões e 550 milhões de dólares, respetivamente.

Estes duas empresas de ride-hailing ‘desfizeram-se’ das suas atividades de AD à medida que a pandemia colocava uma pressão excessiva sobre as suas finanças e quando se aperceberam da complexidade da tarefa em mãos. Tornou-se óbvio que seria melhor focarem-se no core business e estabelecerem parcerias com empresas especializadas em condução autónoma para as atividades futuras na área dos robotáxis. No curto prazo, isto parou a sangria financeira provocada por estes ativos. A longo prazo, a Uber pode agora apoiar-se na sua parceria com a Aurora (e a Motional) para as futuras atividades de ride-hailing e transportes pesados autónomos.

A consolidação está a ganhar força à medida que as prioridades mudam e a perspetiva de uma expansão lucrativo dos robotáxis é erodida. Em outubro, a Ford e o Grupo Volkswagen anunciaram o encerramento da Argo, em que cada uma detinha uma participação de 40%. A empresa de AD angariou um total de 3,6 mil milhões de dólares e recrutou cerca de 2.000 pessoas. Os dois Fabricantes Originais de Equipamento (OEM – Original Equipment Manufacturers) decidiram mudar o seu foco para os sistemas de apoio à condução (ADAS de nível 2 e nível 3), que oferecem uma fonte de receitas a curto prazo. A alocação de recursos também tem de ser considerada num período de mudança rumo à eletrificação e aos veículos definidos por software, tarefas obrigatórias para os OEM.

Mais recentemente, as empresas de Lidar Velodyne e Ouster (ambas cotadas em bolsa) anunciaram a sua fusão, com o objetivo de reduzir os seus custos base. Cada uma das empresas perdeu cerca de 90% do seu valor de mercado desde a sua inclusão no índice NASDAQ, em 2020.

Quase todas as empresas ligadas à AD que abriram o seu capital nos últimos dois anos – maioritariamente através de SPACs – tiveram uma grande quebra do seu valor de mercado, entre 70 e 90%. Isto leva a que seja mais difícil angariarem financiamento adicional. Por exemplo, a Aurora angariou um total de 2,1 mil milhões de dólares, que coincide com o seu valor de mercado, uma quebra face aos 13 mil milhões que valia em meados de 2021. As empresas que permaneceram com capitais privados também enfrentam condições de financiamento muito mais difíceis. 

Cash-flow positivo antes de se esgotar o dinheiro

Na vertente dos lucros e prejuízos, o negócio tem vindo a recuperar lentamente para a maior parte das empresas. Por exemplo, a Aurora reportou “receitas colaborativas” de 63 milhões de dólares no primeiro semestre de 2022 (incluindo somente 2 mil milhões da área de transporte pesado autónomo no segundo trimestre), mas um prejuízo operacional de 340 milhões de dólares. A empresa espera lançar comercialmente a sua solução de transporte pesado autónomo no início de 2024, mas estima esgotar os fundos que detém em meados do mesmo ano. Este desafio insustentável explica a razão pela qual o CEO da Aurora apresentou ao conselho de administração (numa carta que foi inadvertidamente enviada aos funcionários e que depois se tornou pública) várias opções: vender a empresa, angariar mais financiamento, alienar ativos ou reduzir custos. Não existem soluções fáceis.

A Cruise enfrentou prejuízos de 900 milhões de dólares no primeiro semestre de 2022 mas espera receitas de 500 milhões em 2025. A economia unitária será cada vez mais crítica, já que a empresa determinou um nível de preço competitivo para o seu primeiro serviço de robotáxis, comparativamente ao seu serviço de ride-hailing em São Francisco, apesar de os custos de base estarem atualmente longe de serem comparáveis.

As restantes empresas estão a correr para expandirem os seus negócios enquanto mantêm a segurança como aspeto primordial. Têm de gerar receitas significativas antes de ficarem sem dinheiro ou provarem que o podem fazer antes dos investidores perderem o interesse. As empresas triunfantes serão aquelas que têm financiadores comprometidos a longo prazo ou que iniciaram já a expansão com lucros em vista. As outras terão de ser criativas para terem sucesso.

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a startups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

‘Vehicle-to-Grid’

Opinião de Stefan Carsten

A mobilidade e a energia estão cada vez mais ligadas. Os veículos elétricos funcionam como dispositivos de armazenamento de energia e servem para estabilizar a rede elétrica. Ao mesmo tempo, estão a emergir novos modelos de negócios resultantes da possibilidade de fornecer energia à rede.

O novo sistema de convergência: mobilidade e energia

A convergência entre mobilidade e energia progride cada vez mais. As razões para isto são óbvias. As duas grandes tendências estão a diversificar-se e a diferenciar-se com um alcance sem precedentes: desde as ofertas centralizadas e descentralizadas, até a uma base energética fóssil e pós-fóssil. Onde antes haviam apenas carros, bicicletas e transportes públicos, existem agora dezenas de alternativas e pontos de acesso num mundo dividido, concebido para a partilha em vez da propriedade. Onde antes haviam apenas centrais nucleares e de carvão, existem agora milhares de centrais fotovoltaicas e turbinas eólicas numa rede baseada em energias renováveis.

Uma perspetiva integrada que tenha estas tendências em conta é fundamental para dar ao eminente sistema de convergência um futuro de sucesso, sucesso este medido pela sua aceitação e sustentabilidade. Neste sentido, um dos elementos mais importantes são as baterias, dos veículos elétricos. É aqui que oferta e procura, produção e consumo, mobilidade e imobilidade se encontram e criam novos acessos.

Este acesso é mais urgente do que qualquer outra alternativa. A mobilidade vehicle-to-grid fornece respostas às questão prementes da nossa era de mobilidade: O que acontece quando cada vez mais automóveis elétricos utilizam a rede elétrica tradicional? O que acontece quanto a rede está já sobrecarregada pelas altas temperaturas do verão ou pelas baixas temperaturas do inverno? O que acontece quando existe pouca energia disponível na rede quando as energias renováveis não conseguem produzir eletricidade suficiente?

Neste contexto, uma rede descentralizada de sistemas de armazenamento de energia e centrais energéticas virtuais baseadas em automóveis elétricos desempenhará um papel decisivo na transição energética e na mobilidade. Isto é a mobilidade V2G.

