fbpx

Green Future-AutoMagazine

O novo portal que leva até si artigos de opinião, crónicas, novidades e estreias do mundo da mobilidade sustentável

Opinião

E-Cargo bikes dominam as entregas urbanas

E-Cargo bikes dominam as entregas urbanas

Opinião de Marc Amblard, Managing Director da Orsay Consulting

O comércio online aumentou significativamente nos últimos 18 meses, resultando num salto de crescimento de 5 a 10 anos. Este crescimento tem um impacto expressivo na atividade de entregas last mile, onde incorre cerca de metade dos custos totais de entrega. Por outro lado, a pandemia também acelerou as restrições aos veículos pessoais e de combustão interna nos centros urbanos, desencadeando a criação de centenas de quilómetros de ciclovias, principalmente na Europa. Como resultado, as vendas de e-cargo bikes estão em alta, assim como as de bicicletas elétricas em geral.

A categoria de e-bikes ganhou um impulso significativo em 2020. Na Europa, teve um aumento massivo de 52% nas vendas, representando, em 2020, 11 mil milhões de euros ou 60% de todas as vendas de bicicletas, acima das 3,3 milhões de unidades em 2019 – das quais 1,4 milhões unicamente na Alemanha. Nos EUA, as vendas de e-bikes cresceram mais notoriamente em 145% registados em 2020 – embora a partir de uma linha de base muito mais baixa – e espera-se que cheguem a 1 milhão de unidades em 2021.

O mercado das e-cargo bikes está a passar por um crescimento semelhante. As vendas anuais ascendem a cerca de 100.000 unidades na Alemanha, o principal mercado europeu, com cerca de 40% das vendas regionais, e 50.000 em França. Espera-se que estes números aumentem cerca de 60% em 2021. Em paralelo, é interessante verificar que estes veículos não são vendidos apenas para uso comercial, mas também para uso pessoal.

A intensificação das e-cargo bikes resulta, em parte, dos regulamentos que restringem outros modos de mobilidade, mas não só. Elas proporcionam maior eficiência nos negócios, já que, de acordo com um estudo recente, permitem que as entregas sejam cerca de 60% mais rápidas do que quando realizadas com carrinhas nos centros das cidades. Além disto, alcançam também uma maior velocidade média e um melhor desempenho: conseguem entregar 10 encomendas por hora, ao passo que uma carrinha apenas seis. Este desempenho das e-cargo bikes reduz significativamente o custo de mão-de-obra unitário. De acordo com uma pesquisa solicitada pela UE, 50% das entregas ligeiras em ambientes urbanos poderiam ser completadas por cargo-bikes.

As empresas de logística desempenham um papel fundamental nesta mudança modal para veículos de 2 e 3 rodas, sejam elas startups ou operadoras já estabelecidas. Por exemplo, a líder de logística global DHL aumentou a sua frota alemã de bicicletas e  triciclos elétricos de 10 mil, em 2017, para 12 mil, em 2019, e 17 mil, em 2021, (cerca de metade dos atualmente disponíveis) e planeia adicionar 5 mil trotinetes livres de emissões em 2025. Em França, o líder de logística La Poste já tinha em funcionamento 19 mil e-bikes nas suas entregas diárias em 2020. A empresa tenciona mudar a sua frota para triciclos elétricos.

As e-bikes e as e-cargo bikes não são tratadas da mesma forma em todas as regiões. Na Europa, a potência máxima permitida é de 250 W (média) e a assistência elétrica deve ser desligada a 25 km/h. Os veículos mais potentes – incluindo os de carga – são considerados scooters / ciclomotores e devem ser submetidos a uma homologação. No entanto, a legislação está a ser revista para apoiar a inovação nesta área. Nos EUA, as bicicletas podem ser mais potentes, com 750 W e atingir dos 32 aos 45 km/h, dependendo da classe.

As bicicletas de carga e os triciclos apresentam diferentes configurações. O infográfico de cima, apresentado num relatório da instituição Possible, com sede no Reino Unido, apresenta várias versões com variações do local onde a carga pode ser instalada: à frente ou atrás do passageiro. Os triciclos elétricos (e-trikes), como Coaster Cycle ou Fulpra (acima), têm uma carga útil máxima de 350 kg. Outras opções incluem bicicletas com reboques, que podem ter alimentação própria. A K-Ryole (abaixo) oferece um atrelado de carga com um motor de 3 kW controlado por um sensor de força. Como alternativa, PeddleSmart desenvolveu um quadriciclo que tem acoplado um atrelado.

No centro dos crescentes mercados de bicicletas elétricas e e-cargo bikes está a condução elétrica. Enquanto as bicicletas elétricas mais baratas são equipadas com motores de cubo, as mais sofisticadas são movidas por Mid Drive Units (MDU), geralmente combinadas com uma engrenagem traseira. O mercado é atualmente dominado pela Bosch, Bafang, Shimano, Brose e outros. A Valeo introduziu recentemente um MDU, combinando um motor de 750 W (130 Nm de pico), uma transmissão automática de 7 velocidades e o controlador numa única unidade. Paralelamente, ainda dispõe de marcha atrás com vista a puxar uma carga mais pesada numa rua íngreme e uma função de desconexão dos pedais como forma de reduzir o roubo.

A mobilidade ligeira está claramente a criar uma dinâmica na mobilidade, especialmente com veículos que são eletricamente assistidos. Só faz sentido que os veículos de 2, 3 ou até 4 rodas substituam as carrinhas, mesmo que elétricas, para entregar pequenas encomendas nos centros urbanos. Estes veículos têm um futuro brilhante.

Nós temos o que projetamos

Nós temos o que projetamos

Opinião de Stefan Carsten

“Nunca mudamos as coisas lutando contra a realidade existente. Para mudar algo, constrói um modelo novo que torne o existente obsoleto.” (R. Buckminster Fuller)

Invalidenstraße, em Berlin-Mitte, era a 701ª rua mais segura de Berlim até setembro de 2021 – antes do acidente. A 24 de outubro de 2021, teve início, no Tribunal Regional de Berlim, o julgamento de um condutor de 44 anos. A 6 de setembro de 2019, este homem abalroou um grupo de pessoas que se encontrava no passeio com o seu SUV, matando quatro delas, entre as quais um menino de quatro anos e a sua avó.

Para muitos berlinenses, e também para mim, este acidente mudou a perspetiva sobre os SUVs, sobre a segurança rodoviária, sobre o espaço público e a justiça a ele associada. 

Até à data do julgamento, as circunstâncias exatas do acidente não foram esclarecidas, pois o condutor afirmava ter tido uma crise epilética e não ter sido informado pelos médicos dos riscos inerentes. Até hoje, no entanto, ainda não está claro como é que deve coexistir a utilização e a divisão do espaço público em Berlim, incluindo as ruas.

As ruas como as conhecemos são características da era industrial. Foram construídas para fornecer à indústria mão-de-obra e recursos. Os lugares de estacionamento criaram as condições para uma logística eficiente neste modelo económico e social – tanto para pessoas como para as máquinas. Nesse sistema, o trabalhador por conta de outrem, a tempo inteiro, do sexo masculino, deslocava-se para o trabalho de manhã e regressava a casa à noite, para junto da sua família. As estradas são o presente histórico do nosso tempo e dos nossos espaços, enquanto tudo o resto mudou: padrões de consumo, requisitos de mobilidade, a base económica. 

Apenas um número reduzido de cidades ainda funciona sob os padrões das conquistas industriais. A maioria, contudo, está a transformar as suas infraestruturas para que possam competir numa sociedade de conhecimento e de empreendedorismo. Mas isso requer uma compreensão sobre quais os espaços e quais as características espaciais que serão necessárias no futuro.

Invalidenstraße é a segunda rua mais importante de Berlim, mas, por razões históricas, é muito estreita em alguns locais: o acidente mencionado aconteceu num troço em que a rua tem cerca de 11,30 metros de largura. A título de exemplo, em algumas partes, a linha do elétrico até à estação ferroviária principal partilha o espaço com o trânsito individual motorizado. Os peões usam o passeio, mas, durante muito tempo, não houve nenhuma solução especial que considerasse os ciclistas.

No rescaldo do acidente foram, imediatamente feitas algumas coisas, e depois a situação ficou esquecida. No final de 2019, determinou-se um limite de velocidade de 30 km/h na mesma rua, mas, após alguns meses, a transformação inicialmente prometida para o bairro, baseada num modelo com menos carros e rotas mais seguras para a escola, foi cancelada.

Uma iniciativa local discutiu uma solução sustentável e permanente com o Senado, a BVG (operador de transporte público), a polícia e a organização Changing Cities. Esta solução ainda não foi encontrada. De acordo com a administração de transportes, o distrito deve, para já, cuidar da segurança do trajeto escolar. Muitos intervenientes, muitas opiniões; zero estratégia.

Durante 2021, foram instalados pilaretes e a faixa de estacionamento público para carros foi removida, medidas estas que melhoraram a situação, pelo menos para os ciclistas. Existe agora uma ciclovia com 2,35 metros de largura nos dois lados da estrada. O acidente não poderia ter sido evitado pelos pilaretes, mas a separação do espaço ajuda e apoia a circulação dos ciclistas.

No entanto, teria sido completamente diferente se os onze metros de largura da estrada disponíveis tivessem sido completamente redesenhados, fazendo uso adequado do espaço rodoviário, numa estratégia de mobilidade integrada. Agora, na última fase, um projeto de investigação contribui para isso (com financiamento público). O projeto, de iniciativa privada, pretende dar um contributo para a situação da mobilidade espacial. Somente agora entraram para a agenda tópicos como proibições de veículos, ruas/bairros sem carros, trânsito comercial, expectativas e desejos dos residentes e turistas.

O discurso, que já se arrasta há dois anos, deve, portanto, não só levar a uma solução duradoura, mas também servir como modelo para cenários de rua semelhantes e iniciativas de bairro. Afinal, não falamos apenas de 600 dos 3.000 metros da Invalidenstraße, mas também de 600 metros dos 5.400 quilómetros de vias em Berlim.

A Eletricidade Renovável cresce. Qual a sua utilização, democratização e flexibilidade?

A Eletricidade Renovável cresce. Qual a sua utilização, democratização e flexibilidade?

Opinião de José Carlos Pereira

Imagine-se no ano de 2050; consegue? Nesse mesmo ano – que parece longínquo, mas na prática não é –, os estudos e previsões apontam para que as energias renováveis representem, a nível mundial, metade de toda a produção de eletricidade (BloombergNEF – 09/2018 – “A procura global de eletricidade aumentará 57% até 2050”). 

Note-se que a eletricidade, atualmente e em Portugal, representa 26% da energia consumida e, de acordo com o PNAC (Plano Nacional para as Alterações Climáticas), em 2050 será 67%.

Agora, neste filme de “futurologia”, junte que, nas economias europeias, mais de metade da energia elétrica total fornecida às redes será proveniente de energias renováveis variáveis até 2030 (BloombergNEF – New Energy Outlook 2019).  Estamos na nossa Europa “leading the way” – seja lá o que isso signifique! –, numa corrida desenfreada à descarbonização do sistema elétrico e, em paralelo, à eletrificação dos transportes. 

Para um melhor enquadramento – se o caro leitor me permite –, recomendo ler o meu último artigo de opinião, aqui na Green Future, sobre a viabilidade do famoso “green deal” europeu. Algum espírito contraditório também ajuda a moldar o nosso pensamento!

Os mercados estão mais flexíveis, e vejo isso com muito interesse para os vários atores, principalmente para o consumidor, ou seja, a combinação de uma rede alimentada por mais fontes renováveis e novos formatos, que, para além de consumirem, adicionalmente podem armazenar ou mesmo injetar eletricidade na rede. 

O modelo tradicional está a mudar: há agora consumidores e empresas que podem produzir e armazenar a sua própria eletricidade, utilizar o que necessitam e, também, vender o excesso à rede – o que pode ajudar a equilibrar, com flexibilidade, um modelo dependente de fontes renováveis. 

O estudo sobre o impacto da eletricidade de origem renovável, realizado pela consultora Deloitte para a APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis), demonstra que as renováveis contribuíram com 18,5 mil milhões de euros para o PIB (Produto Interno Bruto) português no espaço de cinco anos (3,7 mil milhões de euros por ano), representando, desta forma, cerca de 1,9% do PIB. Notável!

Junte-se o resultante do “famoso” Hidrogénio Verde e do aumento da ambição climática (leia-se: o não menos famoso green deal) e este valor pode subir entre 1,9 e 6,7 mil milhões de euros anualmente – estamos, então, a falar de 5% do PIB (2,8 mil milhões de euros) quando o “filme” estiver no ano de 2030.

Adicionalmente, e segundo o mesmo estudo, em termos de poupança de emissões de CO2 (dióxido de carbono) numa ótica ambiental, a eletricidade de fontes renováveis, como substituta de fontes mais poluentes, permitiu evitar a emissão de 19,9 milhões de toneladas equivalentes de CO2 em 2020, a que corresponde uma poupança de 433 milhões de euros em licenças de emissão de CO2.

A análise da Deloitte aponta, ainda, que nos últimos 5 anos (2016 a 2020) a produção de eletricidade de origem renovável permitiu poupar aproximadamente 4,1 mil milhões de euros só em importação de carvão e gás natural.