Vehicle-to-Home, Vehicle-to-Grid, Vehicle-to-X

Os carros já não são apenas um meio de transporte; estão cada vez mais integrados na infraestrutura energética. Quando um veículo elétrico é totalmente carregado numa garagem (os carros passam, por norma, 95% do tempo estacionados) e os moradores ficam sem eletricidade ou esta é demasiado cara, a bateria do automóvel oferece a possibilidade de alimentar os dispositivos de iluminação, o frigorífico, ou garantir até a totalidade do fornecimento de energia através da bateria. E se a procura aumentar subitamente – porque todos querem ligar o ar condicionado numa vaga de calor ou o aquecedor durante uma vaga de frio – as empresas de fornecimento de eletricidade podem pagar aos consumidores pelo excesso de energia armazenado nas baterias através da ligação direta do automóvel à rede.

Isto é denominado de carregamento bidirecional ou vehicle-to-grid, e é encarado com um dos aspetos decisivos da transição energética e da mobilidade: quando os automóveis eléctricos estão ligados à rede em alturas de pico, podem devolver-lhe eletricidade, e aliviá-la e estabilizá-la em períodos de maior procura. Termina assim o debate sobre as centrais nucleares e de carvão como salvaguarda das energias renováveis, quando estas não estão disponíveis.

Estas capacidades energéticas são urgentes – afinal, os cenários otimistas-realistas indicam que o mercado global de automóveis elétricos superará 200 milhões de veículos em 2030. Isto requer um sistema energético inteligente, porque se os automóveis forem carregados e descarregados sem consideração pelas redes de energia e as suas capacidades, põem em risco a estabilidade e fiabilidade da rede geral.

Este interface veículo-rede é atualmente o foco de esforços de investigação e desenvolvimento no campo da sustentabilidade energética. Se a carga e a descarga ocorrerem de forma controlada, o interface pode servir como ferramenta para garantir a estabilidade da rede. Os carregamentos podem ser agendados para períodos em que a eletricidade é mais limpa, mais barata e mais abundante. Estas trocas são a base de novos modelos de negócio e de um novo sistema móvel de energia.

Os carregadores bidirecionais estão longe de se tornarem comuns e são ainda bastante caros, uma vez que necessitam de hardware adicional. Mas os fabricantes de automóveis e outras empresas estão a começar a introduzi-los, para ajudarem os proprietários de veículos elétricos a contribuir para a rede, ou armazenar e depois converter eletricidade para as suas próprias necessidades: o novo Ford F-150 pode fornecer energia a uma casa até três dias – uma vantagem importante na futura distopia das alterações climáticas; a Volkswagen promoveu as capacidades de carregamento bidirecional nos seus mais recentes e nos próximos veículos elétricos; e recentemente, a Nissan aprovou o primeiro carregador bidirecional para o Leaf, um modelo que está à venda há quase 12 anos.

Em resposta às falhas de energia em larga escala que ocorreram na China, no verão de 2022, em virtude das elevadas temperaturas, o fabricante chinês NIO começou a testar a devolução de energia às redes locais através de estações de troca de baterias. O teste envolveu quinze estações em Hefei e, como resultado, a carga de eletricidade desta central elétrica virtual foi ajustada em 8 MWh durante cinco dias, o que equivaleu a uma poupança de eletricidade em tempo real para mais de 3.000 habitações. A NIO opera mais de mil estações de troca de baterias em toda a China. De acordo com a empresa, as suas estações atuais estão equipadas com treze ‘pacotes’ de baterias, que em conjunto fornecem uma capacidade de armazenamento de energia de 600 a 700 kWh, disponível em qualquer altura.

Através destes sistemas V2G, as habitações utilizarão energia armazenada nas baterias dos automóveis elétricos, e os fornecedores de energia podem compensar em picos de procura. Uma sinergia imbatível em tempos de alterações climáticas, de crise energética e de escassez de recursos.

Stefan Carsten, consultor e especialista na área do Futuro das Cidades e Mobilidade, vive o futuro há mais de vinte anos. É um dos responsáveis pelo início da transição da indústria automóvel de um setor centrado no veículo para um setor centrado na mobilidade. Vive e trabalha em Berlim.

Qual será o automóvel mais eficaz – elétrico ou a hidrogénio?

Uma boa notícia, julgo eu, para começar: ambos são elétricos em termos de mobilidade e motorização.

Um veículo elétrico a bateria (VEB), que passou a fazer parte do nosso dia a dia, é alimentado a eletricidade, armazenada numa bateria (pilha de grande dimensão e peso), quando se dá um carregamento via rede elétrica (mais de 4.000 postos públicos disponíveis no mercado português). Um veículo elétrico de célula de combustível de hidrogénio (VECC) produz a sua própria eletricidade através de uma reação química numa pilha de células de combustível alimentada a hidrogénio (H2). Neste último, menos comum ou quase inexistente no nosso mercado, essa eletricidade é gerada por eletrólise, em contacto com o oxigénio (O2) do ar atmosférico, que alimenta os motores elétricos nas rodas e a única emissão é vapor de água (H2O). Os VECC são reabastecidos em estações de serviço específicas (julgo que existem apenas dois postos em Portugal e aproximadamente 250 em toda a Europa).

Há quem chame ao veículo a hidrogénio ‘elétrico disfarçado’. Ambos são elétricos, porém, num VEB, a energia chega ao motor via uma bateria; noutro, por meio de células de combustível com o consumo de hidrogénio (H2). A velocidade de abastecimento de um depósito de hidrogénio (5 a 6 kg) é, aproximadamente, a mesma de um veículo a combustão (VC), tendo autonomias superiores aos VEB. E, note-se, purificam o ar por onde passam!

As principais marcas automóveis continuam divididas nos seus investimentos futuros e, com exceção da Toyota e da Hyundai (com os modelos Mirai e Nexo SUV, respetivamente), canalizam, hoje, quase todo o esforço de adaptação e produção para os VEB e não para os VECC – pelo menos, segundo a informação disponível. Na Ásia, a aposta (e sua utilização) está bem mais avançada, principalmente no Japão. Acredito que será mais um dos caminhos em paralelo com o forte crescimento e aposta nos VEB. De facto, ainda são muito caros (preço de venda ao público) e a tecnologia (assim como a conveniência de carregamento) não está tão madura como nos VEB – está mesmo a dar os primeiros passos.