Para já, parece que a transição energética está a ser delegada, sobretudo, ao mercado (leia-se: investidores privados). Ao Estado cabe – sendo eu um humanista liberal – definir e adaptar o sistema regulatório, fiscal e de incentivos, e deixar o mercado funcionar. Por outro lado, a produção descentralizada e flexível – podemos chamar-lhe “democratização da eletricidade” – tem-se transformado num nicho atrativo para as empresas comercializadoras de eletricidade, que dispõem, crescentemente, de soluções de autoconsumo para os seus clientes. 

Por quanto tempo? E como se vai comportar todo o sistema de preços nos próximos 6 meses caso o inverno seja rigoroso? E que impacto pode ter esta oscilação de preços em todo o ecossistema elétrico a médio e longo prazo?

Julgo que tanto os governos como os reguladores deveriam pensar num quadro regulador e de mercado transparente e estável para apoiar o desenvolvimento de mercados flexíveis. A atratividade de uma economia e de um país também se mede pela sua previsibilidade e estabilidade, especialmente no que toca ao retorno sobre investimentos privados.

Assim, consumidores e empresas beneficiariam de novos fluxos de receitas e, talvez, de um retorno mais rápido dos ativos de flexibilidade que possuem – bombas de calor, armazenamento baseado em baterias ou mesmo veículos elétricos ligados à rede, etc. 

P.S.: Um agradecimento especial ao António Sá da Costa pelos dados fornecidos.

Poderá o automóvel ser um veículo de saúde e bem estar?

Poderá o automóvel ser um veículo de saúde e bem estar?

Opinião de Pedro Maurício – Digital Health Consultant at Capgemini Engineering Portugal

Diariamente, milhões de pessoas utilizam o automóvel, tanto a nível pessoal como profissional. Ao longo da vida, passaremos meses, até anos, sentados num automóvel. Se considerarmos, por exemplo, um motorista de pesados de longo curso, o seu veículo será simultaneamente local de trabalho e parte de sua casa. E se, durante todo este tempo, criássemos oportunidades de monitorizar e melhorar a nossa saúde e bem-estar através do nosso automóvel?

O “next-level” da inovação assenta na capacidade de conectar ideias e soluções de indústrias que, à primeira vista, nos parecem improváveis. A concretização diária de soluções para os desafios que nos são trazidos pelas mais diversas indústrias permite-nos criar um ecossistema tecnológico e de recursos humanos dotado da capacidade de ver mais além. Agora, é hora de aproximar setores que estão mais próximos do que imaginamos.

A digitalização da saúde está a tornar as soluções mais cómodas, simples, democratizadas e móveis, permitindo que a saúde possa ser acompanhada e prestada onde o cidadão quiser (e puder, de acordo com o seu contexto), deixando este de estar limitado às tradicionais unidades de saúde ou à sua casa. A saúde passa a estar em qualquer lugar.

Em paralelo, a indústria automóvel continua a surpreender-nos com inovação, seja em linhas previsíveis, como a performance, o conforto ou a segurança, seja em áreas disruptivas como a condução autónoma ou a possível incorporação de soluções de saúde e bem-estar. 

Aliar estes dois setores será conveniente para o consumidor, tornando não só o automóvel como meio de transporte, mas também como assistente e cuidador pessoal. Será desafiador, mas não necessariamente complexo pois, se por um lado já dispomos de automóveis inteligentes, com diversos sensores e conetividade aos nossos dispositivos, por outro já existem sensores de fitness e dispositivos médicos que permitem monitorizar a nossa saúde em qualquer lugar. As sinergias entre estes dois setores poderão criar um novo mercado valorizado em 10 mil milhões de dólares com um crescimento anual de 35% (TCAC) até 2030, segundo a Transparency Market Research.

Claro que não devemos esperar que a indústria automóvel transforme o habitáculo automóvel num SPA ou num centro de saúde. A inovação será feita consoante o que for sendo valorizado pelo consumidores e este também é o nosso propósito: desafiar o leitor, também consumidor, a refletir sobre aquilo que valoriza.

Gostaríamos que o nosso automóvel incorporasse um sistema de monitorização cardíaca, tendo a capacidade de detetar uma arritmia grave ou um princípio de enfarte, alertando-nos da situação e permitindo-nos parar em segurança enquanto contacta os serviços de assistência médica? 

Saber-nos-ia bem que o nosso automóvel detetasse o nosso estado de espírito, em função dos sinais vitais, padrões de movimentos oculares e padrões de condução e adaptasse automaticamente o habitáculo ao nível da temperatura, aroma, iluminação ou música?

Tendo diabetes, valorizaríamos que o computador de bordo do nosso carro, conectado ao nosso monitorizador contínuo de glicémia, nos avisasse que estamos a entrar em hipoglicémia e indicasse os locais mais próximos onde poderíamos parar para fazer uma refeição? 

Sendo motoristas de transportes de longo curso, interessar-nos-ia possuir bancos totalmente adaptáveis a cada parte do nosso corpo, inclusivamente com sistema de estimulação muscular, para prevenir problemas posturais e circulatórios? 

Uma vez que não existe ainda uma definição concreta daquilo que será a veiculação de saúde e bem-estar nos automóveis, os fabricantes têm do seu lado uma oportunidade única para inovar, inovação esta que deverá ter por base modelos colaborativos com empresas de tecnologia médica e bem-estar, empresas tecnológicas e de telecomunicações, entidades reguladoras e legisladoras, entre outras. Qual será o caminho? Seguramente aquele que todos nós, consumidores, valorizarmos.

Referências: “Automotive Active Health Monitoring System Market Size, Share, Trends, Growth, Volume & Trade, Sales, Pricing Forecast”. Abr. 14, 2020. Transparency Market Research.

Um farmacêutico que gosta de pensar e discutir sobre a inovação em saúde que ainda não está inventada.
Formado em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (2015) e Pós-Graduado em Dispositivos Médicos e Tecnologias de Saúde pela Universidade Católica (2019). A sua experiência profissional inclui investigação científica em biossensores, gestão de qualidade e gestão de projetos.
Na Capgemini Engineering, o seu dia é dedicado a ajudar empresas do setor das Terapêuticas Digitais e Software as a Medical Device (SaMD) a superarem os seus desafios na área de Quality & Compliance.

IAA MOBILITY – Uma análise pessoal

IAA Mobility: uma análise pessoal

Opinião de Stefan Carsten

O Salão Internacional do Automóvel (IAA) é uma das maiores e mais importantes feiras de automóveis do mundo. Após várias controvérsias políticas, protestos violentos de ativistas do clima e a demissão do principal lobista automobilístico da Alemanha, o presidente da associação da indústria automóvel, a edição atual teve lugar em Munique, em setembro, tendo sido concebida como uma plataforma de mobilidade.

Neste artigo relato as minhas experiências pessoais, aventuras e destaques que vivi durante quatro dias no IAA Mobility em Munique. A propósito, este relatório não é apenas pessoal porque três semanas antes do IAA fui nomeado para o conselho consultivo do próximo IAA Mobility – mas falaremos mais à frente sobre isso.

O conceito com que a Messe München se candidatou para a organização do evento previa um recomeço totalmente novo: enquanto no passado eram apresentados automóveis, automóveis e automóveis, este ano o foco centrou-se na mobilidade. Além de novos veículos e ideias de protótipos, foram apresentadas principalmente bicicletas e apenas alguns protótipos de micro-mobilidade e iniciativas de transporte público local. Enquanto 562.000 ingressos foram vendidos em 2019 (o menor número de sempre), cerca de 400.000 pessoas (67% tinham menos de 40 anos) visitaram a feira em 2021 (foi a primeira grande feira pós-pandemia na Alemanha). Consequentemente, 75 marcas de bicicletas e 78 start-ups estiveram entre os 774 expositores. Os visitantes vieram de 95 países. Além disso, 936 oradores de 32 países estiveram no local ou conectados para apresentar as suas ideias e visão sobre o futuro da mobilidade.

Outra particularidade da IAA Mobility prende-se com o facto de os fabricantes e prestadores de serviços não se terem apresentado exclusivamente nos salões de exposição de Munique, mas também em alguns dos locais mais movimentados do centro da cidade. Os diferentes locais foram ligados através da chamada ‘Blue Lane’, uma espécie de via ambiental. Aqui, os interessados ​​também puderam testar mais de 250 veículos. No entanto, o conceito atingiu rapidamente os seus limites. O Blue Lane foi mais uma ideia do que um verdadeiro laboratório de testes. Assim, os autocarros e outros meios de transporte ficaram igualmente presos no trânsito com o resto dos passageiros da cidade. Com o metro, a mesma distância poderia ter sido percorrida em metade do tempo (como pude verificar).

Mas também havia insatisfação nos corredores. Em vez de apresentarem as bicicletas e e-bikes juntamente com os carros, os veículos de duas rodas foram separados e remetidos para os salões traseiros. A esperada coexistência dos meios de mobilidade foi, portanto, mais como uma justaposição semelhante a um álibi. Parecia que três feiras ocorriam em paralelo no mesmo local, em vez da tão esperada e desejada feira integrada.

O meu IAA começou duas semanas antes da feira, onde apresentei o novo protótipo da BMW, o i Vision Circular (https://www.bmw.de/de/topics/faszination-bmw/bmw-concept-cars/bmw-i-vision-circular-ueberblick.html) juntamente com o designer-chefe da BMW, Domagoj Dukec. Além da condução ecológica, o luxuoso carro elétrico caracteriza-se pelo conceito de produção de acordo com os princípios da economia circular, o que deve manter a menor pegada ecológica possível e, assim, garantir um balanço positivo de CO2. Grandes superfícies de vidro, luzes futuristas e cores atraentes são particularmente impressionantes. Para entrar, abrem-se duas portas com dobradiças externas. A ausência de um pilar B garante uma abertura de entrada particularmente ampla. Graças ao tejadilho de vidro, o habitáculo de quatro lugares transmite uma sensação generosa de espaço, embora a área real seja pequena. É absolutamente claro que a futura avaliação e diferenciação de carros deve e será baseada no seu conceito de sustentabilidade. Além disso, não é possível avaliar um produto sozinho. Deve de ser sempre valorizado relativamente ao ecossistema de produtos e de mobilidade.

No IAA Mobility, participei no painel ‘Tech vs. Trust” organizado pela Dekra Digital (https://youtu.be/Ffb8-SCJfuM ). Além da mobilidade elétrica, a condução autónoma foi, obviamente, o tópico principal. O painel analisou as seguintes questões, entre outras:

– Quais são as tecnologias dominantes no futuro, o que já existe?

– Como podemos ter a certeza de que a tecnologia é segura num veículo?

– Que aspetos sociais devemos ter em consideração relativamente às futuras soluções de mobilidade?

Para mim, é cada vez mais claro que estamos a lidar com uma perigosa competição para ver quem é o primeiro a chegar ao mercado. Já no próximo ano, a Mobileye, juntamente com a SIXT, receberá uma licença para operar o primeiro RoboCap na cidade de Munique (Nível 4) (link). São estes os parceiros de confiança de que precisamos? Todos os dados estão disponíveis para análise e partilhados com o público? Como é que a cidade de Munique projeta o seu sistema de mobilidade na linha de tensão entre a oferta pública e os atores privados? Essas questões manter-nos-ão, a partir de agora, ocupados por muito tempo.

A indústria dos autocarros convidou-me para participar num painel de discussão sobre o futuro deste setor, principalmente para gerar uma visão para a compreensão do seu papel na sustentabilidade. Assim como todas as indústrias do setor de mobilidade, este também terá que se reinventar. Novos conceitos de propulsão (diesel versus bateria versus hidrogénio), novos modelos de negócios por meio de plataformas digitais pressionam os empreendedores tradicionais, bem como novos protótipos de veículos, porque a mobilidade elétrica permite desafiar os conceitos de design tradicionais. E, em tempos de (pós-)pandemia, os atores aguardam numa constante incerteza os requisitos legais para tal. No entanto, os autocarros precisam de estar muito mais voltados para o interesse público e político. Mas a perspetiva deve mudar. Não pode um carro de 2 lugares como um Smart ser definido como um autocarro? Não temos de questionar radicalmente os designs tradicionais (interior e exterior) para atingir novos grupos-alvo? Como combinamos a mobilidade individual com um produto e serviço relacionado com o autocarro, para que todos os parceiros beneficiem? Estas são questões importantes para um sistema de mobilidade sustentável do futuro.

No centro de Munique foi-me permitido moderar um painel. Sentado no meio da rua. A agência Urban Standards redesenhou o espaço da rua para isso, criando menos espaço para carros, mas mais assentos e espaço para bicicletas. A instalação temporária desenvolvia a sua própria conversa todas as noites para experimentar esta nova liberdade espacial. Funcionou surpreendentemente bem. Apenas os serviços de entrega resistiram uma ou outra vez – não é de admirar com o aumento das pressões de entrega devido ao interminável consumo online. A instalação gerou muita cobertura pelos media. O debate sobre o uso do espaço público mostrou, principalmente durante o IAA Mobility, que devem existir novas soluções para uma cidade sustentável.

E por último, mas não menos importante: a primeira reunião do conselho consultivo para o próximo IAA Mobility (que acontecerá em 2023) foi cancelada três dias antes. Há rumores de que a indústria automóvel cancelou o encontro porque não tolera este tipo de feira e não quer que continue. No entanto, precisamos urgentemente deste tipo de confronto e discussão. Porque, mais uma vez, ficou claro em Munique que uma mobilidade para o futuro precisa de todos os parceiros e participantes num sistema holístico de mobilidade, para encontrar soluções seguras, sustentáveis ​​e inclusivas para o futuro das cidades, dos espaços públicos e da sociedade.