Outro caminho em desenvolvimento, que tem a força gravítica de mais de 95% do mercado atual de automóveis em circulação, é, dentro dos VC, o dos combustíveis sintéticos – que explorei num artigo aqui na Revista, em fevereiro de 2022, e que conselho a (re)visitar.

Ou seja, soluções e tecnologias há muitas – e outras ainda surgirão nos próximos anos. O racional será sempre numa ótica de custo-benefício e de preço da tecnologia disponível. A massificação de uma ou de outra tecnologia ajuda a que todo um cluster automóvel invista numa direção (ou em várias). Nunca esquecendo a vontade política, os incentivos fiscais e financeiros para uma adoção mais rápida (que compreendo, embora distorça as leis de mercado), pois também serão alguns estímulos no caminho de compra que induzirão, ou não, a uma mudança de comportamentos quando qualquer um de nós estiver num processo de decisão.

Num processo de decisão, para além da componente de sustentabilidade (ou outros fatores pessoais), o fator ‘utilização’ é muito relevante – e, muitas vezes, pela minha experiência e contacto com players e concessionários, não é tido em conta. A questão também é fazer as contas (com racionalidade), para além de uma vontade emocional na decisão. Decisões informadas, em princípio, serão melhores decisões.

Comparando o carro a hidrogénio com o carro elétrico com bateria, para uma distância semelhante a percorrer, o valor de carregamento de uma bateria é duas a três vezes mais baixo que o abastecimento do tanque de um carro a hidrogénio. Isto é demonstrativo dos níveis de eficiência ainda baixos das atuais tecnologias a hidrogénio, mesmo considerando a utilização de hidrogénio verde, pois também temos hidrogénio azul e cinzento (o verde é o único que garante neutralidade carbónica, pois é produzido por energia renovável, em contraste com os outros dois). O custo atual por quilograma do hidrogénio verde ronda os 10,00 euros e, naturalmente, vai baixar nos próximos anos em função de significativos investimentos em curso (inclusive em Portugal, no seu famoso PRR).

Alguns estudos, como o Automotive Industry 2035 – Forecasts for the Future, apontam o hidrogénio como a alternativa do futuro, especialmente para meios de transporte rodoviário coletivo e de grande dimensão (transporte marítimo, ferroviário ou aéreo). O binómio a considerar será sempre ‘custos de produção’ (e armazenamento) e ‘rede de distribuição disponível’. Com a vantagem de serem veículos mais leves (sem baterias de grande dimensão) e sem perder autonomia em climas mais frios. O organismo Hydrogen Council, adicionalmente aos dados referidos neste artigo, estima que a procura de hidrogénio se multiplique por 14 até 2050.

As perguntas, em jeito de remate final, que posso deixar são estas: Fará sentido comprar carros a hidrogénio se as estações de reabastecimento quase não existem? Quem vai investir nos postos de abastecimento se os carros não estiverem disponíveis (a história do ovo e da galinha)? Note-se, porém, que estas são algumas das perguntas que se colocavam há cerca de 10 anos sobre os VEB e, à data de hoje, 4 em cada 10 novos carros comprados em Portugal já são VEB (38% das vendas totais). A única constante que temos como garantida é mesmo a mudança, mas… a que velocidade?

José Carlos Pereira é engenheiro do ambiente, com MBA Executivo em Gestão Empresarial. É business expert, consultor, formador e speaker na área comercial e de negócios internacionais.

Salão Automóvel de Paris 2022

Saí da 89ª edição do Mondial de l’Automobile de Paris com quatro ideias-chave: 1) os fabricantes chineses estão a chegar à Europa; 2) existe um caminho para a mobilidade automóvel frugal; 3) os veículos elétricos movidos a hidrogénio são um caminho alternativo para a mobilidade limpa; e 4) o Salão Automóvel de Paris tem de se reinventar, à semelhança de outros em todo o mundo. De facto, este foi um evento bastante pequeno, em comparação com edições anteriores – tal como aconteceu em outros salões importantes –, com várias marcas locais e estreantes.

Antes de avançar em cada uma destas ideias e analisar o que se está a passar, vamos olhar rapidamente para aquilo que pareceu o novo normal, nesta era de eletrificação quase sistémica. Renault, Peugeot e DS promoveram essencialmente veículos híbridos plug-in, mas a primeira deu destaque a elétricos a bateria com um estilo retro: os Renault R5 e R4. Apesar do seu posicionamento original, entre os anos de 1960 e 1990, estes veículos destinam-se claramente ao importante mercado dos SUV pequenos. Serão produzidos no norte de França e lançados em 2025.

Na Stellantis, a Peugeot introduziu um 408 fastback. A Jeep, a única marca presente que não era francesa, chinesa ou vietnamita, estreou o seu primeiro elétrico a bateria. O Avenger será produzido na fábrica da Stellantis na Polónia e terá um preço-base inferior a 40.000 euros. Por último, enquanto a DS apresentou a sua gama atual, a Citröen esteve simplesmente ausente.

Os fabricantes chineses estão claramente a apostar na Europa

Se os Fabricantes de Equipamento Original [OEM] alemães, norte-americanos (além da Jeep), japoneses, sul-coreanos e britânicos estiveram ausentes, os chineses vieram em força, acompanhados pelo estreante vietnamita VinFast, focados no mercado dos elétricos a bateria (BEV). Estas empresas asiáticas estão claramente a apontar ao Velho Continente, uma vez que a China é a casa de muitos OEM exclusivamente ‘elétricos’. A Europa é o segundo maior mercado de BEV, à seguir à China, muito à frente dos Estados Unidos. Além disso, tornou-se muito mais difícil os BEV produzidos fora da América do Norte serem competitivos nos Estados Unidos – a Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act) recentemente aprovada, retira aos compradores um incentivo potencial de 7.500 dólares.

A BYD foi o OEM mais agressivo do Salão. O líder chinês de elétricos a bateria apresentou quatro veículos num grande stand, três dos quais definitivamente a caminho da Europa. Estes são o Atto 3, um SUV compacto que custa menos de 38.000 euros; o Tan, um SUV de tamanho médio; e o Han, um grande sedan com preço superior a 70.000 euros. Um sedan médio, o Seal, está também a ser considerado. Durante a sua conferência de imprensa, o representante da BYD mostrou-se muito ambicioso, no que diz respeito à Europa, com planos para estabelecer uma base de produção no Velho Continente.

Outras marcas chinesas presentes em Paris foram a Ora, do grupo Great Wall Motor, com o seu Funky Cat, que estará à venda na Alemanha no final de 2022; a Seres, do grupo Dongfeng Motor, com os crossovers elétricos 3 e 5; a Leapmotors; e a Wey, ainda com híbridos plug-in, nesta fase.

A VinFast, do Vietname, também teve uma presença significativa. O OEM emergente, que produziu os seus primeiros veículos em 2018 sob licenças da BMW e General Motors, introduziu a sua impressionante gama de cinco elétricos a bateria no CES, em janeiro último. Em Paris, estiveram em exposição os SUV e crossovers de média e grande dimensão (na Europa!) VF6, VF7, VF8 e VF9, desenhados pela Pininfarina, que vêm todos para o continente, bem como para os Estados Unidos, nos próximos meses. Este OEM alugará as baterias (a partir de 120 euros por mês, no lançamento) separadas do veículo, replicando um modelo introduzido pela Renault há dez anos. Será que a VinFast tem meios para levar a cabo este ambicioso plano?

A ambição demonstrada por estas novas empresas terá provavelmente um impacto positivo na democratização da mobilidade limpa. No entanto, isto irá acontecer essencialmente à custa da indústria europeia, uma vez que todos estes veículos serão importados da Ásia – pelo menos, inicialmente – a menos que sejam tomadas ações. A França está já a considerar restringir os incentivos aos veículos produzidos no país ou, pelo menos, na Europa.

Será que a Europa vai promulgar leis protecionistas, na esteira da legislação norte-americana? Sem se comprometer totalmente com uma posição protecionista, porque não alinhar qualquer inovação com o respeito pelas condições operacionais subjacentes, i.e. baixa intensidade de CO2 ao longo da cadeia de fornecimento, ausência de assistência financeira pública, ou condições de trabalho, para garantir, pelo menos, condições equitativas?

Mais opções de mobilidade urbana frugal em quatro rodas

O preço e o tamanho médio dos veículos tem vindo a aumentar na Europa, e ainda mais nos Estados Unidos – considere-se o absurdo Hummer EV, de 4,5 toneladas e um preço superior a 100.000 dólares. A eletrificação está presentemente a inflacionar este preço médio e continuará a fazê-lo até que o custo dos metais críticos (e.g. níquel, cobalto, lítio) volte a descer. Até lá, uma porção cada vez maior da população continuará a ver-se impossibilitada de adquirir um veículo elétrico, o que vai também atrasar a mudança para uma frota limpa. Podem, contudo, ter acesso a veículos elétricos ligeiros muito mais frugais para as suas deslocações urbanas.

A Renault introduziu o elétrico Twizy, de dois lugares, há cerca de dez anos. Mais recentemente, a Citroën lançou no mercado o Ami, com um custo de 7.800 euros, no mesmo segmento, com o seu motor de 8 cavalos e bateria de 5,5 kWh. Os dois carros podem ser conduzidos com uma licença para ciclomotores ligeiros. Em Paris, vimos a segunda iteração da Renault, o Duo, apresentado pela divisão de mobilidade deste OEM, a Mobilize, assim como, pelo menos, seis produtos equivalentes de outras empresas.

Provavelmente, o mais emblemático destes veículos é o suíço Microlino, construído em Itália. Com abertura de porta frontal, à semelhança do BMW Isetta dos anos 1950, este veículo de dois lugares com 2,4 metros de comprimento (similar ao Ami e 100 mm mais curto do que o primeiro Smart ForTwo) oferece opções de bateria de 6 e 14 kWh com autonomia máxima de 230 km, um motor de 16 cavalos e velocidade máxima de 90 km/h, com preços entre 15.000 e 22.000 euros.

Outros modelos no mesmo segmento incluem o Yoyo, da XEV, com a sua bateria intercambiável. O carro italiano, de 15 kWh e autonomia de 150 km, já é vendido em Itália e França por 16.000 euros. Também podemos referir o e-Go Mobile, o City Transformer (com largura dos eixos variável em função da velocidade), o Eco Motors, o La Bagnole da Kilow Auto, ou o Silence SO4 (também com bateria intercambiável). Alguns destes veículos oferecem simultaneamente versões que requerem uma carta de condução convencional, e outros que podem ser conduzidos com uma licença de ciclomotor (e.g. as versões de 14 kW e 6 kW do SO4). Esta dualidade pode ser uma resposta ao facto de cada vez menos adultos possuirem carta de condução. Provavelmente, também veremos estes veículos predominantemente em frotas partilhadas.

Será que veremos nos Estados Unidos – onde resido – uma reversão da tendência para veículos cada vez maiores e mais pesados? Será que os OEM se vão atrever a oferecer carros no extremo oposto do Hummer EV, com 10 kWh em vez dos 200 kWh deste último, para cidades como Nova Iorque e São Francisco? Será que veremos algum nível de razoabilidade na oferta de mobilidade, que seja verdadeiramente sustentável ao longo de todo o ciclo de vida? Espero sinceramente que sim.

Pilhas de combustível de hidrogénio como caminho alternativo para a mobilidade limpa

A maior parte da indústria está a mover-se rapidamente rumo aos veículos elétricos a bateria e, em concordância, a renovar detalhadamente as suas cadeias de fornecimento. No entanto, subsistem vozes – que parecem estar a ganhar força – a favor dos veículos elétricos a pilha de combustível (FCEV) para determinadas aplicações. Apenas dois OEM oferecem atualmente veículos de passageiros movidos a pilha de combustível (Toyota e Honda), enquanto o foco nos FCEV mudou quase totalmente para o transporte de bens, desde os furgões até aos camiões pesados.

Tanto a Stellantis como a Renault oferecem (ou fá-lo-ão em breve) furgões alimentados a pilha de combustível, que custam atualmente cerca de três vezes mais do que os seus equivalentes a diesel. A adaptação é desenvolvida em parceria com um ecossistema francês cada vez mais forte. Entidades domésticas trabalham em pilhas de combustível e tanques de alta pressão, assim como na produção e distribuição de hidrogénio.