E agora, Europa… com estes preços, como viabilizar o famoso “Green Deal”?

E agora, Europa… com estes preços, como viabilizar o famoso ‘Green Deal’?

Opinião de José Carlos Pereira

Com o seu ‘Green Deal’ – seja lá o que isso for na cabeça de quem governa –, a UE (União Europeia) estabeleceu para si própria uma meta: até 2050, tornar-se neutra em carbono. 

E não é um modelo a 5 anos; é, sim, uma estratégia com um horizonte temporal de 30 anos para ‘modernizar’ a Europa num formato sustentável e social – podendo ler-se, na minha opinião, ‘perder competitividade’ relativamente a outros blocos económicos. Mas, para mim, a questão não é ele existir – o que só por si é discutível –, mas sim como vai ser financiado. E saber… até sei: será via impostos a aplicar aos contribuintes europeus. Porém, a questão é: faz sentido esta estratégia? E (registem!) tudo vai servir para criar ‘impostos e taxas verdes’. 

Basicamente, será a adoção (leia-se: imposição, custe o que custar) de tecnologias verdes, onde também se incluem a corrida desenfreada aos carros elétricos e os consumos moderados dos recursos naturais disponíveis. O objetivo é dissociar o crescimento económico da exploração desses recursos e, ao mesmo tempo, criar novos empregos. Mentes brilhantes de quem comanda os destinos europeus! Este modelo será exequível? Os contribuintes “aguentar… aguentam” – como já dizia o outro, “que remédio!” –, mas a que preço? 

A base de tudo são as ‘famosas’ alterações climáticas e a degradação do ambiente, que representam uma ameaça existencial para a Europa e o resto do mundo (será?). E a frase não é minha, mas do tal green deal. Segundo a forma como nos apresentam este compromisso, estamos perante um holocausto planetário em termos ambientais. Ou melhor, é assim que nos querem vender o assunto: muita gente compra… embora vos peça, neste breve artigo, que pensem comigo.

Quanto nos custam e vão custar as renováveis? Por aqui, os investimentos em renováveis nas últimas décadas (essencialmente eólica e solar) foram feitos com a contrapartida dada aos promotores de que toda a eletricidade que produzissem, durante um certo tempo, lhes era paga a preços acima do mercado. Esta tipologia de ajuda seria paga pelos consumidores, sob a forma de taxas, na sua fatura mensal. Ou seja, quanto mais renováveis subsidiadas existirem, maior é o peso das taxas. A principal questão é que, na sua natureza, são imprevisíveis, intermitentes e voláteis. E, preparem-se, pois sou vosso amigo e aviso em antecipação: o novo ‘monstro-papão’ de impostos será o hidrogénio (o verde!). Eles sabem o que fazem… perdoa-lhes, Senhor!

Então, se estamos cada vez mais movidos a renováveis, porque é que o preço da eletricidade por cá disparou e vai continuar a aumentar? O mesmo está a acontecer por toda a Europa. O valor dos preços grossistas continua a subir, e isso, no limite, acaba na conta mensal de eletricidade, seja doméstica ou industrial. O custo da energia elétrica, que em abril passado rondava os 60,00 euros o MWh (megawatt hora), oscilou na última semana entre os 150,00 euros e os 188,00 euros (quase que triplicou em apenas 3 meses!). 

Por outro lado, as tarifas do gás natural batem recordes e não só limitam a competitividade dos consumidores como ameaçam a sobrevivência dos pequenos fornecedores em Portugal. Em Inglaterra, por exemplo, há fábricas de fertilizantes paradas devido ao preço do gás natural (assim como a produção de aço); e alguns pequenos comercializadores de energia já abriram falência ou estão numa situação-limite.

As reservas de gás natural diminuíram durante o último inverno, que foi muito frio (os stocks de gás natural são reabastecidos e verificados a pensar no próximo inverno). A Rússia não aceitou aumentar o fornecimento de gás e as ‘amigas’ renováveis falharam mais uma vez. O efeito direto no preço da eletricidade verifica-se porque 23% dessa produção, na União Europeia, é gerada por gás natural.

Andamos até a acelerar o encerramento de fábricas de carvão, e a cada vez maior dependência de fontes renováveis está a expor o problema nesta fase crítica que estamos a viver (é a tal frase: “O rei vai nu!”). A energia renovável está dependente do próprio clima, podendo gerar em determinadas alturas mais eletricidade e noutras “nem por isso”. No Reino Unido, por exemplo, as renováveis, que fornecem 18% do mix elétrico, caíram para uns incríveis 2%. Estamos então em agonia com falta de CO2… um paradoxo!

Num horizonte próximo, podem mesmo acontecer apagões de eletricidade. E é quase certo que a eletricidade, no futuro, possa vir a ser racionada nos períodos em que as renováveis falhem por ausência de vento ou vento a mais, assim como pela falta de sol. De uma coisa tenho a certeza: os preços da eletricidade financiam muitas mais coisas do que só apenas a própria eletricidade.

De uma forma direta ou indireta, quais serão as consequências destas políticas energéticas? E quem serão os responsáveis? Os governantes decidem e os contribuintes suportam estes devaneios ‘verdes’ carregados de ideologia e não de racionalidade. E é isto… Não quero que pensem como eu, mas, por favor, pensem!

Geofencing-a nova fronteira para a sustentabilidade

Geofencing: a nova fronteira para a sustentabilidade

Opinião de Stefan Carsten

A Ford fá-lo na Colónia, a BMW em Roterdão, a Fiat em Turim e a Volvo em Gotemburgo. Falamos sobre geofencing, a tecnologia que atua automaticamente quando se cruzam fronteiras virtuais.

A tecnologia de geofencing garante que os veículos que cruzem as fronteiras virtuais de áreas ou zonas geograficamente definidas sigam as regras a elas atribuídas de forma correspondente. Por exemplo, as cidades podem criar, controlar e, se necessário, cobrar pelo seu uso, otimizar fluxos rodoviários, reduzir o ruído do trânsito e a poluição do ar e tornar o uso de espaços públicos mais seguros – limitando a velocidade junto de escolas ou jardins de infância (para  mais informações consulte green-zones.eu). 

Estas medidas dão aos fabricantes a opção de fazer com que os seus veículos reajam de forma autónoma às regulamentações digitais. O espetro de avisos do veículo varia, por exemplo, do alerta de acidente e condições de estradas difíceis até ao controlo de acesso a espaços da cidade e à cobrança de taxas de estacionamento e portagens conforme o veículo, como autocarros, veículos particulares, veículos pesados ​​ou tipo de combustível. Assim, no futuro não serão necessários sinais de trânsito nem infraestruturas adicionais para tal. 