Por exemplo, a Renault e a norte-americana Plug Power juntaram forças numa joint-venture 50-50 para desenvolverem uma solução completa, incluindo estações de distribuição de H2. A Symbio, detida conjuntamente pela Forvia e a Michelin, desenvolveu a sua própria pilha de combustível, utilizada nos furgões da Stellantis. A Plastic Omnium (PO) oferece tanques de alta pressão (700 bar) com base na sua liderança global em sistemas de alimentação de combustível, tendo estabelecido uma parceria com a ElringKlinger da Alemanha para as pilhas de combustível. Todas estas empresas anunciaram nova capacidade de produção em França – para dezenas de milhar de pilhas de combustível –, e também no estrangeiro, como é o caso da PO.

Enquanto apenas Toyota, Hyundai e BMW mantêm as pilhas de combustível no mix energético dos seus veículos de passageiros, duas start-ups francesas estão também a apostar na tecnologia. A NamX apresentou um SUV conceptual, alimentado por uma pilha de combustível, com 300 cavalos (tração frontal) ou 550 cavalos (tração integral). O seu tanque de H2 principal e seis cápsulas amovíveis (estranhamente colocadas no pára-choques traseiro) oferecem uma autonomia total de 800 km. O lançamento está agendado para 2025, em conjunto com estações de troca de cápsulas. Em paralelo, a Hopium mostrou o Machina, um bonito sedan conceptual com 10 kg de H2, oferecendo 1.000 km de autonomia, uma pilha de combustível de 200 kW e um motor de 500 cavalos. As reservas estão abertas por 120.000 euros para o lançamento em 2025. Contudo, as duas start-ups ainda terão de angariar os fundos necessários para avançarem para a fase de produção.

Apesar de tudo, permanecem vários desafios, além do custo das pilhas de combustível, antes de que a tecnologia conquiste uma quota significativa entre as opções energéticas. Estes incluem principalmente a disponibilidade e o custo do hidrogénio verde, e o número e localização das estações de abastecimento – cerca de 100 na Alemanha e 40 em França, no final de 2021. No entanto, confio que a pilha de combustível será uma opção competitiva quando o custo, peso e tempo de carregamento das baterias não são compatíveis com o tipo de utilização a que se destina o veículo.

O Mondial de l’Automobile tem de se reinventar para recuperar

Esta foi a 124ª edição do Salão Automóvel de Paris. Este ano, cerca de 400.000 pessoas visitaram o evento, contra um milhão na última edição, em 2018, e um pico histórico de 1,4 milhões. Conforme referi acima, houve muito menos expositores, espalhados por uma área mais pequena, de apenas três pavilhões. Surpreendentemente, a Mercedes foi a Paris revelar o novo SUV EQE, mas isso aconteceu no Museu Rodin, no domingo anterior à abertura do evento.

Este salão automóvel está longe de ser o único a sofrer deste desinteresse; todos o sentem. O conceito tem de ser reinventado, com a possível expansão para outros modos de mobilidade para pessoas e mercadorias, incluir talvez veículos elétricos ligeiros, distribuição last-mile ou eVTOL. Com sorte, os organizadores em todo o mundo vão conseguir encontrar uma nova fórmula ótima para que estes salões se coloquem a par do CES.

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a start-ups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.

Lei de Mobilidade

Opinião de Stefan Carsten

Em 2018 foi aprovada a Lei de Mobilidade de Berlim, iniciativa provavelmente inédita, tanto na Alemanha como no mundo. Fornece as bases para um realinhamento da cidade e da sua estratégia de mobilidade, através da priorização de meios de transporte amigos do ambiente sobre o transporte individual motorizado.

“Esta lei cria o regime legal para um estilo de vida individual que é igual em todas as parte de Berlim e concebida para as necessidades de mobilidade da cidade e das áreas circundantes, sem discriminação de idade, género, nível de rendimento e restrições pessoais de mobilidade, bem como situação de vida, origem étnica ou disponibilidade individual de transporte. A mobilidade regulada por esta lei inclui os requisitos especiais de todos os grupos de mobilidade, dos peões e ciclistas, transportes públicos, transportes comerciais e transporte individual motorizado, e deste modo assegura a prioridade da ecomobilidade – i.e. tráfego pedonal, bicicletas e transporte público” (excerto do preâmbulo da Lei de Mobilidade de Berlim).

A Lei de Mobilidade é a base da estratégia de planeamento abrangente de Berlim. No seu âmbito, foi aprovada legislação ambiciosa: um regulamento pedonal em janeiro de 2021; um plano de desenvolvimento urbano para mobilidade e tráfego em março de 2021; e um regulamento para ciclistas em setembro de 2021.

O plano de desenvolvimento urbano inclui objetivos para a priorização da ecomobilidade: em 2030, 82% de todas as viagens (74% atualmente) deverão ser cumpridas de bicicleta (23%, a partir dos atuais 18%), a pé (manter os atuais 30%) e por transporte público (29% contra os atuais 27%), em prejuízo do transporte motorizado privado (18% contra os 26% atuais).

Entre outras medidas, o regulamento pedonal permite fases de luz verde mais longas nos semáforos para peões, percursos escolares mais seguros e ações mais duras contra o estacionamento ilegal e condução perigosa. Cada um dos doze distritos de Berlim terá agora de desenvolver projetos-piloto correspondentes num período de três anos. Isto deverá permitir fazer justiça à elevada proporção de peões no tráfego rodoviário e reduzir drasticamente o número de mortes em acidentes, 38% das quais são peões.

O regulamento de ciclismo prevê um crescimento significativo do número de ciclistas. Para este propósito, a rede de ciclovias será grandemente expandida: de forma a atingir os objetivos a nível de comportamentos de mobilidade sustentáveis, a rede implementada pela cidade deverá atingir uma extensão de 2.400 km, incluindo 865 km de uma rede prioritária nas principais ligações com uma largura padrão de 2,5 metros. Adicionalmente, serão construídos 550 km de ciclovias adicionais nas estradas principais, que não fazem parte da rede principal mas estão contempladas na Lei de Mobilidade – nestes casos, a largura deverá ser de 2,3 metros. Juntamente com cerca de 100 km de ligações de alta-velocidade para bicicletas, a rede terá uma extensão total de cerca de 3.000 km.

O Senado de Berlim [órgão administrativo local da cidade] implementou responsavelmente a maioria dos projetos contemplados nos primeiros anos da Lei de Mobilidade, com sucesso e de forma atempada. No entanto, os planos para transportes comerciais e novas formas de mobilidade estão em falta ainda hoje.