Paralelamente, a tecnologia não se limita ao solo. Por exemplo, as zonas interditas do espaço aéreo podem ser definidas para operações de drones ao longo de infraestruturas essenciais, aeroportos, instalações militares, linhas ferroviárias ou plantas industriais. Atualmente, estas aplicações estão mais avançadas em Gotemburgo, na Suécia. 

Há já alguns anos que várias questões de pesquisa têm sido trabalhadas com o objetivo de tornar a cidade climaticamente neutra até 2030. Na cidade natal da Volvo, um consórcio formado por representantes da indústria automóvel, associações locais de transporte, cidade e região, ciência, fornecedores de energia e IT discutem e testam questões sobre a localidade, transporte e meio ambiente – e a Volvo usa Gotemburgo como um laboratório para novas tecnologias para veículos conectados.

Com a iniciativa conjunta Green City Zone (Zona Verde da Cidade), a cidade de Gotemburgo e o fabricante de automóveis ambicionam agora criar uma área totalmente livre de emissões com um grande número de meios de transporte neutros para o clima e uma infraestrutura conectada.

A tecnologia de geofencing é usada neste projeto para garantir que os automóveis e autocarros na zona de teste operem apenas de forma elétrica e permaneçam dentro dos limites de velocidade. “Estamos a iniciar um projeto aqui para limitar o número de carros na cidade, o que está em total consonância com o propósito da nossa empresa”, afirma Samuelsson, CEO da Volvo. “A iniciativa dá-nos a oportunidade de fazer isso e ao mesmo tempo de assumir a responsabilidade na nossa cidade natal” (Volvo 2021).

Como outras cidades europeias, Gotemburgo visa mitigar os efeitos das mudanças climáticas, promovendo a mobilidade urbana sustentável. A má qualidade do ar origina, todos os anos, cerca de 300 mortes prematuras na cidade e a poluição sonora também tem um custo económico estimado em 96 milhões de euros. Para tornar o tráfego mais económico, silencioso, limpo e seguro, Gotemburgo está, portanto, a adotar uma abordagem proativa. A emissão de gases com efeito estufa deve ser reduzida de oito toneladas de CO2 por pessoa por ano para menos de duas toneladas em 2050 – também com a ajuda da geofencing.

Numa fase de testes de doze meses, dez veículos Ford juntamente com um veículo híbrido plug-in (PHEV), percorreram um total de 62.000 quilómetros na cidade de Colónia. Assim que um veículo entrou numa zona ambiental, o motor elétrico foi automaticamente acionado. Simultaneamente, foi gravado de forma anónima numa blockchain quando um veículo entrou numa zona ambiental e a deixou novamente. Uma tecnologia de geofencing dinâmica também foi testada, o que permite que os carros elétricos se adaptem às novas condições estruturais em tempo real: Se os limites das zonas ambientais mudassem com base nos dados de qualidade do ar recolhidos, os veículos conectados automaticamente mudavam para o modo de condução totalmente elétrico. Como resultado, 70 por cento das distâncias percorridas nas zonas marcadas foram em modo elétrico. A delimitação geográfica dinâmica é um pré-requisito importante para a aplicação de medidas locais e específicas de sustentabilidade e segurança.

A Fiat está, igualmente, a movimentar-se em Turim. A eletrónica a bordo de um veículo híbrido desliga automaticamente o motor de combustão ao entrar numa zona ambiental e ativa o motor elétrico. No início, o sistema notifica o condutor de que está a entrar numa zona de tráfego restrito, então o sistema eletrónico verifica se o modo de condução elétrico livre de emissões está pronto e ativa-o automaticamente. Geralmente, quando se deixa a zona exclusiva a veículos elétricos, o sistema muda automaticamente para o modo de condução que estava ativado na fase anterior. No entanto, se o modo de condução for alterado para um nível não elétrico dentro da zona ambiental, o sistema dispara um aviso e recomenda voltar para o modo elétrico – se isso não for cumprido, o carro é registado e é emitida uma multa (saiba mais em stellantis.com).

A tecnologia de geofencing é mais difundida hoje na área da micro mobilidade. Acima de tudo, a variante excludente entra em cena: Zonas sem estacionamento. 

Por um lado, as áreas empresariais definem onde as scooters e trotinetes podem ser estacionadas, por outro lado, são cada vez mais as áreas designadas que excluem o estacionamento, nomeadamente os locais históricos ou outros espaços de interesse turístico, como acontece no memorial do Holocausto em Berlim. No entanto, seria mais importante incluir a área suburbana nas ofertas para disponibilizar uma alternativa real de last mile. Com a ajuda da geofencing, podem definir-se os espaços à volta das estações de comboios ou paragens nos quais só podem ser usadas trotinetes ou bicicletas partilhadas. Desta forma, as ofertas estão sempre disponíveis. Tendo em vista as tendências prováveis ​​na indústria de micro mobilidade, as cidades devem agora oferecer soluções alternativas rapidamente, porque após a primeira onda de consolidação segue-se a expansão almejada neste mercado.

Quanto mais exclusivas e movimentadas forem as cidades, mais mecanismos inclusivos devem elas oferecer, estabelecendo centros de mobilidade para todos. Esta é a única forma de evitar estacionamento excessivo em cada esquina e nos passeios: graças a regras e atribuições claras, os utilizadores sabem rapidamente onde estão exatamente os hubs de mobilidade. 

Existirá espaço suficiente para isso na cidade do amanhã. As entidades competentes apenas precisam de atribuir um espaço adicional ou lugar de estacionamento para os centros de mobilidade.

Stellantis: Fusão da FCA com o grupo PSA – curiosidades

O acordo entre os dois grandes grupos FCA (Fiat Chrysler Automobiles) e PSA Groupe foi celebrado em dezembro de 2019. E este artigo tem por base uma apresentação pública, em janeiro de 2021, proferida por Carlos Tavares, atual CEO da STELLANTIS e ex-CEO do grupo PSA, além de ser – acrescento – um português que orgulhosamente sigo com atenção, talvez um dos mais bem-sucedidos da diáspora portuguesa em gestão internacional.

Estamos a falar de mais de uma dezena de marcas (Alfa Romeo, Chrysler, Citroën, Dodge, Fiat, Jeep, Opel, Peugeot, entre outras), mais de 8 milhões de veículos por ano, assim como vendas consolidadas acima dos 160 mil milhões de euros. E, basicamente, com esta fusão dá origem ao 4º maior fabricante do mundo (3º em volume de vendas).