Inicialmente, o foco estava menos voltado para as adoção de medidas do que para a adaptação do quadro institucional, incluindo o estabelecimento de um organismo de coordenação para tráfego pedonal e de bicicletas. Os recursos de pessoal foram significativamente aumentados, primariamente através da nomeação de coordenadores de tráfego velocipédico nos distritos da cidade, medida necessária para permitir à administração implementar as medidas estruturais. Os planos existentes foram expandidos e a dotação financeira cresceu significativamente, como atesta o aumento de 167% do investimento em transportes públicos.

O exemplo das ‘ciclovias pop-up’ mostra como este tipo de visão claramente definida permite a tomada de decisões políticas e a atuação administrativa, especialmente em tempos de crise como a pandemia de COVID-19. Estas ciclovias, que apareceram ‘do dia para noite’ em vários percursos da cidade em 2021, não só tiveram um elevado nível de aceitação, por parte da população, como aumentaram grandemente o tráfego de bicicletas. Foram possíveis apenas por haver um quadro regulatório fornecido pela Lei de Mobilidade, que forma também a base de planeamento para a continuação estrutural destas ‘ciclovias pop-up’.

Neste sentido, a Lei de Mobilidade de Berlim oferece uma excelente plataforma de transferibilidade internacional em muitos aspetos, tanto a nível legal e político, como também em termos de transporte, de forma a implementar a transformação para a mobilidade sustentável a médio prazo.

Stefan Carsten, consultor e especialista na área do Futuro das Cidades e Mobilidade, vive o futuro há mais de vinte anos. É um dos responsáveis pelo início da transição da indústria automóvel de um setor centrado no veículo para um setor centrado na mobilidade. Atualmente, vive e trabalha em Berlim.

O carro elétrico – o paradigma da perceção vs. realidade

As dúvidas – e até alguma desinformação – levantadas por políticas de transição energética aceleradas e justificadas pelas mudanças climáticas trazem consigo a questão do desempenho ambiental (pegada de CO2) dos Veículos Elétricos (VE), por comparação com os veículos com motor de combustão (VC).

A luta, que já é uma guerra de fações, é entre o que polui mais e menos. Serão os VE ou os VC? Sinceramente, por muito que pesquise e troque informação com as duas barricadas, não há uma resposta certa ou errada sobre este tema, uma vez que depende da análise que se está a fazer. Tenho algumas certezas, mas também algumas dúvidas, pois nenhum dos estudos que vou lendo é efetivamente independente. A imposição legal levou à transformação forçada do cluster automóvel. E, nesta fase, julgo que não há marcha-atrás… para o bem ou para o mal.

O que procuro neste artigo é dar a minha perspetiva sobre o mesmo assunto – sem entrar em fundamentalismos. Certo é que os fundamentalismos, seja do lado dos VE ou dos VC, são uma das principais causas de se verem posições tão extremadas de ambos os lados, que até destroem os seus argumentos com adulteração dos factos – do tipo ‘meios que justificam os fins’. O primeiro passo, julgo eu, é estar informado. E depois tomar uma decisão, à partida, mais bem informada. Isto de estar certo ou errado não é fácil! E este meu artigo e posições tomadas também são discutíveis.

Saliento que a mudança cria resistência, e a resistência cria tensão. De facto, esta mudança – eletrificação automóvel – é quase uma alteração de paradigma. Para criar uma imagem forte, sugiro uma pequena reflexão: o paradigma está para nós como a água está para o peixe – este só dá conta dela fora de água. Percebemos o mundo segundo os nossos paradigmas (crenças) – mas note-se que, quando um paradigma muda, temos de voltar ao início; daí a aversão a mudar.

“Prefiro colocar questões difíceis de responder, do que dar respostas que não podem ser questionadas”

Richard Feynman

Tudo o que acontece no universo passa por três fases: i) novo, mas provavelmente não verdadeiro; ii) novo, verdadeiro, mas não importante; iii) verdadeiro, importante, mas toda a gente sabe – aqui dá-se uma mudança de paradigma. Quando mudamos o paradigma, as possibilidades multiplicam-se (será?). O sucesso de uma tecnologia de ontem pode não ser o sucesso de amanhã… se as regras mudarem. Mas o mudar do paradigma obriga a assumir que estamos ‘obsoletos’; daí a resistência a mudar (por outras palavras, todos queremos mudança, mas estamos pouco abertos a mudar).

O racional que vou imprimindo noutros artigos está na velocidade da transição, que pode ser colocada em causa com o novo enquadramento de dependência energética da Europa, assim como a origem da energia elétrica que alimente um VE. A isto junto a questão de hábitos e comportamentos de cada um de nós quanto aos temas da mobilidade (utilização de meios de transporte), que até são mais importantes do que a origem da energia e tipologia de veículos. Sugiro revisitar alguns artigos que se encontram nesta coluna de opinião, meus e de outros autores.

Em resumo não técnico, como fotografia e sem ser tendencioso, temos isto:

Desempenho

  • (VE) – permanente potência máxima disponível e silêncio durante a condução; menor mobilidade (autonomia) e conveniência no carregamento; custo de aquisição elevado em comparação com os VC de gamas similares
  • (VC) – progressão da aceleração através da caixa de velocidades e ruído constante devido ao funcionamento do motor

Manutenção

  • (VE) – cerca de 1% de peças móveis quando comparados com os VC; sem óleos lubrificantes; menor desgaste de travões e pneus (devido à travagem regenerativa com o motor); sem velas; sem fluido de refrigeração; baixo custo de manutenção periódica
  • (VC) – óleo de motor de substituição periódica; velas; maior desgaste de pneus e de pastilhas de travão; líquido de refrigeração; elevado custo de manutenção periódica (peças de substituição)

Ambiente

  • (VE) – pegada de carbono mais significativa no fabrico; em movimento, têm uma pegada de carbono menor (dependente do tipo de energia elétrica que os alimenta); tempo de vida das baterias, assim como o potencial de reciclagem (novas tecnologias disponíveis); não emitem ruído; pouca dissipação de energia em forma de calor (apenas 5%)
  • (VC) – emissão de vários gases com efeito de estufa provenientes da combustão; dependentes de combustíveis fósseis; abate dos veículos com reciclagem reduzida dos componentes; contribuem para o aumento da poluição sonora nas cidades; 70% da energia é dissipada em forma de calor

Saliento que, tendo em atenção estudos comparáveis, antes de um VE sair do stand já tem uma carga ambiental significativa (aproximadamente o dobro de um VC) em termos de emissões de CO2. Julgo que todos deveremos estar atentos a algumas políticas de greenwashing que atrasam a implementação de soluções verdadeiramente eficientes para resolver o problema das emissões de CO2 que residem nos transportes (ver este artigo).

Se me permitem, e em regime de conclusão rápida, um carro elétrico nunca pode ter zero emissões, como muito se difunde pelos seus defensores. De facto, alimenta-se de energia elétrica, o que obriga a emissão de CO2, mesmo com um peso significativo de energias renováveis na sua produção. Ao contrário de Portugal, com 60% de origem renovável (notavelmente acima da média europeia!), num país onde a eletricidade é produzida principalmente a partir de fontes de energia fósseis, um carro elétrico terá muita dificuldade em compensar as emissões de CO2 de um VC.

Em países onde a eletricidade é produzida maioritariamente por energias renováveis, um VE tem de compensar o adicional de CO2 produzido durante o seu fabrico (bateria, principalmente).

A forma como viajamos e nos movemos está a mudar a um ritmo bem mais rápido do que em qualquer outro momento da história. Existem dois impulsionadores principais: a necessidade de adaptação às mudanças no comportamento humano e a necessidade de maior sustentabilidade.

Assinalo como positivo que estes fatores sustentam as mudanças contínuas em direção à eletrificação automóvel, automação, conectividade e toda a mobilidade como um serviço. A questão é como conseguir tudo isto tendo em atenção o propósito de um mundo mais ‘green’ e menos ‘greenwashing‘. 

José Carlos Pereira é engenheiro do ambiente, com MBA Executivo em Gestão Empresarial. É business expert, consultor, formador e speaker na área comercial e de negócios internacionais.

A transformação profunda das cadeias de fornecimento de veículos elétricos

A eletrificação da mobilidade, para pessoas e mercadorias, passou um ponto de inflexão e continua a ganhar impulso. Em 2021, os veículos elétricos a bateria (BEV) representaram 6% (ou 4,9 milhões de unidades) de todos os veículos ligeiros vendidos, duplicando a penetração registada em 2020. Os volumes continuam a crescer a uma taxa anual bem superior a 50%, suportada cada vez mais pela procura natural do mercado e por uma oferta que cresce rapidamente, apesar de os incentivos continuarem a ser fundamentais em determinadas regiões.

O crescimento continuará elevado nos próximos anos, conduzindo a uma penetração global de 39% em 2030, de acordo com a consultora BCG – espera-se mesmo que atinja 60% na Europa, o que fará desta a região mais eletrificada. Esta expansão de volume de aproximadamente dez vezes, entre 2021 e 2030, não vai acontecer sem dores de crescimento.

Existem dois aspetos muito distintos nesta difícil mas necessária transformação. Por um lado, a indústria tem de se afastar dos motores de combustão interna (ICE), o que levanta um conjunto de grandes questões sociais e industriais. Por outro lado, a totalidade da cadeia de fornecimento, da extração até à reciclagem em fim de vida – tanto para motores como para baterias – tem de se expandir a um ritmo elevado. Têm de ser efetuados esforços massivos para atingir rapidamente a maturidade técnica e económica, em todos os domínios, incorporando objetivos-chave de sustentabilidade. Iremo-nos focar neste segundo aspeto. 

O estado atual das cadeias de fornecimento – baterias e motores elétricos

A cadeia completa de fornecimento de baterias foi desenvolvida pela China de forma estratégica, ao longo dos últimos anos, até a um ponto em que cerca de 70% de todas as baterias de veículos elétricos são produzidas por empresas chinesas. A CATL, líder de mercado global, produziu o equivalente a 71 GWh de baterias na primeira metade de 2022 (um crescimento homólogo de 115%), o equivalente a cerca de 1,2 milhões de veículos. A China detém uma fatia ainda maior do mercado global de refinação e processamento de minerais (e.g. lítio, grafite, cobalto, níquel), apesar de a maioria da extração ocorrer na América Latina, África, Austrália e Sudoeste Asiático – não na China.

Separadamente, a estratégia inicial da maioria dos OEM [Original Equipment Manufacturers – Fabricantes de Equipamento Original] consistiu em subcontratar a produção de motores elétricos, uma vez que esta era uma tecnologia totalmente nova para estas empresas. De forma inversa, a Tesla integrou verticalmente a produção de motores desde o início. A Renault foi outra exceção, tendo desenvolvido e produzido o seu próprio motor para o Zoe desde 2012 (quando o mercado estava ainda a emergir). Fornecedores incumbentes, como a Valeo, produtor de grupos propulsores de voltagem elevada, reuniram muito rapidamente recursos intelectuais e industriais significativos que permitem o crescimento atual do mercado de veículos elétricos. Mas o statu quo não irá durar.

As forças que impulsionam a transformação profunda das cadeias de fornecimento

A combinação das turbulências geopolíticas com a necessidade de controlar melhor e encurtar as cadeias de fornecimento e reduzir a pegada de carbono global colocam pressão no sentido de uma restruturação completa na forma como os OEM adquirem baterias, começando nas minas. Transportar materiais do Chile para a China, levar depois as baterias para a Europa, para potencialmente terminar a montar os veículos nos Estados Unidos não é obviamente sustentável.

A Europa tem, até ao momento, assumido a liderança das iniciativas públicas destinadas a garantir cadeias de fornecimento de matérias-primas e criar o quadro regulatório para gerir as baterias desde a mina até ao ‘cemitério’. Por exemplo, o projeto REESilience da União Europeia tem como objetivo construir um sistema de produção que garanta uma cadeia de fornecimento mais resiliente e sustentável para metais de terras raras e ímanes para motores elétricos.