Os principais objetivos desta fusão serão o aumento da escala, a liderança em alguns mercados (China, em particular) e a redução de custos (convergência de plataformas, otimização de investimentos em I&D, compras, fornecedores, etc.). E isto porque a indústria automóvel enfrenta grandes transformações, sendo a eletrificação um dos maiores drivers para os próximos 10 a 20 anos – assim como a digitalização, condução autónoma e conectividade. E isto afeta toda uma cadeia de valor do cluster automotive e de dezenas de milhares de fornecedores do ecossistema dos componentes.

O tema que levou ao anúncio oficial na referida conferência foi “Construindo um novo líder mundial de mobilidade sustentável”. E será que vai conseguir? Neste artigo, não tento dar respostas sobre o futuro; apenas pretendo apresentar algumas curiosidades, com interpretação minha, da fusão de duas grandes construtoras que, consideradas isoladamente, já eram gigantes. 

E as principais conclusões foram as seguintes:

Great rather then big – Muito interessante ter este pensamento no crescimento e na escalabilidade do negócio futuro (assim como na sustentabilidade e previsibilidade). Ou seja, escala como necessidade para investir em inovação que outros não conseguem fazer; e serem muito bons no que fazem – para dentro e para fora –, impactando comunidades e pessoas. A alavancagem das sinergias e competências dos dois grupos para mais eficiência e efetividade provocará uma poupança estimada na ordem de 5 mil milhões de euros.

Diversity and competitive spirit – 400 mil pessoas de culturas diferentes: é na diversidade, na aceitação das pessoas como são, que está uma das forças de competição futura, visto que o mundo é feito de diversidade. “Doing the right things right” é o lema adotado. Inovação com alguma provocação, muito orientada para a tecnologia.

Exceeding consumers expectations – Tendo a meta da neutralidade carbónica sempre em mente, como também a mobilidade e a conectividade. O peso dos carros elétricos nas vendas será significativo no futuro, assim como a mobilidade e utilização partilhada. A condução autónoma será um dos maiores desafios na gestão das expectativas dos clientes versus o que vão entregar amanhã – mobilidade limpa, segura e acessível. A questão não será o número de modelos elétricos (39 em 2021), mas sim modelos mais acessíveis, no preço, à maioria da população – alargar segmentos e mercados, conseguindo ter, no futuro, uma versão elétrica em cada modelo produzido pela STELLANTIS.

Take aways – A soma das partes será maior que os dois grupos isolados: 40 marcas com o lema de “freedom of mobility” e neutralidade carbónica como foco. 

A questão é que, para atingir estes objetivos, só uma fusão poderia provocar sinergias que libertassem meios para grandes investimentos, não colocando em causa o número de trabalhadores atual, bem como um valor de vendas somado superior às partes, salientando que a regulamentação, cada vez mais apertada, também vai provocar muita pressão nos custos de produção.

Carlos Tavares pode até já ser considerado o 3º homem mais poderoso da indústria automóvel mundial, logo atrás de Akio Toyoda (Toyota) e de Herbert Diess (Volkswagen).

É conhecido como o homem que “faz milagres” no campo da rentabilidade. Lembro que trabalhou diretamente com Carlos Ghosn na Renault (conhecido como “o assassino dos custos extras”). Saliento, também, que o novo CEO da STELLANTIS conseguiu evitar a falência da PSA e multiplicar os resultados nos últimos anos. 

Outro feito foi salvar a Opel do grupo GM (General Motors) na Europa, após compra pela PSA em 2017. O objetivo será não encerrar nenhuma das 27 fábricas (número após a fusão) existentes na Europa.  

Outra particularidade está no nome, que fugiu à normalidade de juntar letras das várias marcas “as usual”. Esta designação, STELLANTIS, traz uma palavra simples de pronunciar em qualquer língua e com uma sonorização forte. A origem vem do latim “stello” e significa “iluminar estrelas”. Logo veremos se brilham!

Sobre o autor 

José Carlos Pereira é engenheiro do ambiente, com MBA Executivo em Gestão Empresarial. É business expert, consultor, formador e speaker na área comercial e de negócios internacionais.

O Ciclismo e a Escola

O ciclismo e a escola

Opinião de Gil Nadais

A importância de formar cidadãos mais conscientes e sobretudo responsáveis no uso da via pública ganha toda uma nova dimensão com a introdução do ciclismo no desporto escolar e, consequentemente, da utilização da bicicleta pelos futuros adultos.

Foi com regozijo que recebi a notícia de que o governo vai fomentar a utilização da bicicleta, ensinar a andar e promover a adaptação ao uso das vias públicas em todas as escolas com segundo ciclo. É algo por que a ABIMOTA pugnava pois, mais do que tudo, este é o reconhecimento da importância do setor português das duas rodas e mobilidade suave, na mobilidade.

No entanto, não se fica por aqui e esta é uma medida que deve ser analisada por diferentes perspetivas.

Ao promover o uso da bicicleta no desporto escolar estamos, antes de mais, a reconhecer a importância deste desporto, que será a segunda modalidade desportiva com mais audiência em Portugal e que atravessa um momento de grande vitalidade internacional. A recente vitória de João Almeida na Volta à Polónia é disso bom exemplo.

É certo que o desporto escolar tem um papel fundamental na divulgação e promoção da atividade desportiva, mas é igualmente certo que neste caso vai ainda mais longe, pois promove não só a atividade, mas também a utilização da bicicleta enquanto veículo ideal para as pequenas e médias deslocações diárias.

Dessa forma, estamos a promover hábitos de mobilidade e de vida mais sustentáveis e saudáveis.

A bicicleta é o veículo com menor impacto ambiental desde a produção à utilização e, neste caso, as emissões são zero. Por outro lado, por cada pessoa que opta por um meio de transporte que obriga à atividade física, estamos a contribuir para a redução de números de morbilidade com forte impacto em doenças cardiovasculares e na diabetes, por exemplo.

Atualmente, as doenças associadas ao excesso de peso representam dez por cento da despesa total em saúde no nosso país, que é como quem diz 207 euros por pessoa, por ano.

Reduzimos emissões de gases nocivos para a atmosfera, melhoramos a saúde das populações e, consequentemente, retiramos pressão e custos aos serviços de saúde.

Ao apostarmos na formação dos jovens enquanto utilizadores frequentes da bicicleta, estamos a apostar na utilização mais responsável da via pública. No curto/médio prazo teremos jovens e adultos com comportamentos mais seguros na estrada.

Mas promover o uso da bicicleta em Portugal é também promover um setor em crescimento e com forte cariz exportador.

O setor português das duas rodas e mobilidade suave representa hoje seis dezenas de empresas, que geram mais de 8.500 postos de trabalho diretos. É um setor que aposta na tecnologia, no desenvolvimento de novos produtos e que coloca Portugal na liderança europeia em termos de produção de bicicletas.

Em 2020 este setor exportou mais de 424 milhões de euros e, pelo segundo ano consecutivo, Portugal é o maior produtor de bicicletas da Europa.

Em suma, o Estado português, ao incentivar a utilização da bicicleta, está a promover a saúde das pessoas, do meio-ambiente e da economia.

Mobilidade no feminino – mais mobilidade para e por mulheres

Mobilidade no feminino – mais mobilidade para e por mulheres

Opinião de Stefan Carsten

As peculiaridades da mobilidade feminina são por vezes evidentes, mas, na maior parte, veladas. O conhecimento das muitas pequenas e grandes diferenças, das diversas necessidades e exigências é um pré-requisito essencial para a melhoria sustentável de todo o sistema de mobilidade. O facto de essas diferenças entre política e negócios, entre empresas e responsáveis de planeamento serem geralmente ignoradas já não deveria ser aceite. Quer se trate de trajetos, acessos ou meios de transporte, a mobilidade das mulheres difere significativamente da mobilidade dos homens e isso reflete-se particularmente nos padrões de mobilidade do dia a dia:

Trajetos mais complexos:

Os homens tendem a percorrer trajetos simplesmente estruturados, tendencialmente percursos entre o trabalho e lazer. Já os caminhos que as mulheres percorrem são mais complexos e multifacetados – tal como o seu quotidiano, que ainda se caracteriza por um maior envolvimento na organização familiar, especialmente no que diz respeito aos próprios filhos e aos seus pais (e sogros).

As mulheres são, portanto, forçadas a realizar muitas tarefas num curto período de tempo. Também fazem várias paragens a caminho do trabalho para casa, por exemplo, na creche, no ATL, no supermercado ou no clube desportivo dos filhos.

Distâncias mais curtas:

As mulheres percorrem em média 33 quilómetros por dia – menos 13 quilómetros do que os homens – conduzem menos e as distâncias médias diárias de transporte público e bicicleta também são menores. Isto deve- se, principalmente, ao facto de os homens percorrerem cerca do dobro da distância para o trabalho do que as mulheres e ao facto de as mulheres tenderem a procurar empregos na área local para poderem levar a cabo trabalho não remunerado.

Obstáculos na infraestrutura:

Embora as mulheres percorram, em média, distâncias mais curtas do que os homens, elas precisam de um período de tempo semelhante para as suas deslocações, porque são mais dependentes de transportes públicos. Isto significa caminhos longos e complicados para o transporte público, longos tempos de espera para troca entre transportes e uma infraestrutura totalmente inadequada para mães que viajam com crianças. As mulheres (e todos os que se preocupam com o trabalho) são, portanto, mais dependentes de um sistema de transporte altamente flexível que reduza o stress e o esforço. Isto também inclui percursos pedestres e ciclovias bem integrados, que devem ser projetadas de forma a que a mobilidade das crianças seja segura e descomplicada.

Desvantagens do automóvel:

A grande maioria dos carros está registada em nome dos homens, que são claramente os principais utilizadores – enquanto as mulheres, geralmente, têm apenas o segundo carro (caso haja). Paralelamente, os utilizadores de transporte público são maioritariamente mulheres, cerca de 66% em todo o mundo.

Mentalidade multimodal:

Como as mulheres têm menos acesso ao carro, precisam de organizar as suas deslocações de forma mais eficiente. A multimodalidade faz parte do seu dia a dia: a pé, de bicicleta, às vezes de carro, mais frequentemente de transportes públicos. O acesso fácil e sem barreiras a uma ampla variedade de meios de transporte é um pré-requisito para uma boa organização quotidiana.

Gestão de deslocações stressantes:

As mulheres que articulam o trabalho remunerado com as tarefas não remuneradas têm de ter a noção das horas o tempo todo. Pontualidade e capacidade de organização são requisitos importantes para o planeamento das suas deslocações. Os seus compromissos e os das crianças devem ser combinados e harmonizados da melhor forma possível.

Ansiedade feminina:

A chamada last mile, o último troço do caminho até casa, define a escolha das mulheres do meio de transporte, mais do que a dos homens. Ainda estarei na cidade depois do trabalho? Onde fica a paragem? Como volto para casa desde a paragem do autocarro? Os motivos destas questões são vários: desde ruas mal iluminadas no caminho para casa a intrusos durante uma corrida no parque, perseguição ou abordagens indecentes.

Lacunas na divisão de género:

O facto de as mulheres não estarem entre as primeiras a adotar novos serviços de mobilidade é claro no tópico da mobilidade partilhada (carros, scooters). À primeira vista, isto pode ser surpreendente, já que as mulheres tendem a dar mais valor à mobilidade sustentável do que os homens – e também estão dispostas a gastar mais dinheiro com isso. No entanto, a realidade da mobilidade partilhada parece diferente: mais de 60% das ofertas de car sharing são usadas por homens. Um cenário semelhante emerge na área da micromobilidade: apenas 25% a 33% das ofertas de ciclomotores ou scooters partilhadas são usadas por mulheres. Estas costumam recorrer às scooters elétricas, especialmente à noite, por ser um meio de deslocação mais rápido, pois têm medo de se deslocarem sozinhas em espaços públicos.

Mobilidade feminina: complexa e diversa

A mobilidade não é neutra no que toca ao género. Enquanto os homens tendem a conduzir um carro, as mulheres representam a maior parte dos utilizadores de transporte público em todo o mundo. Uma vez que cuidam com mais frequência dos filhos, as viagens diárias das mulheres também são mais curtas, mas mais variadas. No futuro, esta lógica deve refletir-se com muito mais força nos espaços de mobilidade na cidade, subúrbios e zonas rurais, bem como nas ofertas de mobilidade.

O género é um fator decisivo na escolha do meio de transporte, ainda mais importante do que a idade ou o rendimento. No entanto, o género dificilmente é tido em consideração na recolha e análise de dados. Em termos concretos, isso significa que, na política de transportes atual, 50% das necessidades dos viajantes não são suficientemente tidas em consideração, o que é prejudicial para as mulheres – e para o futuro sustentável e inclusivo da mobilidade.

Quanto mais as mulheres levantarem objeções ao planeamento e às decisões dominadas pelos homens, mais claro se torna que a diversidade e a inclusão são pré-requisitos elementares para uma forma sustentável de mobilidade. A perspetiva feminina garante um futuro mais saudável, seguro e integrado para a mobilidade. A tendência da ‘femobilidade’ mostra que menos ministros dos transportes do sexo masculino e mais do sexo feminino são necessários para tornar as cidades e regiões mais sustentáveis ​​e inclusivas.

Em suma, trata-se de promover a mobilidade baseada nas melhores práticas. E numa sociedade moderna isso também significa pensar na imagem de uma mulher trabalhadora com filhos, porque não há mais ninguém que tenha tão altas exigências para a mobilidade no presente e no futuro do que as próprias mulheres.