Com muito mais ambição, a União Europeia está a finalizar o quadro regulatório para baterias, que aguarda ainda aprovação final. Esta abordagem centrada em dados dá resposta a uma série de assuntos críticos, incluindo o CO2 emitido durante a produção das baterias, conteúdo reciclável, desempenho e fiabilidade, gestão de final de ciclo, sistemas de diligência na aquisição de matérias-primas, bem como rotulagem. A implementação iniciar-se-á em meados de 2024, com a rotulagem a incluir informação acerca da pegada de CO2, seguindo-se a introdução, em 2026, de um ‘passaporte da bateria’, i.e. uma identificação digital para cada bateria individual. Este quadro inédito vai exigir esforços significativos ao longo de toda a cadeia de fornecimento de baterias. Deverá também espoletar iniciativas semelhantes noutras partes do mundo.

Nos Estados Unidos, foi aprovado recentemente, pelo governo federal, um texto transformativo. O Inflation Reduction Act (Lei de Redução da Inflação) aponta a três objetivos, nomeadamente aumentar a penetração de BEV através de incentivos fiscais, desenvolver a produção norte-americana de BEV e reduzir a dependência de países não-amigáveis (essencialmente, China e Rússia) nas cadeias de fornecimento de baterias. O valor do incentivo (até 7.500 dólares por veículo) será ajustado em função da percentagem de matérias-primas/refinadas e componentes de bateria adquiridos a parceiros comerciais amigáveis (até 3.750 dólares para cada segmento). Provar a origem dos materiais irá provavelmente exigir algum tipo de passaporte similar ao que está a aparecer na União Europeia. No entanto, o texto não faz referência a questões criticas, como a pegada de CO2 associada à produção das baterias ou a gestão integral do ciclo de vida.

O que vem a seguir para as baterias?

Foram levadas a cabo múltiplas iniciativas para ‘trazer para casa’ a produção de baterias. Na Europa, as empresas estão essencialmente focados em fabricar células utilizando as tecnologias de outros parceiros, essencialmente empresas asiáticas. Este é, por exemplo, o caso da Northvolt, ACC, Verkor ou Britishvolt, pelo menos numa fase inicial. Comparativamente com os Estados Unidos, a atividade ligada à tecnologia de base das baterias é limitada.

Nos Estados Unidos, emergiram várias start-ups, ao longo dos anos, com o objetivo de levar tecnologias de baterias inovadoras ao mercado. Isto inclui químicas e soluções de produção de ânodos (e.g. baseadas em silício) e cátodos (e.g. fosfato de ferro-lítio, LFP), ou baterias de estado sólido. Contudo, iniciativas intensivas em capital para a produção de células são predominantemente levadas a cabo em conjunto com empresas asiáticas – por exemplo, Panasonic com Tesla e Ford, LG Chem com a GM, Stellantis, Ford e Honda). Os fabricantes estabelecem parcerias com fabricantes de baterias e investem milhões de dólares para assegurarem fornecimentos de longo prazo.

Muito terá ainda de ser feito no que concerne a extração e refinação de minerais, bem como a sua transformação em ânodos e cátodos. No entanto, fabricantes de todo o mundo estão a atrever-se cada vez mais a montante, nas suas cadeias de fornecimento, garantindo contratos de longo prazo para matérias-primas, e por vezes investindo em projetos de extração ou processamento de minerais. A BMW, por exemplo, investiu no Lilac Group, um produtor de lítio. A GM e a Stellantis também investiram 50 milhões de euros na Vulcan Energy Resources, outro fornecedor de lítio; e a GM assegurou remessas de cobalto, a longo prazo, da Glencore. A Tesla, que é já o OEM com maior integração vertical, está até a considerar refinar lítio dentro de portas. Este aspeto assumiu claramente importância estratégica!

Os fabricantes estão também a envolver-se crescentemente a jusante da cadeia de fornecimento, comprometendo-se com parcerias de longo prazo com empresas ligadas à segunda vida das baterias, como é exemplo a Moment Energy no caso da Mercedes e da Nissan. Finalmente, estão também a abordar empresas de reciclagem – e.g. Redwood Materials e Volvo, Ford, Toyota e Grupo Volkswagen.

E sobre os motores elétricos?

Vários OEM reconsideraram recentemente a sua estratégia inicial, que consistia em adquirir motores. Alguns estabeleceram parcerias com fabricantes de motores e trarão uma parte das suas necessidades aquisitivas para dentro de portas, como no caso da Stellantis e Nidec, ou a Renault e Valeo. Outros ainda simplesmente compraram fornecedores de motores ou provedores de tecnologia, como fez a Mercedes com o especialista britânico de motores de fluxo axial Yasa, para os seus veículos de alto desempenho.

Tal como no caso das baterias, existem múltiplas soluções tecnológicas de motores elétricos. Os fabricantes estão a fazer progressivamente estas escolhas de tecnologia com base no posicionamento dos veículos. Vão provavelmente manter uma combinação de produção interna e aquisições externas, num futuro próximo, para otimizar o acesso à tecnologia, equilibrar os recursos humanos com as necessidades de produção de veículos ICE e gerir custos.

A procura de matérias-primas para motores tem também de ser considerada. Metais de terras raras, requisito para motores de ímanes permanentes, continuam a levantar questões similares às dos minerais para baterias. Na União Europeia, o projeto REESilience procura criar cadeias de fornecimento sustentáveis e resilientes para estes materiais. Em alternativa, os motores assíncronos (indução) e os motores síncronos excitados retiram os metais de terras raras da equação, mas têm as suas desvantagens.

Em conclusão, os OEM estão claramente a afastar-se das cadeias de fornecimento tradicionais, multinível, nas quais tinham pouca visibilidade além dos fornecedores de primeiro nível – com algumas exceções, e.g. paletes de plástico e metal. Estão agora a aumentar a transparência ao longo de toda a cadeia de fornecimento (a montante e a jusante) mas estão também a relacionar-se com empresas em posições estratégicas para assegurarem contratos de longo prazo, desde a fase de extração até à reciclagem em final de vida. Além disso, estão a tornar as suas cadeias de fornecimento mais sustentáveis e resilientes, incluindo perante forças geopolíticas, em certa medida sob as diretrizes definidas pelos governos locais. O desafio é significativo mas conduzirá a uma indústria automóvel mais forte.

Marc Amblard é mestre em Engenharia pela Arts et Métiers ParisTech e possui um MBA pela Universidade do Michigan. Radicado atualmente em Silicon Valley, é diretor-executivo da Orsay Consulting, prestando serviços de consultoria a clientes empresariais e a start-ups sobre assuntos relacionados com a transformação do espaço de mobilidade, eletrificação autónoma, veículos partilhados e conectados.